As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

O dilema dos generais e a torcida de Etchegoyen


Parte deles apostou em Temer, depois em Alckmin, Bolsonaro e Moro; agora se vê na torcida por Simone Tebet, Santos Cruz e até Ciro; Bolsonaro conta com slogan que favoreceu a democracia cristã italiana

Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

A terceira via começou a semana passada com uma substituição. João Doria saiu. Simone Tebet (MDB) assumiu. E nada, além da torcida, mudou entre os generais. Em 2016, eles deram majoritariamente boas-vindas ao governo de Michel Temer (MDB). A Comissão Nacional da Verdade os havia indisposto com Dilma Rousseff (PT). Os escândalos de corrupção fizeram o restante do trabalho. Ainda vice, Temer encontrou-se com os chefes do Exército. Na Presidência, recriou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o entregou ao general Sérgio Etchegoyen.

Após deixar o Estado-Maior do Exército, Sérgio Etchegoyen se tornou ministro-chefe do GSI Foto: MARCOS ARCOEVERDE
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Se Eduardo Villas Bôas era o comandante da Força Terrestre, Etchegoyen era o chefe do Estado Maior. Apontado pelos colegas como o mais bem preparado oficial de sua geração, passou a ser visto por muitos na esquerda como um dos articuladores do impeachment de Dilma. Tudo parecia bem, mas aí veio Joesley Batista e as ações do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A candidatura de Temer se tornou impossível após as acusações de corrupção, ainda que arquivadas pelo Congresso.

A bola passou para Geraldo Alckmin (PSDB) e sua esperança de subir nas pesquisas em razão da coligação que construíra e do tempo que teria na televisão. Mas Jair Bolsonaro, com meros oito segundos, conseguiu emplacar 46% dos votos enquanto o tucano cravou 4,7%. O segundo turno trouxe aos militares a escolha que se lhes apresentou: Fernando Haddad (PT) ou Jair Bolsonaro (PSL). Em massa apoiaram o capitão, inclusive com manifestações ilegais de coronéis e de generais da ativa em redes sociais, como revelou o Estadão. E a vitória veio. O começo do governo Bolsonaro trouxe um clima de festa. Durou pouco.

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O hoje ministro da Secretaria Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, era o comandante militar do Sudeste quando, em 6 de março de 2019, o Twitter do presidente Bolsonaro publicou uma cena de golden shower, flagrada em São Paulo. Logo viu que aquilo “ia pegar mal”. O dia parecia todo ruim. Ramos buscou saber o resultado da apuração das escolas de samba no Rio. E ficou contrariado: a Mangueira, com o enredo História para ninar gente grande, conquistou 270 pontos, a nota máxima na apuração. Era o 20.º título da escola, que homenageara Dandara e a vereadora Marielle Franco (PSOL). Mais do que lamentar a fortuna da Viradouro, da Vila Isabel ou da Portela, Ramos sentia a derrota na guerra cultural.

Michel Temer durante evento com o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. Foto: Marcos Correa/PR

E isso era só o começo do governo. O bolsonarismo, que tinha de aprovar a Reforma da Previdência, perdia tempo com atos obscenos e com o carnaval. Ministros passaram a ser postos na fritadeira do Twitter de Carlos Bolsonaro. Um a um os homens da cozinha do Planalto foram esturricados pelo vereador. Olavo de Carvalho destratava Villas Bôas e o general Santos Cruz com a mesma simplicidade de sua visão escatológica de mundo. O presidente chegou a tuitar que o general Rocha Paiva, amigo do coronel Brilhante Ustra, era “melancia”, pelo simples fato de ele criticá-lo em razão do uso da expressão “paraíba” para designar os nordestinos. “Quem manipula aquele Twitter?”,perguntou Etchegoyen.

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Quase ninguém desembarcou do governo. A maioria dos generais que deixaram a gestão foi demitida pelo presidente. Muito foram expostos ao ridículo, como o general Otávio Rêgo Barros. O porta-voz do Exército assumiu a mesma função no governo em 2019. Era visto ao lado do presidente em lives e nos cafés da manhã com jornalistas. Acabou fulminado pelas intrigas do gabinete do ódio. Ao anunciar o PIB de 1,1% de 2019, Bolsonaro fez o humorista Carioca responder às perguntas da imprensa. Trocou, assim, o general por um palhaço. Meses depois, Rêgo Barros deixaria o governo.

Bolsonaro continuou. Houve acenos golpistas em frente ao QG do Exército, 660 mil mortes na pandemia, a aposta na cloroquina e o desprezo pela vacina e as denúncias de corrupção, com as verbas da Educação sendo trocadas por quilos de ouro. Quando a apuração disciplinar contra o general Eduardo Pazuello foi arquivada, a maioria dos oficiais superiores passou a olhar para a candidatura de Sérgio Moro à Presidência. Estava ali a esperança de uma alternativa ao capitão e à volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas Moro se retirou e nenhuma opção consegue galvanizar o eleitorado. Nem Tebet nem Santos Cruz.

O general Santos Cruz se filiou ao Podemos. Foto: Dida Sampaio/Estadão
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Pior. Mesmo Ciro Gomes, que passou a contar com o apoio de uma minoria de militares ultranacionalistas, não consegue repetir o desempenho de eleições passadas. No fim de semana, o general Etchegoyen publicou no NH, jornal de Nova Hamburgo (RS), o artigo As Lições do Príncipe Regente. Diz o general: “De um lado, o atrito permanente contra tudo, define a linha da campanha. Investe-se contra as instituições como se fosse possível seguir sem elas. Do outro, a estratégia escolhida foi a desfaçatez, propondo-se o retorno ao triste passado marcado pelo maior escândalo de corrupção já registrado no mundo. Descondenar não é absolver”. O general reconhece que apenas “engatinha” o que ele chama de “opção de temperança e sem radicalismo”.

No mesmo fim de semana, Santos Cruz publicou novo manifesto no qual ataca tanto Bolsonaro quanto Lula. Ele diz que o Brasil não precisa de “corruptos falando em combater corrupção; que mensalão é diferente de ‘orçamento secreto’; que roubo ‘de direita’ é diferente do roubo ‘de esquerda’; petrolões, tratoraços, roubos de fundos de pensão; manipulação da opinião pública, repetindo a ladainha de que a corrupção acabou no governo; que crimes não existiram porque a Justiça anulou, arquivou ou prescreveu”. O tempo passa. E o que se assiste é a cristalização do voto nos dois líderes da pesquisas, cenário que não muda há mais de um ano.

É cada vez mais exígua a janela para os apelos e a torcida dos generais. O segundo turno pode estar logo ali, no primeiro, a se confirmar o Datafolha. O que restará aos generais diante de Lula e Bolsonaro? Quantos vão anular o voto, como garantiu Santos Cruz? Bolsonaro conta com o impasse, como na Itália, em 1976, quando o Partido Comunista Italiano (PCI) parecia pronto para vencer. O jornalista Indro Montanelli cunhou então, nas palavras de Enrico Berlinguer, secretário-geral do PCI, o “mais eficaz slogan anticomunista do pós-guerra”: “Turatevi il naso e votate DC”. Fechem o nariz e votem na Democracia Cristã. Os italianos fecharam o nariz, e o centro democrático, liderado pela DC de Benigno Zaccagnini, venceu. É assim que Bolsonaro espera reconquistar o mundo verde-oliva para a extrema-direita e ser reeleito.

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PS: Morreu no domingo, em São Paulo, o coronel Newton Borges Barbosa. Para os amigos da PM, ele era o Mineiro, o homem que estruturou o serviço de informações da corporação paulista. Começou a carreira no Regimento de Cavalaria, sob o comando do coronel Adauto Fernandes de Andrade. Tornou-se um dos homens da confiança do coronel. E, ao lado do capitão Salvador D’Aquino, foi um dos responsáveis pela guarda das armas e dos foguetes que deviam enfrentar os blindados do 2º Regimento de Cavalaria Mecanizada, na capital paulista, caso o general Amaury Kruel, comandante do 2º Exército resolvesse defender o governo de João Goulart, em 31 de Março de 1964. Cursou a Escola Nacional de Informações (EsNI) e foi convidado para trabalhar no DOI do 2.º Exército. Não quis. Preferia a conversa à violência e se manteve na PM. E lá estava quando Franco Montoro foi eleito governador. Era então necessário negociar com o Exército a volta do comando da tropa, nas mãos dos generais, para a dos oficiais da PM. E lá foi o Mineiro tranquilizar o Exército de que a transição seria calma. Com Montoro, tornou-se subcomandante-geral da PM (comando de Nilton Vianna). Não havia então segredo na PM que não passasse pelos seus ouvidos discretos.

Caro leitor,

A terceira via começou a semana passada com uma substituição. João Doria saiu. Simone Tebet (MDB) assumiu. E nada, além da torcida, mudou entre os generais. Em 2016, eles deram majoritariamente boas-vindas ao governo de Michel Temer (MDB). A Comissão Nacional da Verdade os havia indisposto com Dilma Rousseff (PT). Os escândalos de corrupção fizeram o restante do trabalho. Ainda vice, Temer encontrou-se com os chefes do Exército. Na Presidência, recriou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o entregou ao general Sérgio Etchegoyen.

Após deixar o Estado-Maior do Exército, Sérgio Etchegoyen se tornou ministro-chefe do GSI Foto: MARCOS ARCOEVERDE

Se Eduardo Villas Bôas era o comandante da Força Terrestre, Etchegoyen era o chefe do Estado Maior. Apontado pelos colegas como o mais bem preparado oficial de sua geração, passou a ser visto por muitos na esquerda como um dos articuladores do impeachment de Dilma. Tudo parecia bem, mas aí veio Joesley Batista e as ações do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A candidatura de Temer se tornou impossível após as acusações de corrupção, ainda que arquivadas pelo Congresso.

A bola passou para Geraldo Alckmin (PSDB) e sua esperança de subir nas pesquisas em razão da coligação que construíra e do tempo que teria na televisão. Mas Jair Bolsonaro, com meros oito segundos, conseguiu emplacar 46% dos votos enquanto o tucano cravou 4,7%. O segundo turno trouxe aos militares a escolha que se lhes apresentou: Fernando Haddad (PT) ou Jair Bolsonaro (PSL). Em massa apoiaram o capitão, inclusive com manifestações ilegais de coronéis e de generais da ativa em redes sociais, como revelou o Estadão. E a vitória veio. O começo do governo Bolsonaro trouxe um clima de festa. Durou pouco.

O hoje ministro da Secretaria Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, era o comandante militar do Sudeste quando, em 6 de março de 2019, o Twitter do presidente Bolsonaro publicou uma cena de golden shower, flagrada em São Paulo. Logo viu que aquilo “ia pegar mal”. O dia parecia todo ruim. Ramos buscou saber o resultado da apuração das escolas de samba no Rio. E ficou contrariado: a Mangueira, com o enredo História para ninar gente grande, conquistou 270 pontos, a nota máxima na apuração. Era o 20.º título da escola, que homenageara Dandara e a vereadora Marielle Franco (PSOL). Mais do que lamentar a fortuna da Viradouro, da Vila Isabel ou da Portela, Ramos sentia a derrota na guerra cultural.

Michel Temer durante evento com o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. Foto: Marcos Correa/PR

E isso era só o começo do governo. O bolsonarismo, que tinha de aprovar a Reforma da Previdência, perdia tempo com atos obscenos e com o carnaval. Ministros passaram a ser postos na fritadeira do Twitter de Carlos Bolsonaro. Um a um os homens da cozinha do Planalto foram esturricados pelo vereador. Olavo de Carvalho destratava Villas Bôas e o general Santos Cruz com a mesma simplicidade de sua visão escatológica de mundo. O presidente chegou a tuitar que o general Rocha Paiva, amigo do coronel Brilhante Ustra, era “melancia”, pelo simples fato de ele criticá-lo em razão do uso da expressão “paraíba” para designar os nordestinos. “Quem manipula aquele Twitter?”,perguntou Etchegoyen.

Quase ninguém desembarcou do governo. A maioria dos generais que deixaram a gestão foi demitida pelo presidente. Muito foram expostos ao ridículo, como o general Otávio Rêgo Barros. O porta-voz do Exército assumiu a mesma função no governo em 2019. Era visto ao lado do presidente em lives e nos cafés da manhã com jornalistas. Acabou fulminado pelas intrigas do gabinete do ódio. Ao anunciar o PIB de 1,1% de 2019, Bolsonaro fez o humorista Carioca responder às perguntas da imprensa. Trocou, assim, o general por um palhaço. Meses depois, Rêgo Barros deixaria o governo.

Bolsonaro continuou. Houve acenos golpistas em frente ao QG do Exército, 660 mil mortes na pandemia, a aposta na cloroquina e o desprezo pela vacina e as denúncias de corrupção, com as verbas da Educação sendo trocadas por quilos de ouro. Quando a apuração disciplinar contra o general Eduardo Pazuello foi arquivada, a maioria dos oficiais superiores passou a olhar para a candidatura de Sérgio Moro à Presidência. Estava ali a esperança de uma alternativa ao capitão e à volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas Moro se retirou e nenhuma opção consegue galvanizar o eleitorado. Nem Tebet nem Santos Cruz.

O general Santos Cruz se filiou ao Podemos. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Pior. Mesmo Ciro Gomes, que passou a contar com o apoio de uma minoria de militares ultranacionalistas, não consegue repetir o desempenho de eleições passadas. No fim de semana, o general Etchegoyen publicou no NH, jornal de Nova Hamburgo (RS), o artigo As Lições do Príncipe Regente. Diz o general: “De um lado, o atrito permanente contra tudo, define a linha da campanha. Investe-se contra as instituições como se fosse possível seguir sem elas. Do outro, a estratégia escolhida foi a desfaçatez, propondo-se o retorno ao triste passado marcado pelo maior escândalo de corrupção já registrado no mundo. Descondenar não é absolver”. O general reconhece que apenas “engatinha” o que ele chama de “opção de temperança e sem radicalismo”.

No mesmo fim de semana, Santos Cruz publicou novo manifesto no qual ataca tanto Bolsonaro quanto Lula. Ele diz que o Brasil não precisa de “corruptos falando em combater corrupção; que mensalão é diferente de ‘orçamento secreto’; que roubo ‘de direita’ é diferente do roubo ‘de esquerda’; petrolões, tratoraços, roubos de fundos de pensão; manipulação da opinião pública, repetindo a ladainha de que a corrupção acabou no governo; que crimes não existiram porque a Justiça anulou, arquivou ou prescreveu”. O tempo passa. E o que se assiste é a cristalização do voto nos dois líderes da pesquisas, cenário que não muda há mais de um ano.

É cada vez mais exígua a janela para os apelos e a torcida dos generais. O segundo turno pode estar logo ali, no primeiro, a se confirmar o Datafolha. O que restará aos generais diante de Lula e Bolsonaro? Quantos vão anular o voto, como garantiu Santos Cruz? Bolsonaro conta com o impasse, como na Itália, em 1976, quando o Partido Comunista Italiano (PCI) parecia pronto para vencer. O jornalista Indro Montanelli cunhou então, nas palavras de Enrico Berlinguer, secretário-geral do PCI, o “mais eficaz slogan anticomunista do pós-guerra”: “Turatevi il naso e votate DC”. Fechem o nariz e votem na Democracia Cristã. Os italianos fecharam o nariz, e o centro democrático, liderado pela DC de Benigno Zaccagnini, venceu. É assim que Bolsonaro espera reconquistar o mundo verde-oliva para a extrema-direita e ser reeleito.

PS: Morreu no domingo, em São Paulo, o coronel Newton Borges Barbosa. Para os amigos da PM, ele era o Mineiro, o homem que estruturou o serviço de informações da corporação paulista. Começou a carreira no Regimento de Cavalaria, sob o comando do coronel Adauto Fernandes de Andrade. Tornou-se um dos homens da confiança do coronel. E, ao lado do capitão Salvador D’Aquino, foi um dos responsáveis pela guarda das armas e dos foguetes que deviam enfrentar os blindados do 2º Regimento de Cavalaria Mecanizada, na capital paulista, caso o general Amaury Kruel, comandante do 2º Exército resolvesse defender o governo de João Goulart, em 31 de Março de 1964. Cursou a Escola Nacional de Informações (EsNI) e foi convidado para trabalhar no DOI do 2.º Exército. Não quis. Preferia a conversa à violência e se manteve na PM. E lá estava quando Franco Montoro foi eleito governador. Era então necessário negociar com o Exército a volta do comando da tropa, nas mãos dos generais, para a dos oficiais da PM. E lá foi o Mineiro tranquilizar o Exército de que a transição seria calma. Com Montoro, tornou-se subcomandante-geral da PM (comando de Nilton Vianna). Não havia então segredo na PM que não passasse pelos seus ouvidos discretos.

Caro leitor,

A terceira via começou a semana passada com uma substituição. João Doria saiu. Simone Tebet (MDB) assumiu. E nada, além da torcida, mudou entre os generais. Em 2016, eles deram majoritariamente boas-vindas ao governo de Michel Temer (MDB). A Comissão Nacional da Verdade os havia indisposto com Dilma Rousseff (PT). Os escândalos de corrupção fizeram o restante do trabalho. Ainda vice, Temer encontrou-se com os chefes do Exército. Na Presidência, recriou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o entregou ao general Sérgio Etchegoyen.

Após deixar o Estado-Maior do Exército, Sérgio Etchegoyen se tornou ministro-chefe do GSI Foto: MARCOS ARCOEVERDE

Se Eduardo Villas Bôas era o comandante da Força Terrestre, Etchegoyen era o chefe do Estado Maior. Apontado pelos colegas como o mais bem preparado oficial de sua geração, passou a ser visto por muitos na esquerda como um dos articuladores do impeachment de Dilma. Tudo parecia bem, mas aí veio Joesley Batista e as ações do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A candidatura de Temer se tornou impossível após as acusações de corrupção, ainda que arquivadas pelo Congresso.

A bola passou para Geraldo Alckmin (PSDB) e sua esperança de subir nas pesquisas em razão da coligação que construíra e do tempo que teria na televisão. Mas Jair Bolsonaro, com meros oito segundos, conseguiu emplacar 46% dos votos enquanto o tucano cravou 4,7%. O segundo turno trouxe aos militares a escolha que se lhes apresentou: Fernando Haddad (PT) ou Jair Bolsonaro (PSL). Em massa apoiaram o capitão, inclusive com manifestações ilegais de coronéis e de generais da ativa em redes sociais, como revelou o Estadão. E a vitória veio. O começo do governo Bolsonaro trouxe um clima de festa. Durou pouco.

O hoje ministro da Secretaria Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, era o comandante militar do Sudeste quando, em 6 de março de 2019, o Twitter do presidente Bolsonaro publicou uma cena de golden shower, flagrada em São Paulo. Logo viu que aquilo “ia pegar mal”. O dia parecia todo ruim. Ramos buscou saber o resultado da apuração das escolas de samba no Rio. E ficou contrariado: a Mangueira, com o enredo História para ninar gente grande, conquistou 270 pontos, a nota máxima na apuração. Era o 20.º título da escola, que homenageara Dandara e a vereadora Marielle Franco (PSOL). Mais do que lamentar a fortuna da Viradouro, da Vila Isabel ou da Portela, Ramos sentia a derrota na guerra cultural.

Michel Temer durante evento com o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. Foto: Marcos Correa/PR

E isso era só o começo do governo. O bolsonarismo, que tinha de aprovar a Reforma da Previdência, perdia tempo com atos obscenos e com o carnaval. Ministros passaram a ser postos na fritadeira do Twitter de Carlos Bolsonaro. Um a um os homens da cozinha do Planalto foram esturricados pelo vereador. Olavo de Carvalho destratava Villas Bôas e o general Santos Cruz com a mesma simplicidade de sua visão escatológica de mundo. O presidente chegou a tuitar que o general Rocha Paiva, amigo do coronel Brilhante Ustra, era “melancia”, pelo simples fato de ele criticá-lo em razão do uso da expressão “paraíba” para designar os nordestinos. “Quem manipula aquele Twitter?”,perguntou Etchegoyen.

Quase ninguém desembarcou do governo. A maioria dos generais que deixaram a gestão foi demitida pelo presidente. Muito foram expostos ao ridículo, como o general Otávio Rêgo Barros. O porta-voz do Exército assumiu a mesma função no governo em 2019. Era visto ao lado do presidente em lives e nos cafés da manhã com jornalistas. Acabou fulminado pelas intrigas do gabinete do ódio. Ao anunciar o PIB de 1,1% de 2019, Bolsonaro fez o humorista Carioca responder às perguntas da imprensa. Trocou, assim, o general por um palhaço. Meses depois, Rêgo Barros deixaria o governo.

Bolsonaro continuou. Houve acenos golpistas em frente ao QG do Exército, 660 mil mortes na pandemia, a aposta na cloroquina e o desprezo pela vacina e as denúncias de corrupção, com as verbas da Educação sendo trocadas por quilos de ouro. Quando a apuração disciplinar contra o general Eduardo Pazuello foi arquivada, a maioria dos oficiais superiores passou a olhar para a candidatura de Sérgio Moro à Presidência. Estava ali a esperança de uma alternativa ao capitão e à volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas Moro se retirou e nenhuma opção consegue galvanizar o eleitorado. Nem Tebet nem Santos Cruz.

O general Santos Cruz se filiou ao Podemos. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Pior. Mesmo Ciro Gomes, que passou a contar com o apoio de uma minoria de militares ultranacionalistas, não consegue repetir o desempenho de eleições passadas. No fim de semana, o general Etchegoyen publicou no NH, jornal de Nova Hamburgo (RS), o artigo As Lições do Príncipe Regente. Diz o general: “De um lado, o atrito permanente contra tudo, define a linha da campanha. Investe-se contra as instituições como se fosse possível seguir sem elas. Do outro, a estratégia escolhida foi a desfaçatez, propondo-se o retorno ao triste passado marcado pelo maior escândalo de corrupção já registrado no mundo. Descondenar não é absolver”. O general reconhece que apenas “engatinha” o que ele chama de “opção de temperança e sem radicalismo”.

No mesmo fim de semana, Santos Cruz publicou novo manifesto no qual ataca tanto Bolsonaro quanto Lula. Ele diz que o Brasil não precisa de “corruptos falando em combater corrupção; que mensalão é diferente de ‘orçamento secreto’; que roubo ‘de direita’ é diferente do roubo ‘de esquerda’; petrolões, tratoraços, roubos de fundos de pensão; manipulação da opinião pública, repetindo a ladainha de que a corrupção acabou no governo; que crimes não existiram porque a Justiça anulou, arquivou ou prescreveu”. O tempo passa. E o que se assiste é a cristalização do voto nos dois líderes da pesquisas, cenário que não muda há mais de um ano.

É cada vez mais exígua a janela para os apelos e a torcida dos generais. O segundo turno pode estar logo ali, no primeiro, a se confirmar o Datafolha. O que restará aos generais diante de Lula e Bolsonaro? Quantos vão anular o voto, como garantiu Santos Cruz? Bolsonaro conta com o impasse, como na Itália, em 1976, quando o Partido Comunista Italiano (PCI) parecia pronto para vencer. O jornalista Indro Montanelli cunhou então, nas palavras de Enrico Berlinguer, secretário-geral do PCI, o “mais eficaz slogan anticomunista do pós-guerra”: “Turatevi il naso e votate DC”. Fechem o nariz e votem na Democracia Cristã. Os italianos fecharam o nariz, e o centro democrático, liderado pela DC de Benigno Zaccagnini, venceu. É assim que Bolsonaro espera reconquistar o mundo verde-oliva para a extrema-direita e ser reeleito.

PS: Morreu no domingo, em São Paulo, o coronel Newton Borges Barbosa. Para os amigos da PM, ele era o Mineiro, o homem que estruturou o serviço de informações da corporação paulista. Começou a carreira no Regimento de Cavalaria, sob o comando do coronel Adauto Fernandes de Andrade. Tornou-se um dos homens da confiança do coronel. E, ao lado do capitão Salvador D’Aquino, foi um dos responsáveis pela guarda das armas e dos foguetes que deviam enfrentar os blindados do 2º Regimento de Cavalaria Mecanizada, na capital paulista, caso o general Amaury Kruel, comandante do 2º Exército resolvesse defender o governo de João Goulart, em 31 de Março de 1964. Cursou a Escola Nacional de Informações (EsNI) e foi convidado para trabalhar no DOI do 2.º Exército. Não quis. Preferia a conversa à violência e se manteve na PM. E lá estava quando Franco Montoro foi eleito governador. Era então necessário negociar com o Exército a volta do comando da tropa, nas mãos dos generais, para a dos oficiais da PM. E lá foi o Mineiro tranquilizar o Exército de que a transição seria calma. Com Montoro, tornou-se subcomandante-geral da PM (comando de Nilton Vianna). Não havia então segredo na PM que não passasse pelos seus ouvidos discretos.

Caro leitor,

A terceira via começou a semana passada com uma substituição. João Doria saiu. Simone Tebet (MDB) assumiu. E nada, além da torcida, mudou entre os generais. Em 2016, eles deram majoritariamente boas-vindas ao governo de Michel Temer (MDB). A Comissão Nacional da Verdade os havia indisposto com Dilma Rousseff (PT). Os escândalos de corrupção fizeram o restante do trabalho. Ainda vice, Temer encontrou-se com os chefes do Exército. Na Presidência, recriou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e o entregou ao general Sérgio Etchegoyen.

Após deixar o Estado-Maior do Exército, Sérgio Etchegoyen se tornou ministro-chefe do GSI Foto: MARCOS ARCOEVERDE

Se Eduardo Villas Bôas era o comandante da Força Terrestre, Etchegoyen era o chefe do Estado Maior. Apontado pelos colegas como o mais bem preparado oficial de sua geração, passou a ser visto por muitos na esquerda como um dos articuladores do impeachment de Dilma. Tudo parecia bem, mas aí veio Joesley Batista e as ações do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A candidatura de Temer se tornou impossível após as acusações de corrupção, ainda que arquivadas pelo Congresso.

A bola passou para Geraldo Alckmin (PSDB) e sua esperança de subir nas pesquisas em razão da coligação que construíra e do tempo que teria na televisão. Mas Jair Bolsonaro, com meros oito segundos, conseguiu emplacar 46% dos votos enquanto o tucano cravou 4,7%. O segundo turno trouxe aos militares a escolha que se lhes apresentou: Fernando Haddad (PT) ou Jair Bolsonaro (PSL). Em massa apoiaram o capitão, inclusive com manifestações ilegais de coronéis e de generais da ativa em redes sociais, como revelou o Estadão. E a vitória veio. O começo do governo Bolsonaro trouxe um clima de festa. Durou pouco.

O hoje ministro da Secretaria Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, era o comandante militar do Sudeste quando, em 6 de março de 2019, o Twitter do presidente Bolsonaro publicou uma cena de golden shower, flagrada em São Paulo. Logo viu que aquilo “ia pegar mal”. O dia parecia todo ruim. Ramos buscou saber o resultado da apuração das escolas de samba no Rio. E ficou contrariado: a Mangueira, com o enredo História para ninar gente grande, conquistou 270 pontos, a nota máxima na apuração. Era o 20.º título da escola, que homenageara Dandara e a vereadora Marielle Franco (PSOL). Mais do que lamentar a fortuna da Viradouro, da Vila Isabel ou da Portela, Ramos sentia a derrota na guerra cultural.

Michel Temer durante evento com o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. Foto: Marcos Correa/PR

E isso era só o começo do governo. O bolsonarismo, que tinha de aprovar a Reforma da Previdência, perdia tempo com atos obscenos e com o carnaval. Ministros passaram a ser postos na fritadeira do Twitter de Carlos Bolsonaro. Um a um os homens da cozinha do Planalto foram esturricados pelo vereador. Olavo de Carvalho destratava Villas Bôas e o general Santos Cruz com a mesma simplicidade de sua visão escatológica de mundo. O presidente chegou a tuitar que o general Rocha Paiva, amigo do coronel Brilhante Ustra, era “melancia”, pelo simples fato de ele criticá-lo em razão do uso da expressão “paraíba” para designar os nordestinos. “Quem manipula aquele Twitter?”,perguntou Etchegoyen.

Quase ninguém desembarcou do governo. A maioria dos generais que deixaram a gestão foi demitida pelo presidente. Muito foram expostos ao ridículo, como o general Otávio Rêgo Barros. O porta-voz do Exército assumiu a mesma função no governo em 2019. Era visto ao lado do presidente em lives e nos cafés da manhã com jornalistas. Acabou fulminado pelas intrigas do gabinete do ódio. Ao anunciar o PIB de 1,1% de 2019, Bolsonaro fez o humorista Carioca responder às perguntas da imprensa. Trocou, assim, o general por um palhaço. Meses depois, Rêgo Barros deixaria o governo.

Bolsonaro continuou. Houve acenos golpistas em frente ao QG do Exército, 660 mil mortes na pandemia, a aposta na cloroquina e o desprezo pela vacina e as denúncias de corrupção, com as verbas da Educação sendo trocadas por quilos de ouro. Quando a apuração disciplinar contra o general Eduardo Pazuello foi arquivada, a maioria dos oficiais superiores passou a olhar para a candidatura de Sérgio Moro à Presidência. Estava ali a esperança de uma alternativa ao capitão e à volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas Moro se retirou e nenhuma opção consegue galvanizar o eleitorado. Nem Tebet nem Santos Cruz.

O general Santos Cruz se filiou ao Podemos. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Pior. Mesmo Ciro Gomes, que passou a contar com o apoio de uma minoria de militares ultranacionalistas, não consegue repetir o desempenho de eleições passadas. No fim de semana, o general Etchegoyen publicou no NH, jornal de Nova Hamburgo (RS), o artigo As Lições do Príncipe Regente. Diz o general: “De um lado, o atrito permanente contra tudo, define a linha da campanha. Investe-se contra as instituições como se fosse possível seguir sem elas. Do outro, a estratégia escolhida foi a desfaçatez, propondo-se o retorno ao triste passado marcado pelo maior escândalo de corrupção já registrado no mundo. Descondenar não é absolver”. O general reconhece que apenas “engatinha” o que ele chama de “opção de temperança e sem radicalismo”.

No mesmo fim de semana, Santos Cruz publicou novo manifesto no qual ataca tanto Bolsonaro quanto Lula. Ele diz que o Brasil não precisa de “corruptos falando em combater corrupção; que mensalão é diferente de ‘orçamento secreto’; que roubo ‘de direita’ é diferente do roubo ‘de esquerda’; petrolões, tratoraços, roubos de fundos de pensão; manipulação da opinião pública, repetindo a ladainha de que a corrupção acabou no governo; que crimes não existiram porque a Justiça anulou, arquivou ou prescreveu”. O tempo passa. E o que se assiste é a cristalização do voto nos dois líderes da pesquisas, cenário que não muda há mais de um ano.

É cada vez mais exígua a janela para os apelos e a torcida dos generais. O segundo turno pode estar logo ali, no primeiro, a se confirmar o Datafolha. O que restará aos generais diante de Lula e Bolsonaro? Quantos vão anular o voto, como garantiu Santos Cruz? Bolsonaro conta com o impasse, como na Itália, em 1976, quando o Partido Comunista Italiano (PCI) parecia pronto para vencer. O jornalista Indro Montanelli cunhou então, nas palavras de Enrico Berlinguer, secretário-geral do PCI, o “mais eficaz slogan anticomunista do pós-guerra”: “Turatevi il naso e votate DC”. Fechem o nariz e votem na Democracia Cristã. Os italianos fecharam o nariz, e o centro democrático, liderado pela DC de Benigno Zaccagnini, venceu. É assim que Bolsonaro espera reconquistar o mundo verde-oliva para a extrema-direita e ser reeleito.

PS: Morreu no domingo, em São Paulo, o coronel Newton Borges Barbosa. Para os amigos da PM, ele era o Mineiro, o homem que estruturou o serviço de informações da corporação paulista. Começou a carreira no Regimento de Cavalaria, sob o comando do coronel Adauto Fernandes de Andrade. Tornou-se um dos homens da confiança do coronel. E, ao lado do capitão Salvador D’Aquino, foi um dos responsáveis pela guarda das armas e dos foguetes que deviam enfrentar os blindados do 2º Regimento de Cavalaria Mecanizada, na capital paulista, caso o general Amaury Kruel, comandante do 2º Exército resolvesse defender o governo de João Goulart, em 31 de Março de 1964. Cursou a Escola Nacional de Informações (EsNI) e foi convidado para trabalhar no DOI do 2.º Exército. Não quis. Preferia a conversa à violência e se manteve na PM. E lá estava quando Franco Montoro foi eleito governador. Era então necessário negociar com o Exército a volta do comando da tropa, nas mãos dos generais, para a dos oficiais da PM. E lá foi o Mineiro tranquilizar o Exército de que a transição seria calma. Com Montoro, tornou-se subcomandante-geral da PM (comando de Nilton Vianna). Não havia então segredo na PM que não passasse pelos seus ouvidos discretos.

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