O local mais inseguro para a mulher brasileira vítima de violência é a própria casa. E o agressor está dentro do ambiente doméstico. A autoria, em 76% dos casos, é de conhecidos (namorado, cônjuge, companheiro, vizinho ou ex). A violência é também silenciosa: entre as que sofrem violência, metade (52%) se calou e não fez nada. Somente 15% procuraram ajuda da família e 10,3% buscaram uma delegacia da mulher.
A pesquisa Violência Contra as Mulheres, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ouviu 2.084 pessoas nos dias 4 e 5 sobre situações vividas por elas nos últimos 12 meses no País. Na 2 .ª edição, o estudo descreve impactos e o perfil de vítimas de violência física e psicológica.
“O espaço doméstico não é seguro para boa parte das brasileiras”, diz Samira Bueno, diretora executiva do Fórum. “É seguro para o agressor, onde se sente mais à vontade para agredir que na rua”, afirma. “Tampouco o espaço público é seguro para a mulher, onde ela sofre assédio. Temos falado muito de violência em balada, em carnaval, em festas em si, mas a mulher está sendo assediada no transporte público, indo para o trabalho, voltando da escola e da faculdade.”
Em 2018, por hora, ao menos 1.826 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no Brasil - ao todo, foram 16 milhões de brasileiras (27,4%). A maioria foi vítima de ofensa verbal, como insulto, humilhação ou xingamento. Entre as que mais relatam agressões estão as jovens de 16 a 24 anos.
O total de vítimas de assédio é ainda maior: 22 milhões das brasileiras com 16 anos ou mais relatam ter sofrido algum assédio em 2018. Vítimas com ensino médio e superior relatam mais terem sofrido algum tipo de assédio do que aquelas com fundamental. O caso mais comum (32,1%), citado por 19 milhões delas, é de comentários desrespeitosos na rua.
O fato de mulheres com mais escolaridade se dizerem vítimas de assédio em maior número tem a ver com o “reconhecimento da violência”, segundo Samira. “O mesmo se dá com a faixa etária. Pode ser que, de fato, as jovens experimentem mais violência do que as mais velhas, mas também pode ser que as jovens estão muito menos tolerantes à violência.”
Em 2018, ao menos 4,7 milhões sofreram agressão física, chute, batida ou empurrão _ 536 casos por hora. Na pesquisa de 2017, eram 503 a cada hora. Também no ano passado, ao menos 4,6 milhões foram agredidas fisicamente por motivos sexuais, o que se enquadra na nova lei de importunação sexual.
Percepção
Em 2017 e no ano passado, homens e mulheres foram questionados se haviam visto, nos últimos 12 meses, casos de violência contra a mulher no seu bairro ou na comunidade. Em 2018, 59% da população disse ter visto ao menos uma. Em relação a 2017, houve queda de 10%. Já a percepção da própria vítima se manteve entre as pesquisas. Questionários foram aplicados só às entrevistadas, que apontaram os tipos de violência: de ofensa verbal a espancamento, de ameaça com faca ou arma de fogo, até empurrão.
Silêncio
Psicólogo do Departamento de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Helio Deliberador indica três possíveis razões para a resistência da mulher em denunciar: constrangimento pela exposição social de um problema de âmbito íntimo, custo psicológico da judicialização para os envolvidos na situação e valores morais que dificultam o reconhecimento da violência.
"Em muitos casos há vergonha de não querer revelar essa situação porque isso teria um custo psíquico grande, como se fosse um fracasso, um certo desajuste. E assim as mulheres acabaram preferindo resolver dentro daquele ambiente ou no máximo com a participação de familiares, dentro do corpo de relações mais próximas, em vez da atuação do Estado", afirma.
Para Deliberador, a "metida de colher" da rede de assistência psicossocial precisa ser cuidadosa e considerar as variáveis socioeconômicas de cada relação, pesando valores morais e sociais tanto do agressor quanto da vítima.
"É uma variável de relações entre as pessoas. É preciso ter uma certa delicadeza por parte de quem está lidando com essa vítima, fazendo intervenção que respeite certos níveis de funcionamento social e psíquico entre agressor e agredido. Nem sempre eles se sentem acolhidos pelo sistema, pelo Estado, que não considera essas variáveis".
Secretária foi à rede social para denunciar ex
A secretária odontológica Jackeline Mota, de 33 anos, recorreu às redes sociais após sofrer agressão do ex-marido, em julho, em Araçariguama, interior paulista. Ela publicou foto com o nariz quebrado e o rosto ensanguentado, denunciando o agressor. “Cansei de me calar, estou aqui na UBS (posto de saúde) pra quem quiser ver. Meu ex-marido acaba de quebrar meu nariz, porque arrumei um namorado. Detalhe: fez isso na frente dos filhos. Quer me matar (...) mata agora”, escreveu.
A agressão ocorreu quando Jackeline foi buscar um dos filhos, que estava com o pai. O ex saiu de casa e a esmurrou. Passados sete meses, Jackeline acredita que a atitude foi decisiva.
“Consegui a medida protetiva e ele nunca mais me procurou. Antes, eu fazia o BO (boletim de ocorrência), mas não ia para a frente” O ex-marido também foi indiciado por lesões corporais de natureza grave – ela teve de passar por cirurgia – e ainda responde ao inquérito. Jackeline entrou também com pedido de guarda e pensão alimentícia para os filhos.
“Ele vivia me perseguindo, me ameaçando, mas hoje posso dizer que vivo, tenho vida. Deus me deu forças para fazer o que fiz e continuar a viver”, disse ela, que se casou outra vez e espera um filho.
Rio. Na última semana, teve repercussão o caso da paisagista laine Caparróz, de 55 anos. Ela foi espancada durante quatro horas pelo estudante de Direito Vinícius Serra, em seu apartamento, no Rio. Após oito meses de contato pelas redes sociais, Elaine o havia convidado para um primeiro encontro no local. Ele foi preso em flagrante. /COLABOROU JOSÉ MARIA TOMAZELA
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