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Crônica, política e derivações

Analisando a Guerra I - Aspectos Jurídicos

Por Paulo Rosenbaum
Atualização:

Junto com Flávio Goldberg*, o Blog Conto de Notícia realizou uma entrevista com Gustavo Mesquita Galvão Bueno** (GMGB) para analisar e elucidar aspectos da corrente guerra declarada contra Israel pelos terroristas do Hamas.

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Blog - O terrorismo como ação contra o Estado é definido nas Convenções do Direito Internacional?

GMGB - Sim, o terrorismo é tema de ao menos 12 Convenções Internacionais¸ além de diversos Protocolos e Resoluções da ONU. Dentre as mais relevantes, podemos citar a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, a Convenção Internacional sobre a Supressão do Financiamento de Terrorismo, a Convenção Internacional Contra Tomadas de Reféns e a Convenção Internacional sobre a Supressão de Atentados Terroristas com Bombas. Vale destacar que o Brasil é signatário de todas elas, e que tais Convenções possuem efeito vinculante - ou seja, obrigam os Estados signatários a adotarem medidas internas a fim de garantir a aplicação e eficácia dos objetivos por ela estabelecidos.

Blog - A ONU prática discriminação quando reconhece um grupo de criminosos como governo legítimo de população sem mandato eleitoral há tantos anos? Estatisticamente o número de resoluções contra Israel é desproporcional, considera que há um bias de julgamento na ONU quando se trata de Israel? Como analisa o fato do Irã ter assumido a presidência da comissão de direitos humanos nesta quinta-feira?

GMGB- É importante termos a consciência de que as decisões da ONU são fortemente influenciadas por fatores de ordem política relacionados a seus estados-membros mais poderosos. Prova disso é a composição do Conselho de Segurança da ONU com seus membros permanentes e com poder de veto (Estados Unidos, Rússia, França, China e Reino Unido). Diante disso, suas resoluções nem sempre são orientadas pelo estrita e objetiva análise jurídica, mas por ingerências ou obstáculos impostos por tais países, de acordo com suas agendas estratégicas internas. Neste sentido, o governo brasileiro não deveria vincular sua classificação do Hamas como grupo terrorista dependendo da definição da ONU, mas sim de acordo com a análise jurídica dos vastos elementos que, tendo como fundamento nossa Lei de Terrorismo (Lei 13.260/2016), assim o configura de maneira inequívoca. Inevitável notar a flagrante contradição na postura do governo federal e de parte da imprensa que, amplamente, imputam como terroristas os participantes dos atos de 8 de janeiro em Brasília, mas resistem a classificar o Hamas como grupo terrorista.

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Blog - Quais suas considerações a respeito de como os partidos políticos vem instrumentalizando a crise gerada pela guerra contra o terror?

GMGB- Os ataques terroristas de 07/10 praticados pelo Hamas, não foram apenas atentados contra o Estado de Israel e o povo judeu, mas um atentado contra toda humanidade. Estamos falando do assassinato deliberado e com requintes de crueldade de mais de 1.400 civis inocentes, além de estupros, sequestros e outras atrocidades. Desse modo, os causadores de tais tragédias deveriam merecer reprovação veemente de toda a comunidade internacional, da sociedade e de suas diferentes alas de representação independentemente de orientação ideológica, política ou partidária. Portanto, é absolutamente triste e lamentável que partidos políticos no Brasil e no mundo estejam utilizando essa tragédia humana como instrumento para implementação de suas agendas estratégicas, tentando manipular a opinião pública com falsas informações e narrativas falaciosas.

 

Blog - Como o terrorismo, suas organizações e financiamentos impactam as democracias?

GMGB- Muito embora não haja um consenso universal sobre a conceituação do terrorismo, em relação a seus objetivos não há qualquer divergência: causar pânico na sociedade, ameaçar a paz social e promover um abalo nas estruturas mais basilares do Estado de Direito. Sendo assim, toda e qualquer forma de terrorismo, para além das tragédias e sofrimentos individuais, representa um atentado contra toda a humanidade, a tentativa de impor a barbárie sobre a civilização. É por isso que combater esse mal não deve ser responsabilidade apenas do estado ou coletividade atingida, mas de todo o mundo civilizado. Não à toa, um dos princípios essenciais que rege o combate ao terrorismo no mundo é o da competência universal, segundo o qual a punição a atos terroristas por cada Estado independe do local do crime, da nacionalidade das vítimas ou dos autores.

Blog - Considera que a legislação internacional pode se tornar um instrumento político enviezado, que, de alguma forma, acabe respaldando alguma ideologia extremista?

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GMGB- Como toda norma, a legislação de direito internacional é construída com fundamento nos valores majoritariamente vigentes na sociedade, e considerando as demandas mais relevantes de sua realidade fática em determinado período do tempo. Ocorre que, em momentos distintos, e a depender de quem realiza tal atividade, a interpretação da norma pode ser executada de maneira enviesada e assim traduzir-se num resultado diverso - ou até mesmo oposto - daquele pretendido pelos artífices da norma, distorcendo seu propósito e seu "espírito" (mens legis). É por que, em momentos de crise, quando as guerras narrativas assumem contornos tão relevantes quanto o conflito físico, que os Estados comprometidos com a paz e a democracia devem permanecer vigilantes para que as normas de direito internacional não sejam deturpadas, e sim aplicadas no sentido de proteger os bens jurídicos que fundamentam sua validade.

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Blog - Do ponto de vista da legislação internacional quais seriam as ações cabíveis quando um exército terrorista como o Hamas, sem compromisso com o direito internacional, assume o poder? Quem deve ser responsável pelos civis? A quem cabe sancionar e agir?

GMGB - Muito embora não haja um consenso universal sobre a conceituação do terrorismo, em relação a seus objetivos não há qualquer divergência: causar pânico na sociedade, ameaçar a paz social e promover um abalo nas estruturas mais basilares do Estado de Direito. Sendo assim, toda e qualquer forma de terrorismo, para além das tragédias e sofrimentos individuais, representa um atentado contra toda a humanidade, a tentativa de impor a barbárie sobre a civilização. É por isso que combater esse mal não deve ser responsabilidade apenas do estado ou coletividade atingida, mas de todo o mundo civilizado. Não é fortuito que um dos princípios essenciais que rege o combate ao terrorismo no mundo é o da competência universal, segundo o qual a punição a atos terroristas por cada Estado independe do local do crime, da nacionalidade das vítimas ou dos autores.

 

Blog - Fica evidente que as assim chamadas "narrativas" tem sido usadas para tentar imputar responsabilidade às vítimas, e assim relativizar o papel dos perpetradores do massacre contra civis. Ao que atribui essa curiosa inversão - que parece se estender para outros aspectos e práticas criminosas?

GMGB- Lamentavelmente, temos assistido a esforços constantes por parte de setores da sociedade e da imprensa no sentido de construir narrativas falaciosas baseadas na relativização (e, em muitos casos, legitimação) do terror, desprezo ao direito de legítima defesa e transformação das verdadeiras vítimas em vilões - tudo isso, acompanhado de generosas doses de antissemitismo, preconceito e discriminação contra o povo judeu. Tudo isso, sabemos, é parte das ferramentas utilizadas pelo Hamas para subverter a razão e a justiça. O fato é que essas narrativas acabam influenciando uma parcela da opinião pública de boa-fé que, por desconhecimento e desinformação, acabam se posicionando contra Israel e o direito de defender sua própria existência. O preocupante é que, conforme o tempo passa, a tendência é as pessoas esqueceram das atrocidades cometidas contra o povo de Israel no dia 10 de outubro de 2023. Daí a necessidade de que não nos omitamos e lembremos, dia após dia, das vidas inocentes ceifadas, dos reféns ainda em poder dos terroristas, e de tudo que o Hamas representa para o mundo: ódio, crueldade e destruição. Nas palavras atribuídas ao estadista e filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797), "para que o mal triunfe, basta que os maus não façam nada".

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*Flávio Goldberg é advogado e Mestre em Direito.

*Gustavo Mesquita Galvão Bueno, Delegado da Polícia Civil do Estado de São Paulo Especializado em Combate ao Crime Organizado Transnacional, Professor de Criminologia da Academia de Polícia Civil - ACADEPOL, Assessor da Policial Civil da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo.

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