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Por dentro da rede

Opinião|A internet é um espelho de nossas ações no mundo

Com a expansão rápida da rede ficou clara a necessidade de um local para o debate amplo dos outros temas importantes

Atualização:
O retorno emocional que recebemos na rede pode nos tornar embriagados pela imagem que queremos ou imaginamos projetar Foto: Rishabh Dharmani/Unsplash.com

Internet é tema em diversos fóruns. Assuntos técnicos ligados à evolução da rede discutem-se nas reuniões do IETF, força-tarefa de engenharia da rede, enquanto a administração de recursos que precisam de coordenação central como nomes de domínio, distribuição de números IP, pertence à constelação que orbita ao redor da ICANN. Com a expansão rápida da rede ficou clara a necessidade de um local para o debate amplo dos outros temas importantes. Surgiu a ideia de reuniões anuais, totalmente abertas, multissetoriais, e com espaço para discussão de qualquer tema que tangenciasse a internet: o IGF, 0 Fórum Global da Internet. O primeiro IGF foi em Atenas em 2006, seguindo-se o do Rio de Janeiro, em 2007.

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No IGF de 2010, em Vilna, Lituânia, discutiam-se riscos que a internet podia trazer aos usuários, dada a quantidade de crescente de ataques e práticas maliciosas. No painel, estava Vint Cerf, indiscutível pioneiro da rede e um dos criadores do TCP/IP, o protocolo que deu voo à internet. Vale a pena rever a análise sucinta que ele fez, e continua válida: “tecnologias são ferramentas que refletem os que as usam. A internet é um espelho da sociedade e, se você não gosta do que lá vê, não quebre o espelho, mas tente mudar o que nele está refletido”.

Muitas vezes a solução que nos parece mais à mão é “quebrar o espelho”, ou impedir o acesso a ele; buscar formas de obliterar o que não queremos ver. É crítico não ceder a essas tentações, sob pena de se perderem valores muito maiores.

Há, porém, outros impactos possíveis que um espelho pode causar no comportamento humano, e são tema de contos infantis, fábulas e mitos. Machado de Assis tem inclusive um conto curto, “O Espelho”, onde o protagonista vale-se do reflexo para preservar sua auto-estima. Talvez o contraponto mais interessante seja o do mito de Narciso. Ora, ao abaixar-se para beber água numa fonte, Narciso viu um belo rosto. Sem notar que era seu próprio reflexo, ele apaixonou-se pela imagem refletida, e aquela inatingível beleza inatingível o consumiu.

A internet reflete o mundo que temos mas, em particular, também reflete nossas próprias ações. O retorno emocional que recebemos na rede pode nos tornar embriagados pela imagem que queremos ou imaginamos projetar. O ego, reforçado e alimentado pela ressonância que obtêm, torna-se cada vez mais exigente de ação, e cada vez menos tímido em falar. Afinal, deve ser enfeitiçador ouvir a própria voz encobrindo outras vozes dissonantes. Caetano Veloso deixa isso registrado: “Narciso acha feio o que não é espelho”. 

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Opinião por Demi Getschko
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