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Doleira da Lava Jato, Nelma Kodama se aliou a chefe do PCC em tráfico internacional, diz PF

Ela foi presa em Portugal após investigação apontar esquema que levava drogas do Brasil para a Europa, mas defesa diz que vai esclarecer situação; Nelma é lembrada por ter cantado para senadores na CPI da Petrobras

Por Fátima Lessa
Atualização:
Correção:

CUIABÁ - A doleira condenada na Operação Lava Jato Nelma Kodama integrava um esquema de tráfico internacional de drogas que contava com a participação do Primeiro Comando da Capital (PCC), conforme investigação da Polícia Federal (PF). Uma operação da corporação na semana passada prendeu novamente Nelma, suspeita de atuar no comércio de entorpecentes para a Europa. Além desse negócio, segundo a investigação, ela e outros suspeitos na mira da PF também estiveram envolvidos na venda de respiradores e máscaras durante a pandemia da covid-19. 

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A Operação Descobrimento foi deflagrada no Brasil e em Portugal na terça-feira, 19. O foco era a atuação de uma quadrilha que transportava cocaína escondida na fuselagem de aeronaves de luxo para a Europa. O esquema com jatinhos funcionou por ao menos dois anos, entre 2020 e 2022, segundo os investigadores. Em um voo de fevereiro do ano passado, a PF conseguiu interceptar o transporte e apreendeu 535,6 quilos de cocaína em um avião que chegava em Salvador. 

Sete pessoas tiveram mandado de prisão expedido pela Justiça, que ordenou buscas em 46 localidades do País. Todos os suspeitos, incluindo Nelma, irão responder pela prática dos crimes de tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.

A doleira ficou conhecida em março de 2014, após ser presa na 1ª fase da Operação Lava Jato sob suspeita de participar de lavagem de dinheiro no esquema de corrupção na Petrobras junto com o doleiro Alberto Yousseff. Na época, ela foi detida em São Paulo, quando tentava embarcar para Milão, com € 200 mil escondidos na calcinha. 

Quando foi chamada para se explicar sobre as acusações no Senado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, Nelma roubou a cena ao cantar a música Amada amante, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, ao ser questionado sobre sua relação com Yousseff. 

Em 2019, doleira Nelma Kodama postou foto de vestido vermelho, sapato Chanel e tornozeleira eletrônica; ela havia sido presa na Lava Jato em 2014 sob acusação de participar de lavagem de dinheiro Foto: Reprodução/Instagram - 2019

No esquema de tráfico, a atuação do grupo se dividia em três núcleos identificados pela PF. O órgão detalhou o funcionamento da suposta quadrilha em relatório obtido pelo Estadão:

Núcleo central comprava droga e levava para a Europa

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Suspeitos de integrar o núcleo central:

  • Nelma Kodama, doleira
  • Nilton Borgato, ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Mato Grosso
  • Rowles Magalhães Pereira da Silva, namorado de Nelma
  • Claudio Rocha Junior
  • Ricardo Agostinho
  • Marcelo Mendonça de Lemos, apontado como integrante do PCC

A doleira Nelma Kodama integrava o primeiro núcleo, de acordo com a PF. Também estava neste grupo Marcelo Mendonça de Lemos apontado como integrante do alto escalão do PCC. Lemos também é conhecido pelos apelidos eram Marcelo Grandão ou Marcelo Infraero, supostamente pelo fato de sempre frequentar o aeroporto.

Nelma, Lemos e outras quatro pessoas (entre elas o ex-secretário de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso Nilton Borgato) seriam os responsáveis pela aquisição da droga com os fornecedores e pela sua introdução no mercado europeu. 

Um despacho da Justiça informa que Marcelo Lemos e sua mulher saíram do Brasil em 2 de junho do ano passado, com destino à América Central e, posteriormente, viajaram para os Estados Unidos, onde, possivelmente, permanecem até hoje.

A doleira participava das remessas de drogas ao exterior antes de o avião com drogas ser flagrado em Salvador. Ela mantinha relacionamento amoroso com um outro suspeito de participar do esquema: Rowles Magalhães Pereira da Silva. O relatório da PF, relata, com riqueza de detalhes, inclusive com prints de conversa de Whatsapp entre Nelma e Rowles, a importante participação de ambos em uma operação envolvendo a remessa de droga entre 4 de abril de 2020 a 13 de junho de 2020. 

Outro integrante do núcleo, Claudio Rocha Junior, está preso em Portugal. Ele é suspeito de integrar o grupo criminoso, tanto no tráfico internacional como na lavagem de capitais. Ele estaria, além do Brasil, atuando em vários países da América do Sul, além dos Estados Unidos, Austrália e Europa, como Portugal e Espanha.

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A doleira Nelma Kodama, que voltou aser presa, desta vez em Lisboa. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O relatório da PF demonstra que Rowles Magalhães e Ricardo Agostinho (outro suspeito de integrar o núcleo principal da organização) são as pessoas que organizam os voos internacionais entre Brasil e Portugal para o transporte da droga. Rowles possui dupla nacionalidade (brasileira e portuguesa), o que facilita o seu trabalho na organização criminosa. Segundo a PF, ele é lobista e já foi assessor especial do gabinete da vice-governadoria em Mato Grosso. 

De acordo com a Polícia Federal, droga era escondida na fuselagem da aeronave Foto: PF

O advogado Adib Abdouni, que atua na defesa de Rowles, disse que seu cliente é inocente. O advogado Nelson Wilians, que representa Nelma Kodama, diz que a empresária "continua em detenção provisória até a decisão sobre o pedido de extradição". Segundo nota divulgada por Wilians, em audiência na quinta, 21, no Tribunal da Relação de Lisboa, foi dado o prazo de 18 dias para que o Brasil apresente a documentação completa para a extradição. “Confiamos na Justiça e, em breve, tudo será esclarecido e resolvido para nossa cliente”, acrescenta a defesa de Nelma.

O advogado Luiz Alberto Derze, que atua na defesa de Nilton Borgato, disse que as acusações “não demonstram  qualquer envolvimento do investigado com as trativas ilícitas”. Segundo o advogado, “trata-se de  meras suposições e presunções que serão esclarecidas em tempo e modo devido”.  Ele disse que Borgato “nega com veemência as levianas imputações sustentadas" pelas investigações.

O Estadão não localizou as defesas de Ricardo Agostinho, Marcelo Infraero e Claudio Rocha Junior. 

Núcleo secundário fazia operações logísticas e financeiras

Suspeitos de integrar o segundo núcleo:

  • Marcos Paulo Barbosa, vulgo Papito
  • Fernando de Souza Honorato
  • Marcelo Lucena da Silva
  • Edson Carvalho Sales dos Santos

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O segundo núcleo da organização, segundo a PF, é integrado por quatro homens responsáveis pela parte operacional e financeira. Conforme o relatório da PF, Marcos Paulo Barbosa, vulgo Papito, e Fernando de Souza Honorato eram responsáveis pela parte operacional da organização. A parte financeira ficava com Marcelo Lucena da Silva e Edson Carvalho Sales dos Santos.

Papito seria, segundo as investigações,  o sócio da Lopes & Ferreira assessoria Ltda, empresa responsável pelo fretamento da aeronave de prefixo CS-DTP marca Falcon, modelo 900B, apreendida em Salvador em fevereiro do ano passado. Um outro sócio da Lopes & Ferreira nega que a empresa tenha fretado o voo.

O integrante da facção PCC Marcelo Mendonça de Lemos foi o responsável pela contratação do voo, iniciado em 27 de janeiro de 2021, em Cascais, em Portugal, tendo como destino final a cidade de Jundiaí (SP), onde, em hangar situado "no aeródromo daquela urbe, ocorrera a introdução do entorpecente” afirma a PF. O voo custou 145 mil euros, pagos em espécie. 

Marcelo Infraero e Papito, em sociedade, "mantêm hangaradas duas aeronaves de pequeno porte que utilizam em atividades criminosas relacionadas ao tráfico de entorpecentes em conluio com os demais integrantes da organização especialmente Rowles e Ricardo Agostinho”, diz trecho do relatório da PF.

Fernando Honorato trabalha no hangar da empresa Fly Away, o aeródromo da cidade de Jundiaí. Segundo as investigações, ele ocupa o cargo de diretor da empresa. “E valendo-se da condição de diretor forneceu acesso aos demais integrantes da organização criminosa, para o carregamento de mais de quinhentos quilos de cocaína na aeronave”, diz o relatório da PF.

Marcelo Lucena da Silva, segundo as investigações, é o doleiro/pagador que Rowles Magalhães e Ricardo Agostinho recorriam para suas transações com o dinheiro proveniente do tráfico de entorpecentes.

O Estadão não conseguiu contato com as defesas de Marcos Paulo Barbosa (o Papito), Fernando de Souza Honorato, Marcelo Lucena da Silva e Edson Carvalho Sales dos Santos. A reportagem também não conseguiu contato com a empresa Fly Away. 

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Terceiro núcleo ocultava a droga na fuselagem de aeronaves

Suspeitos de integrar o terceiro núcleo: 

  • Mansur Mohamed Benbarka Heredia
  • Lincon Felix dos Santos
  • Edson Borges dos Santos
  • Richard Rodrigues Consentino
  • Cícero Guilherme Conceição Desidério

Segundo a Polícia Federal, um terceiro núcleo seria integrado por Mansur Mohamed Benbarka Heredia, Lincon Felix dos Santos, Edson Borges dos Santos, Richard Rodrigues Consentino e Cícero Guilherme Conceição Desidério. 

Todos eles, apontam as investigações, exerciam a função de carregar a droga até a aeronave e ocultá-la na sua fuselagem. Mansur, segundo o comandante da aeronave em que foi encontrada a droga, era consultor aeronáutico e um dos passageiros da aeronave que veio de Portugal ao Brasil. 

Lincon Felix dos Santos, ainda de acordo com as investigações, teria sido o responsável por coordenar o trabalho de carregamento da aeronave apreendida em Salvador em 9 de fevereiro de 2021. 

Conversas interceptadas pela PF e autorizadas pela Justiça revelam que Lincon era interlocutor de Marcos Paulo no Whatsapp, e as conversas revelam sua participação na introdução do entorpecente na aeronave, junto com Marcelo Infraero e Papito. 

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No relatório da PF consta que Dilson Borges e Cícero Guilherme foram contratados por Marcelo Infraero “para o carregamento da droga e sua introdução na aeronave, a qual se encontrava no Hangar da empresa Fly Away Aviação, em Jundiaí, cujo diretor é o investigado Fernando de Souza Honorato”.

Por ter carteira profissional de mecânico de aeronave, a polícia indica que Consentino “deve ter auxiliado Mansur Mohamed a desmontar e esconder a droga na fuselagem do avião”.

O Estadão não conseguiu localizar as defesas de Mansur Mohamed Benbarka Heredia, Lincon Felix dos Santos, Edson Borges dos Santos, Richard Rodrigues Consentino e Cícero Guilherme Conceição Desidério. 

Correções

Diferentemente do publicado na versão original da matéria, Nelma Kodama é representada pelo advogado Nelson Wilians. 

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