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Filme de José Padilha alimenta debate sobre ética antropológica

Febre impede diretor de participar da sessão de Secrets of the Tribe em Sundance

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Por Elaine Guerini
Atualização:

Uma febre alta impediu José Padilha de viajar aos EUA para acompanhar a controvérsia que seu documentário Secrets of the Tribe reacende sobre a ética na antropologia. Exibido em caráter competitivo no 26º Festival de Sundance, na noite de sexta-feira, o filme se aprofunda no escândalo gerado em 2000, com a publicação do livro Darkness in El Dorado, do jornalista americano Patrick Tierney. O documentário ouve tanto antropólogos acusados na obra de terem provocado a epidemia de sarampo que matou centenas de ianomâmis, em 1968, na Venezuela, quanto os índios. Os ianomâmis recordam diante da câmera de Padilha não só o experimento científico como casos de abusos sexuais.Embora a plateia não tenha aplaudido o filme com o mesmo entusiasmo que acolhe os títulos de ficção no festival, quase ninguém arredou pé do Holiday Village Cinema ao final da sessão. Tradicionalmente, Sundance promove debates com o público após as projeções. No caso de Secrets of the Tribe, muitas perguntas mostraram o interesse e a indignação dos espectadores, que questionaram os antropólogos presentes sobre os códigos de ética na profissão. "Felizmente, o olhar de Padilha vai muito além do tratamento que o caso tem recebido na mídia americana, como se fosse uma rivalidade acadêmica", disse Terry Turner, um dos antropólogos que dá depoimento no filme. Ele foi um dos coautores da denúncia realizada junto à Associação Americana de Antropologia contra o geneticista James Neel (falecido em 2000) e o antropólogo Napoleon Chagnon, após a publicação do livro. "Precisamos reavaliar a conduta nos trabalhos de campo. Não há diferença moral entre o que eles fizeram com os ianomâmis e o que Josef Mengele fez", disse, referindo-se ao médico alemão autor de experimentos genéticos entre os prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, durante a 2ª Guerra Mundial.Napoleon Chagnon não compareceu à sessão, mas teve a chance de se defender das acusações na tela. Ele afirmou que a vacina foi aplicada nos índios para prevenir o sarampo e não apenas para observar quais ianomâmis morreriam e quais sobreviveriam - como parte de uma pesquisa sobre um suposto "gene de liderança" financiada pela Comissão de Energia Atômica dos EUA, na época. "Mas assumo a culpa de interferir na cultura que estudei. Todo antropólogo que faz trabalho de campo é tão culpado quanto eu", afirmou Chagnon, também acusado de manipular dados de pesquisa e instigar a violência entre os índios, que teriam encenado conflitos em troca de presentes. Tudo para comprovar a teoria de seu livro Ianomâmi, o Povo Feroz (1968), de que os ianomâmis seriam geneticamente agressivos.Patrick Tierney, também presente na sessão e um dos entrevistados de Padilha, destacou a "candura e a autenticidade" com que o brasileiro colheu o depoimento dos índios. Sobretudo os de cunho sexual. Já adultos, alguns ianomâmis contam que na infância recebiam presentes do antropólogo francês Jacques Lizot, em troca de favores sexuais. Homossexual assumido, Lizot não quis participar do documentário. "E o que mais nos incomoda é que a França, diferentemente dos EUA, não está discutindo o assunto. Eles simplesmente querem abafar o caso de Lizot, fingindo que isso nunca aconteceu", disse o representante de Padilha em Sundance, o britânico Mike Chamberlain, que produziu o filme. "Padilha não veio ao festival, pois precisa se recuperar rápido da febre para o início das filmagens de Tropa de Elite 2, no Rio."

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