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Opinião|Robotizamos pessoas, enquanto humanizamos robôs

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Atualização:
A inteligência artificial deve ser usada para melhorar o trabalho humano, e não o substituir - Foto: Freepik/Creative Commons

Não olhe agora, mas pode ter um robô de olho no seu trabalho! Ele se parece e age como uma pessoa, enquanto muitos profissionais se comportam como máquinas.

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Por exemplo, como consumidor, algo que sempre me incomodou é a fala pouco criativa, ineficiente e desumanizada que domina muitas das ligações de call centers. Como consultor, sei que é algo complexo de se resolver, pois normalmente o profissional presta suporte a diferentes produtos e marcas. Sem autonomia, precisa construir a conversa a partir de scripts draconianos e limitados.

Entendo que, em operações com essa natureza, os processos são essenciais. Porém, da maneira como são implantados, isso robotiza o atendente, o que, no final das contas, é ruim para a marca e para o consumidor, cuja experiência fica ruim.

Paradoxalmente as empresas correm para tornar os sistemas de seus atendimentos automatizados cada vez mais "humanos". Esse movimento é inevitável, por responder melhor ao consumidor, diminuindo seu desejo de "falar com um atendente".

A inteligência artificial surge como aliada nisso. Ela atende grande quantidade de clientes ao mesmo tempo, nos mais diversos canais. Com a ampliação de sua capacidade linguística, conversa com ele em linguagem natural, dispensando a necessidade de se ficar navegando por menus. A máquina é capaz de entender o que o consumidor deseja e dar uma solução eficiente e rápida.

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A "humanização" dos robôs chega ao ponto de se escolher a voz e até o sotaque que será usado para cada cliente. Como as mensagens não são mais gravadas, e sim geradas em tempo real, de maneira personalizada, isso pode até criar intimidade com o público.

Suprema ironia: os robôs parecem mais humanos que os atendentes! Todos ganham com isso, menos -claro- esses profissionais, que encabeçam listas dos que serão automatizados.

Com a explosão da IA generativa no ano passado, a ameaça de se perder o emprego para um robô agora paira sobre profissionais que, até então, se sentiam seguros por realizarem tarefas criativas. Afinal, essas plataformas parecem responder qualquer demanda! Mas todo esse potencial desperta algumas sérias preocupações.

A capacidade de simular vozes e imagens de pessoas pode ser incrível para um melhor atendimento, mas também se presta a ser uma máquina eficientíssima de desinformação. Como o robô não tem ética, pode propagar eficientemente uma grande bobagem, seja porque gerou uma mensagem errada ou porque foi instruído a fazer isso por usuários de má índole.

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Tem-se visto a criação de "jornalistas sintéticos", avatares hiper-realistas criados para convencer o público de que as "notícias" que dão são verdadeiras, quando muitas vezes não são. Por essas e outras, o Fórum Econômico Mundial apontou em janeiro a desinformação potencializada pela IA como o maior risco que a humanidade enfrentará nos próximos anos.

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Então os jornalistas também perderão o emprego, pois a máquina produz e até publica conteúdo convincentemente?

Esse é uma questão central do momento histórico em que vivemos. Por mais incríveis que sejam, essas plataformas não deveriam ser usadas para substituir jornalistas, atendentes ou seja lá quem for. A começar porque não são totalmente confiáveis: elas ainda "alucinam" (inventam mentiras) muito. Além disso, não são criativas, limitando-se a elaborar conteúdo a partir de produções pré-existentes. Por fim, elas não possuem ética -o que é muito grave para algo que se apresenta como humano- e lidam mal com imprevistos.

O que os gestores precisam entender é que a IA deveria ser usada para melhorar o trabalho dessas pessoas, oferecendo-lhes informações e ideias que só os sistemas têm, graças a suas brutais capacidade de processamento e base de informações. Essa combinação da humanidade dos profissionais com o poder da máquina recebe o nome de "humanidade aumentada".

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Infelizmente muitos parecem não estar preocupadas com os riscos de um uso inadequado da IA, focando apenas na redução de custos. E há aqueles que deliberadamente a usarão para atividades criminosas.

Por isso, um dos maiores desafios da atualidade é criar mecanismos e principalmente uma consciência para que esse poder seja usado em favor de toda a humanidade, e não apenas para o benefício de alguns, às custas das mazelas de muitos.

Se falharmos nisso, a perda do emprego de pessoas robotizadas para sistemas humanizados será apenas a ponta desse iceberg.


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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