‘Nem todo branco acha preto subalterno, mas todos já foram incentivados a pensar isso’; leia artigo

Ex-consulesa da França em São Paulo reflete sobre práticas cotidianas de combate ao racismo

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Por Alexandra Loras
Atualização:

Ser antirracista é reconhecer que somos criados numa sociedade racista, patriarcal, machista, heteronormativa e capacitista. É entender que somos atravessados pelo racismo o tempo todo e reproduzimos, mesmo sem saber, comportamentos, falas e lógicas racistas. Nem toda pessoa branca acha que pretos são subalternos, mas todo branco já foi incentivado a pensar que sim.

Nem todo branco se considera o mais bonito, inteligente e poderoso, mas todo branco foi incentivado a se perceber assim por meio de filmes, séries, desenhos, livros e todo um universo que enaltece a figura branca e desvaloriza os negros.

Alexandra Loras é comunicadora, mentora, consultora e ex-consulesa da França em São Paulo. Foto: Jordan Vilas

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Para entender isso, as pessoas precisam refletir sobre a presença de negros no próprio dia a dia. Quantos amigos seus são negros? Quantos negros estudavam com você na escola ou na universidade? Quantos participam dos churrascos que você faz em casa? Quantos negros trabalham com você? Eles estão em papéis de liderança ou trabalham como zeladores, seguranças ou motoristas? Se a falta dessas pessoas nos espaços que você circula não te incomoda, você também é parte do problema porque normalizou algo que é absurdo.

Reconhecer o racismo estrutural é o primeiro passo para se posicionar como antirracista. Aí então, será mais fácil entender que o problema não está só na piada racista que o cunhado contou ou no vídeo preconceituoso que circula no WhatsApp. É uma questão mais profunda e que, infelizmente, todos nós reproduzimos em alguma medida.

Assistir a filmes e séries sobre o tema, ler livros, conversar com pessoas negras são atitudes que ajudam, mas costumo dizer que a prática do antirracismo é semelhante ao processo de aprendizagem de um novo idioma: é preciso tempo e dedicação.

Também é importante frisar que nem toda pessoa negra é antirracista ou tem letramento racial. Então, não adianta que as empresas apenas contratem pessoas negras para gerar uma falsa diversidade. O diálogo contra o racismo deve acontecer todos os dias, com todos os funcionários. Justamente para que, quando acontecer a contratação de negros e negras, eles se sintam acolhidos e respeitados e não tenham que passar por situações de constrangimento ou microagressões.

A educação antirracista tem origem nos debates na escola, em casa com nossos filhos, nos grupos de amigos, na nossa família, no trabalho. Precisamos falar sobre o assunto para pensar em soluções, sermos proativos e não apenas nos indignarmos quando acontecem episódios de preconceito. Tenho um livro-caixinha que se chama Vamos Falar de Racismo, publicado pela Matrix Editora. Ele funciona a partir de questionamentos que estimulam conversas saudáveis sobre preconceito racial. É uma ferramenta muito útil para iniciar discussões importantes sobre esse assunto.

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Também precisamos provocar o capitalismo para produzir conteúdo para o público negro e que mostre essa população em posições de poder porque a representatividade é essencial. Hoje, se eu vou a uma loja de brinquedos e peço um boneco ou uma boneca de cor, será muito difícil encontrar. Precisamos pressionar os estúdios de TV, a produzirem mais filmes e séries com pessoas negras e não só histórias de sofrimento, mas também de força e empoderamento. Eles podem ignorar uma ou duas solicitações, mas se todos fizermos esse movimento essa indústria com certeza terá que tomar uma atitude.

Negros são 56% da população, mas até 56% do Congresso e Senado, da televisão, das capas de revistas, das lideranças empresariais, dos cursos de medicina e direito serem compostos por pessoas negras, estaremos vivendo em uma realidade de segregação. Um Apartheid subliminar e sutil, bem pior do que vimos na África do Sul ou nos Estados Unidos, onde as leis de separação por cores eram claras. Aqui, o racismo age de forma cordial, mas igualmente cruel.

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* Alexandra Loras é comunicadora, mentora, consultora e ex-consulesa da França em São Paulo. Jornalista formada na tradicional Sciences Po, é uma ativista engajada na discussão sobre a representação da população negra na mídia e na educação e os efeitos que isso tem na construção da identidade negra, especialmente das crianças. Autora do livro-caixinha Vamos Falar de Racismo, publicado pela Matrix Editora.

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