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Polícia prende 4 por incêndio em boate; Santa Maria homenageia mortos

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Por ANA FLOR

Menos de 36 horas depois do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, as autoridades policiais do Rio Grande do Sul detiveram temporariamente nesta segunda-feira quatro pessoas como parte da investigação para apurar as causas da tragédia que abalou a região e comoveu o mundo ao deixar 231 mortos. A Defensoria Pública do Estado também reagiu, com o pedido, no início da noite, de bloqueio dos bens dos proprietários da boate, onde na madrugada de domingo um incêndio, provocado segundo testemunhas por um artefato pirotécnico, matou e feriu centenas de pessoas, a maioria jovens universitários. O incêndio deixou também 129 pessoas internadas em diferentes cidades do Estado, sendo 76 delas em estado grave e respirando com ajuda de aparelhos, segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. A polícia decretou prisão temporária dos dois proprietários da boate, Elisandro Spohr --que está internado na cidade de Cruz Alta em consequência da fumaça que asfixiou a maior parte das vítimas-- e Mauro Hoffmann. Também foram presos dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira que tocava no momento em que o incêndio começou: Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos Neto. Segundo uma fonte da polícia que falou sob condição de anonimato, os testemunhos são de que os dois integrantes da banda foram responsáveis por acionar um sinalizador e outro artefato pirotécnico, chamado "sputinik", que teriam causado o incêndio. Apesar da perícia não ter sido concluída, muitas das testemunhas ouvidas afirmaram que a faísca provocada pelo sinalizador atingiu a cobertura de isolamento de som no teto da boate, material inflamável, dando início ao incêndio. Segundo o Corpo de Bombeiros, a grande maioria das vítimas morreu asfixiada pela fumaça liberada pela queima do material isolante. A polícia disse que as investigações indicam também que a única porta da boate não dava vazão ao número de pessoas em caso de emergência, mas que não acredita que houvesse superlotação da casa. DESPEDIDA E HOMENAGEM A cidade de Santa Maria, com cerca de 260 mil habitantes e a cerca de 300 quilômetros de Porto Alegre, vive em estado de comoção desde a madrugada de domingo. Milhares de pessoas saíram às ruas de cidade na noite desta segunda-feira para homenagear as vítimas em uma caminhada tomada por momentos de silêncio, palmas, reza e gritos por "justiça". As pessoas, a maioria com camisas brancas, carregavam flores e cartazes --um deles com a frase "o mundo chora a perda de vocês". "Eu perdi dois amigos que vão fazer muita falta. É uma dor muito grande para Santa Maria", disse Sttefany Amaral, de 22 anos, caminhando ao lado da mãe, Lucia, carregando um cartaz com o nome dos amigos que morreram. Cerca de 100 famílias passaram a madrugada de segunda-feira velando suas vítimas, 20 delas em um velório coletivo no Centro Desportivo Municipal, local que foi tomado pela comoção de amigos e familiares, que colocavam sobre os caixões bandeiras dos times de futebol, bichos de pelúcia e fotos das vítimas. Ao longo da segunda-feira, pelo menos 95 vítimas foram enterradas em Santa Maria, o que exigiu que os cemitérios da cidade fizessem uma escala para realização de enterros a cada 30 minutos. "Nunca pensei que veria algo assim, tão perto", disse o coveiro Joacir Macedo, afirmando que chorou muitas vezes enquanto trabalhava ao longo do dia. No cemitério Santa Rita, a família Bairro enterrou duas filhas, Patrícia, de 30 anos, e Greisi, de 18 anos, e o marido de Patrícia, Vandercok Marques Lara Júnior. O namorado de Greisi, Helio Trentin Júnior, também morreu na tragédia e foi enterrado na cidade de Manoel Viana, a cerca de 200 quilômetros de Santa Maria. Greisi tinha acabado de ser aprovada no vestibular para o curso de Engenharia Ambiental. Já Patrícia e Vandercok deixaram um filho de seis anos, que ainda não sabia da tragédia, segundo parentes. CONSEQUÊNCIAS Para especialistas ouvidos pela Reuters, a apuração do ocorrido resultará numa ampla lista de responsáveis. "A cadeia de responsabilidades pelo que aconteceu vai ser muito grande. As responsabilidades vão se espalhar pelos níveis local até o estadual", afirmou o especialista em situações de risco Moacyr Duarte. A Defensoria Pública não descarta incluir, na ação indenizatória coletiva que deve mover em nome das famílias, o poder público municipal ou estadual. O governador do Estado, Tarso Genro, voltou a Santa Maria, nesta segunda-feira para garantir que "não serão medidos esforços" para apurar as causas e determinar responsabilidades pela tragédia. "Queremos que este seja um inquérito exemplar", disse o governador. "Se nós não soubermos exatamente as causas, a nossa indicação de responsabilidades será falha", acrescentou. Durante evento com novos prefeitos e prefeitas nesta segunda-feira, em Brasília, a presidente Dilma Rousseff lembrou as vítimas da tragédia e pediu um minuto de silêncio antes de discursar. "Hoje nos reunimos ainda sob a emoção dessa terrível tragédia de Santa Maria, eles eram jovens e tinham sonhos, podiam ser nossos prefeitos e prefeitas, podiam ser nossos futuros presidentes e presidentas..., mas infelizmente eles não tiveram a oportunidade de cumprir seus sonhos", disse. O incêndio na boate de Santa Maria, o segundo maior em número de mortes no Brasil de que se tem registro, ocorreu em um momento em que o país se prepara para sediar grandes eventos esportivos neste e nos próximos anos. Em visita a Brasília nesta segunda-feira, o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, rejeitou rumores de que a tragédia de Santa Maria tenha ampliado as preocupações com a segurança nos estádios da Copa. O incêndio, disse ele a jornalistas, "não teve nada a ver com o futebol, nada a ver com os estádios". O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, afirmou que a tragédia não compromete a imagem do Brasil de local capaz de receber grandes eventos, como a Copa das Confederações, em junho, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. (Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São Paulo, e de Jeferson Ribeiro, Anthony Boadle e Maria Carolina Marcello, em Brasília)

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