Queda do voo Rio-Paris: Justiça francesa absolve Air France e Airbus por acidente que matou 228

O avião caiu em 1º de junho de 2009 no meio da noite no Oceano Atlântico, algumas horas após a decolagem; 58 brasileiros morreram na tragédia

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Por Redação
Atualização:

A Justiça francesa absolveu nesta segunda-feira, 17, a fabricante europeia Airbus e a companhia aérea Air France pelo acidente do voo AF447, que fazia a rota Rio-Paris em 2009, há quase 14 anos. Os 216 passageiros e 12 tripulantes a bordo morreram na tragédia.

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O tribunal de Paris absolveu as duas empresas da acusação de homicídio culposo (quando não há a intenção de matar) por considerar que, embora tenham cometido “falhas”, não foi possível demonstrar “nenhuma relação de causalidade” segura com o acidente.

Quando os juízes leram a decisão, ouviram-se soluços entre os familiares das vítimas presentes na corte na capital francesa. O anúncio da absolvição fez com que algumas partes civis se levantassem, surpresas, enquanto o presidente do júri continuava sua leitura sob um silêncio sepulcral.

O tribunal considerou que a Airbus cometeu “quatro imprudências ou negligências”, em particular por não ter substituído os modelos de sondas Pitot chamadas “AA”, que pareciam congelar com maio frequência, nos aviões A330 e A340, e por “reter informações”.

A Air France cometeu duas “imprudências”, relativas às modalidades de divulgação de uma nota informativa dirigida aos seus pilotos sobre as falhas das sondas.

Na esfera criminal, no entanto, segundo o tribunal, “uma relação de causalidade provável não é suficiente para tipificar um crime. “Neste caso, por tratar-se de falhas, não foi possível demonstrar nenhuma nexo de causalidade com o acidente.”

O avião caiu em 1º de junho de 2009 no meio da noite no Oceano Atlântico, algumas horas após a decolagem, no acidente mais letal da história da aviação comercial francesa. A investigação oficial concluiu que vários fatores contribuíram para a tragédia, como erro do piloto e congelamento dos sensores externos da aeronave.

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Familiares de vítimas choram após a decisão da Justiça francesa. Foto: Michel Euler/AP

Viajavam no A330 com registro F-GZCP pessoas, incluindo um bebê e sete crianças, de 33 nacionalidades: entre elas, 61 franceses, 58 brasileiros e 28 alemães, além de italianos (9), espanhóis (2) e um argentino.

Após um processo longo, marcado por opiniões conflitantes dos magistrados, a expectativa era grande pelo veredito. No final do processo, que aconteceu de 10 de outubro a 8 de dezembro, o Ministério Público francês pediu a absolvição das duas empresas, por considerar que é “impossível demonstrar” sua culpabilidade.

Esta foi uma requisição “que as partes civis não aceitaram, (pois) aponta exclusivamente contra os pilotos e a favor de duas multinacionais”, criticou antes do julgamento Danièle Lamy, presidente da associação Entraide et Solidarité AF447 (Cooperação e Solidariedade AF447), que representa os parentes das vítimas.

Durante todo o julgamento, os representantes da Airbus e da Air France alegaram que as empresas não cometeram nenhum crime. Os advogados pediram a absolvição, uma “decisão humanamente difícil, mas técnica e juridicamente justificada”, segundo a direção da Airbus.

Destroços do avião que caiu em 2009. Foto: Alexandre Severo/Reuters

Os primeiros fragmentos do AF447, assim como os corpos, foram encontrados nos dias que se seguiram ao acidente. Mas o avião foi localizado apenas dois anos depois, após longas buscas, em meio ao relevo submarino, a 3.900 metros de profundidade.

Com o auxílio de robôs, foi realizada uma minuciosa operação para o resgate dos corpos. As buscas foram encerradas no final de 2011 com a retirada do oceano de 154 corpos das 228 pessoas que estavam no avião. O reconhecimento foi feito com exames de DNA.

Como foi o acidente

As caixas-pretas confirmaram o ponto de partida do acidente: o congelamento das sondas de velocidade Pitot, enquanto o avião estava em voo de cruzeiro, em uma zona com condições meteorológicas adversas denominada Zona de Convergência Intertropical, perto do Equador.

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Desestabilizado pelas consequências desta pane, um dos pilotos adotou uma trajetória ascendente e, sem compreender o que se passava, os três navegadores não conseguiram recuperar o controle da aeronave, que se precipitou e caiu no oceano apenas 4 minutos e 23 segundos depois.

As investigações demonstraram que incidentes similares com sondas se multiplicaram nos meses que antecederam o acidente. A Air France teria treinado e informado suficientemente suas tripulações? A Airbus teria subestimado a gravidade do problema e alertado as companhias de forma insuficiente?

Estas perguntas foram debatidas minuciosamente durante os dois meses do processo. O tribunal ouviu especialistas, policiais, pilotos, autoridades do controle de tráfego aéreo e parentes das vítimas.

Os juízes tentaram entender as reações da tripulação na cabine de comando, assim como o perigo, naquele momento, das diferentes sondas Pitot.

A Airbus havia se defendido do mau funcionamento de sua aeronave, alegando que o modelo do medidor Pitot, da companhia francesa Thales, usado pelo avião acidentado, estava em fase de substituição pelos da Goodrich, de fabricação americana.

Mudanças após a tragédia

Depois da catástrofe, o modelo instalado da sonda que era usado na aeronave Airbus que fazia a rota AF447 foi substituído no mundo inteiro. A tragédia, que marcou a comunidade dos pilotos, levou a outras modificações técnicas e a uma formação reforçada sobre estol (perda de sustentação) e o estresse das tripulações

Embora os juízes de instrução tenham arquivado o caso em 2019, as famílias das vítimas e os sindicatos de pilotos apresentaram recurso e, em maio de 2021, a Justiça determinou o julgamento das duas empresas por homicídios culposos.

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O que dizem os parentes de vítimas

“Esperávamos um veredito imparcial, não foi o caso. Estamos enojados”, disse Danièle Lamy, da Entraide et Solidarité AF447. “Destes 14 anos de espera, nada resta além de desesperança, consternação e raiva”, acrescentou.

“Eles nos dizem: ‘Responsável, mas não culpado’. E é verdade que esperávamos a palavra ‘culpado’”, disse Alain Jakubowicz, advogado da associação.

“Não faz sentido para mim”, reagiu com a voz trêmula Ophélie Toulliou, que perdeu o irmão no acidente, compartilhando seu “sentimento de injustiça”.

O que dizem a Air France e a Airbus

“A empresa sempre se lembrará das vítimas deste terrível acidente e expressa sua mais profunda compaixão a todas as suas famílias”, afirmou a Air France.

A Airbus manifestou sua “compaixão” e o seu “compromisso total (…) em matéria de segurança da aviação” e disse que a decisão da Justiça francesa é “coerente” com a proferida no final da investigação em 2009.

Se fossem condenadas, as duas empresas estariam sujeitas a multas de € 225.000 (R$ 1,14 milhão). /AFP e EFE

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