‘Sistema de segurança é caro e ineficiente, e deixa a população refém do medo’, diz especialista

Pesquisa revelou remunerações médias da categoria e tamanho do efetivo. Diretor do Fórum critica modelo atual

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Foto do author Marcelo Godoy
Foto do author Caio Possati
Por Marcelo Godoy e Caio Possati

O estudo Raio X das Forças de Segurança Pública do Brasil, de autoria do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apontou para uma diminuição de 30 mil policiais militares em todo o País entre os anos 2013 e 2023, conforme mostrou o Estadão, nesta terça-feira, 27. Nestes 10 anos, o efetivo de PMs reduziu de 434,5 mil para 404.871 agentes, uma diminuição de 6,8% no período. A quantidade é bem inferior ao efetivo previsto pelos Estados, que é de 584.462. Ou seja, o Brasil tem hoje apenas 69,3% das vagas existentes para PMs preenchidas.

Para especialistas ouvidos pela reportagem, os problemas da segurança pública no Brasil não se resumem apenas à quantidade de policiais empregados nas corporações. “O modelo de segurança pública inviabiliza por completo qualquer ideia de aumento de efetivos em razão dos custos fiscais e previdenciários”, diz Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Policiais atuam em patrulha no centro de São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão - 22/1/2024
  • O estudo mostra que os policiais militares ganham salários, em média, de R$ 9,5 mil (considerando todas as patentes), quase o dobro do restante do funcionalismo – cerca de R$ 5 mil –, sendo que as folhas de ativos e inativos da Segurança Pública respondem por 23% do total de gastos dos Estados com pessoal.
  • O salário médio dos inativos é ainda maior: R$ 11 mil ante R$ 6 mil para as demais carreiras do funcionalismo. E 33 mil dos 739 mil policiais e guardas do País (5,4%) receberam salários acima do teto do funcionalismo em 2023 (R$ 39.293).

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Há pouco espaço fiscal para se reverter o quadro. “(O modelo de segurança pública) Acaba sendo perverso com os próprios policiais ao gerar distorções dentro das carreiras, com desvios de função demasiados, retirando homens da atividade fim”, diz o diretor-presidente do FBSP. “O sistema custa caro e é ineficiente, o que faz a população ser cada vez mais refém da insegurança e do medo”, completou.

Para Jacqueline Muniz, professora do curso de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), o problema não é exatamente a falta de polícia ou o déficit de policiais em serviço, mas a “falta de policiamento” que domina as corporações. Segundo a especialista, as atividades policiais são organizadas de tal forma que as PMs demandam e gastam muitos recursos, e não conseguem entregar o resultado necessário.

Isso é provocado, segundo Jacqueline, por fatores como doutrina de polícia, desenho organizacional da PM, o deslocamento de agentes de posição para outros serviços e até o emprego desnecessário de tecnologias que não contemplam as demandas reais da corporação.

“A quantidade de níveis hierárquicos que a polícia tem, a estrutura rígida com uma concentração de altas remunerações, acabam consumindo a polícia, sobretudo em atividades meios, que são internas e administrativas”, diz a docente. “Se gasta com polícia na rua, mas falta efetivo porque há agentes em outras posições, que são deslocados para atuar em prefeituras, ou auxiliar outras autoridades, por exemplo. A quantidade de polícia cedida para outros órgãos em desvio de função também é grande”, acrescenta.

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Além disso, ela diz que estudos científicos já comprovaram que o aumento de efetivo não provoca, obrigatoriamente, a redução do crime. “Já tem estudos nos Estados Unidos, em Kansas City, que revelou que o aumento do efetivo não corresponde, necessariamente, a uma melhoria na prestação de serviço, na redução do crime e na violência.”

Para a professora da UFF, não está errado em demandar mais recursos; o problema está quando não há uma uma sintonia entre os fins da polícia, os recursos e a forma como a polícia aplica esses investimentos. Ela cita, por exemplo, uso de tecnologias informacionais que, na sua visão, não atendem ao que a população precisa.

“Quando os meios são mal empregados e os fins são equivocados você produz escassez dos meios e incapacidade dos modos de ação, gerando, portanto, muito policial de um lado e pouco policiamento do outro, seja no trabalho ostensivo, no trabalho investigativo, no trabalho da inteligência, nas operações policiais”, diz Jacqueline Muniz.

O soldado Marco Prisco, presidente da Federação Nacional dos Praças (Anaspra), entidade que representa policiais e bombeiros militares, reclama de falta de valorização da categoria. “O efetivo tem diminuído drasticamente, isso é fato”, afirma ele, que também vê a questão salarial como “horrível”.

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Entre os problemas, segundo Prisco, estão falta de plano de carreira, baixas expectativas, alto número de homicídios e até de suicídios. “Vários policiais são assassinados no Brasil inteiro e não vemos política séria para diminuir essa realidade”, diz. “O policial militar faz juramento para dedicar a sua vida ao próximo sem saber quem é. Quando o policial militar morre, o Estado morre junto com ele.”

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, que tem o maior efetivo do País, disse, em nota, que “a recomposição e valorização do efetivo policial são prioridades da pasta, que reconhece o atual déficit da Polícia Militar, que se encontra em 14,9%, e o da Polícia Civil, que está em 35%”.

A pasta destaca, ainda, concursos para preencher 12 mil vagas em diversas carreiras policiais (5,6 mil foram autorizadas na gestão), em andamento. Com os concursos e a formação de 4.689 novos policiais, que serão empossados nesta gestão, a previsão é de que o déficit seja reduzido para 8,7% na PM e 17,5% para a Polícia Civil.

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O atual governo ainda ressalta o “reajuste salarial médio de 20,2%, acima da inflação de 4,65% no acumulado segundo IPCA, considerado um feito inédito para um primeiro ano de gestão entre as administrações paulistas mais recentes”.

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