PUBLICIDADE

Desencontros discretos de O Franco Atirador

Complexa obra de Weber, apresentada no Teatro São Pedro, tem resultado irregular diante da inexperiência de orquestra

PUBLICIDADE

Por Crítica Lauro Machado Coelho
Atualização:

Marco inicial da escola alemã de ópera, Der Freischütz (O Franco Atirador), de Carl Maria von Weber (1786-1826), combina o canto popular, os ritmos folclóricos, com os mais sofisticados recursos do drama lírico de seu tempo. E a sua escrita orquestral, cujas raízes mergulham em Beethoven, é de uma riqueza de achados que vai influenciar muito Richard Wagner no futuro. Isso dá, portanto, a medida da complexidade do título enfrentado pelo grupo que o estreou sexta-feira no Teatro São Pedro, assim como a razão para o resultado basicamente irregular do espetáculo. A coragem em medir-se com partitura de dificuldades tão evidentes é responsável pelo entusiasmo do elenco, que confere à peça bastante fluência - os desníveis do conjunto não a impedem de ter um andamento teatralmente satisfatório. A montagem é simples, visualmente agradável, com figurinos coloridos e bem cuidados. E o trecho da ópera que oferece mais problemas ao encenador - a seqüência do Vale dos Lobos, onde são fundidas as balas mágicas que deixam os personagens nas mãos de Samiel, o demônio - é feita de forma discreta e eficiente. Numa ópera em que o seu papel é fundamental, o Coral Jovem do Estado de São Paulo teve um desempenho de bom nível, e alguns desencontros com a orquestra, em momentos em que a escrita weberiana é mais virtuosística, são problemas menores, porque acertáveis no decorrer da curta temporada (como sempre, é de se lamentar que se tenha um trabalho para pôr em pé um espetáculo desses e que se faça dele apenas três récitas). Foi muito simpática, por exemplo, a participação do coro feminino em ''Wir winden dir den Jungfernkranz'', com que, no terceiro ato, as moças da aldeia vão entregar a Agathe a sua grinalda de noiva. Volumosa, com um bonito timbre encorpado, a voz de Rubens Medina responde bem às exigências mais dramáticas do papel de Max, que ele fez de modo em geral convincente - embora lhe falte às vezes certa sutileza nas passagens mais líricas de sua grande ária ''Durch die W?lder'', no primeiro ato. Ao lado dele, também Thais Bandeira possui voz bonita, bem colocada, que lhe permitiu fazer de modo delicado o ''Und ob die Wolke'', a oração do início do terceiro ato. Mas Agathe não é um papel naturalmente indicado para uma voz de soprano lírico como a de Thais; e a prova disso foram os visíveis problemas que ela teve com a tessitura da exultante segunda seção (''Süss entzückt entgegen ihm'') de sua grande ária do segundo ato. Apesar do timbre ingrato, um tanto ácido, Gabriella Rossi impôs-se pela desenvoltura e a forma graciosa como fez Ännchen, especialmente na bem-humorada ''Einst tr?umte'', com que ela tenta acalmar os medos irracionais da amiga. A sua voz se casa bem com a de Thais, e um dos momentos mais bem realizados do espetáculo foi o trio cantado, no final do segundo ato, por Max e as duas moças. Do time masculino, destacou-se Amadeus Góes como o príncipe Ottakar. Também Eduardo Janho-Abumrad deu bastante autoridade à figura do Eremita; e Jessé Vieira saiu-se bem como o caçador Killian. Quanto a Kaspar, o sinistro vilão, esse é um personagem que mereceria um cantor capaz de lhe dar um relevo maior. Embora a regência de João Maurício Galindo demonstre, em diversos momentos, que ele tem uma idéia clara de como conduzir a partitura, o obstáculo em que esbarra, com freqüência maior do que o tolerável, é a inexperiência da Orquestra de Câmara Traviata. Já está mais do que na hora de se pensar em constituir uma orquestra estável para o Teatro São Pedro, compatível com os projetos de se montar nele temporadas líricas consistentes, e que não o deixem à mercê de conjuntos amadores cujos resultados serão sempre deficientes.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.