Divórcios de famosos agora são só ‘amigáveis e felizes’. Por que não acreditamos mais nisso?

Onda de separações de famosos no mundo vem acompanhada de comunicados conjuntos cheios de frases positivas, com vontade aparente de parecer ‘evoluído’ e esconder conflitos - e crescente descrédito do público

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Por Gina Cherelus

THE NEW YORK TIMES - “Nossa jornada agora está mudando”.

“Ainda somos melhores amigos”.

“A decisão foi amigável e mútua”.

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“Agora é seguir em frente com amor profundo, bondade e respeito mútuo”.

Hoje em dia, se você encontrar uma declaração oficial ou uma legenda no Instagram com uma dessas frases positivas, é bem provável que a notícia não seja tão positiva assim.

Caso você não tenha notado, 2023 é o ano da separação das celebridades, com dezenas de atores, cantores e estrelas de reality shows – além de um ex-prefeito de Nova York – anunciando separação ou divórcio. Os términos de estrelas pop como Ariana Grande, Taylor Swift e Britney Spears deixaram a internet eufórica por semanas a fio. E algumas das declarações de celebridades vieram repletas de tanta positividade que às vezes pareceram forçadas.

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As rupturas, especialmente os divórcios, tradicionalmente carregam o aspecto da vergonha e do fracasso, e o efeito pode ser ampliado quando o relacionamento está sob escrutínio público. Mas também podem representar a libertação de uma parceria infeliz e insatisfatória. De uma forma ou de outra, são estressantes – então por que as pessoas não são francas nessa hora?

É fácil culpar a velha cortina de fumaça das relações públicas por toda a linguagem positiva. Mas a preocupação cultural com a imagem, por si só, não consegue explicar a prevalência do “desacoplamento consciente” ao estilo Gwyneth Paltrow.

Em ordem cronológica, Hugh Jackman e Deborra-Lee Furness, Ricky Martin e Jwan Yosef, Reese Witherspoon e Jim Toth, Billy Porter e Adam Smith, Ariana Grande e Dalton Gomez, todos casais que se separaram em 2023 Foto: Reuters/Mario Anzuoni; Reuters/Danny Moloshok; Reuters/Danny Moloshok; Reuters/Andrew Kelly; Instagram/@arianagrande

De acordo com Alex Kapp, gerente de divórcios em Los Angeles, seguir o caminho certo com um divórcio colaborativo compensa no longo prazo.

“O que digo aos clientes o tempo todo é: como você quer olhar para trás, no final, quando estiver divorciado e passar para uma nova fase da vida?”, Kapp disse. “Como você quer analisar seu comportamento e como deseja que seus filhos olhem para seu comportamento?”

“Não é uma coisa alegre, mas com certeza pode ser civilizada e razoável”

Alex Kapp, gerente de divórcios

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Este mês, o ator Hugh Jackman e sua esposa, Deborra-Lee Furness, anunciaram que estavam se separando após 27 anos de casamento para “buscar nosso crescimento individual”, acrescentando: “Nossa família foi e sempre será nossa maior prioridade. Começamos este próximo capítulo com gratidão, amor e bondade”.

A cantora Teyana Taylor também anunciou separação de seu marido, o ex-jogador de basquete Iman Shumpert, escrevendo numa legenda do Instagram que eles ainda eram “ótimos parceiros de negócios” e “uma equipe incrível quando se trata de coparentalidade”. Ela acrescentou que eles conseguiram “se separar com sucesso e pacificamente”, apesar dos rumores em contrário.

Ao longo do ano, muitos ex-casais – como Ricky Martin e Jwan Yosef, Billy Porter e Adam Smith, Reese Witherspoon e Jim Toth, Sofía Vergara e Joe Manganiello – publicaram declarações de rompimento semelhantes, demonstrando consideração um pelo outro, refletindo sobre os muitos anos maravilhosos juntos e proclamando que seguiriam em frente com amor e afeto.

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Sofía Vergara e Joe Manganiello se separaram após sete anos de casamento  Foto: Danny Moloshok/REUTERS

Celebridades buscam controle sobre a narrativa de divórcios

Embora o anúncio conjunto tenha ficado mais comum, para muitas pessoas ele ainda pode soar falso. Numa sociedade acostumada à aspereza, os fãs ficam ansiosos para bolar teorias sobre por que o relacionamento terminou e quem foi o culpado. Os divórcios precisam de um vilão e de uma vítima.

Melissa Lenon, terapeuta e coach de divórcios em Santa Clara, Califórnia, disse que esse estilo de “desacoplamento reativo”, com os casais recorrendo aos tribunais na esperança de obterem seu “devido valor”, era o que o público esperava.

“Estamos usando o lobo frontal”, disse ela, referindo-se a uma parte do cérebro que controla o pensamento crítico e o julgamento, “e não a amígdala”, a parte que processa emoções.

Há momentos em que o tribunal é a única opção, mas, para as pessoas expostas ao público, a mediação ou a colaboração são úteis, segundo Lenon. “Você quer controle sobre a narrativa, mas também quer controle sobre o resultado”, disse ela, “porque é isso que vai impactar sua vida e também como você se sente em relação à outra pessoa”.

O que é o “desacoplamento consciente”?

Nem todas as pessoas públicas optam por divulgar uma declaração. Em 2022, a atriz Busy Philipps revelou que ela e Marc Silverstein, seu marido por 14 anos, não estavam mais juntos em um episódio de seu podcast que foi lançado mais de um ano depois de eles se separarem. Ela disse que não queria seguir a “ideia convencional do que uma pessoa pública deve fazer quando seu relacionamento termina”.

“Você faz uma declaração e se compromete com a ideia de continuar amigos, ‘por favor, respeitem nossa privacidade e a privacidade de nossa família neste momento’”, disse ela. “Mas a verdade é: quem criou essa regra? É assim que se faz?”

O conceito de divórcio amigável talvez nunca tenha ocupado tanto espaço na conversa cultural como em 2014, quando Paltrow e seu então marido, o cantor Chris Martin, anunciaram que se estavam se separando – e introduziram o termo “desacoplamento consciente” no léxico.

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Gwyneth Paltrow e Chris Martin se divorciaram em 2014 Foto: Instagram/@gwynethpaltrow

Numa postagem de blog com esse título no site de Paltrow, Goop, o casal escreveu que apesar de “trabalhar duro por mais de um ano” para que tudo desse certo, eles concluíram que “embora nos amemos muito, permaneceremos separados”.

Paltrow e Martin enfatizaram que sempre seriam uma família para seus dois filhos. (A nota deles foi substituída no site Goop por informações sobre o desacoplamento consciente, termo cunhado em 2009 pela terapeuta matrimonial e familiar Katherine Woodward Thomas).

Na época, os repórteres recorreram a conselheiros e especialistas em relacionamento para explicar o que significava o desacoplamento consciente. (O New York Times disse que era “uma expressão nova e desajeitada”). E a reação online foi rápida: críticos zombaram das estrelas pelo anúncio otimista, que muitos interpretaram como uma tentativa de demonstrar superioridade moral. A blogueira de aconselhamento Tracy Schorn disse numa postagem particularmente cáustica que estava emocionada com o fato de o termo estar sendo recebido com “o sarcasmo e o escárnio que tanto merece”.

“Por outro lado”, acrescentou ela, “a noção de que o divórcio deve ficar livre das emoções mais básicas, como tristeza e raiva, ainda é uma parte sólida da nossa cultura”.

Escrevendo na Vogue britânica após a separação, Paltrow lembrou a rapidez com que a surpresa do público transformou a notícia em ridículo.

“Uma estranha combinação de zombaria e raiva que eu nunca tinha visto”

Gwyneth Paltrow, na Vogue britânica

Agora, quase uma década após o anúncio, o modelo Paltrow-Martin é exatamente o que buscam muitos casais que estão passando por um rompimento. “Em vez de as pessoas me perguntarem ‘Por que você disse aquilo?’”, escreveu Paltrow na época, “agora elas me perguntam ‘Como você faz isso?’”.

O que significa o casamento se a pessoa fica feliz com o divórcio? Lenon não acredita que a redução no estigma do divórcio e a abordagem positiva à separação indiquem necessariamente uma falta de compromisso com o casamento.

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“Será que apresentar uma forma amigável de divórcio ou dizer que estamos cuidando de nós mesmos e da família enquanto nos reestruturamos – será que isso vai mudar a quantidade de pessoas que se divorciam?”, ela disse. “Acho que vai continuar igual até descobrirmos mais sobre como fazer os relacionamentos funcionarem a longo prazo”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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