Opinião|‘Uma Vida’, com Anthony Hopkins, é retrato emocionante de herói que salvou crianças do Holocausto

Filme de James Hawes que estreia nos cinemas não inova na forma, mas conta a história pouco conhecida de um corretor de bolsa que conseguiu resgatar quase 700 crianças de Praga, às vésperas da ocupação nazista

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Foto do author Matheus Mans
Atualização:

Nicholas Winton (1909-2015) é daqueles heróis da Segunda Guerra Mundial que muita gente não ouviu falar, mas deveria. O britânico, durante as primeiras ofensivas de Adolf Hitler, resolveu se mexer: foi até Praga, de onde o nazismo se aproximava, e usou seus contatos e conhecimentos para salvar vidas.

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Foram quase 700 crianças enviadas para Londres, longe das garras de Hitler. Agora, a história ganha as telas com Uma Vida, estreia desta quinta, 14. Dirigido por James Hawes, conhecido por filmes para a TV como Enid e séries como Slow Horses, o longa é aquela típica produção que fala diretamente sobre os horrores da Segunda Guerra e do Holocausto – diferente de filmes mais recentes e comentados sobre o período, como Zona de Interesse.

A visão é unicamente a partir de Winton, seja na velhice, quando é vivido por Anthony Hopkins (de Meu Pai e O Silêncio dos Inocentes), ou na vida adulta, momento em que está salvando as crianças, quando é vivido por Johnny Flynn (de Emma e O Alfaiate).

Caminho óbvio entre os filmes sobre o Holocausto

Não há uma tentativa de criar um filme realmente diferente do que estamos acostumados a ver. É um ato de heroísmo ocorrido durante a guerra e que lembra histórias que já vimos, como o premiado A Lista de Schindler.

É um drama como manda nos manuais: emoções pontuadas aqui e ali, uma jornada com dificuldades no caminho e por aí vai. O pior é que, conforme o tempo de filme passa, fica a sensação de que Uma Vida poderia ser muito mais do que é.

Anthony Hopkins como Nicholas Winton em 'Uma Vida'. Foto: Diamond Films/Divulgação

Não vale ficar buscando alternativas narrativas para o que este longa-metragem poderia ser, já que a visão de Hawes e dos roteiristas Lucinda Coxon (do oscarizado A Garota Dinamarquesa) e Nick Drake (de Romulus, Meu Pai) foi essa que vimos aqui. Mas o filme cresceria muito em qualidade se tivesse focado em uma só operação específica, deixando para revelar sua extensão só depois.

A fotografia é protocolar, sempre trazendo uma paleta de cores que não traz qualquer impacto para o que está sendo contado. A trilha sonora é bem britânica – orquestral nos momentos mais importantes, mas quase desaparece no restante. Difícil lembrar de um só acorde no final. Direção de arte vai pelo caminho de recriar cenários de destruição. Pode até ser competente, mas também não transmite personalidade, quiçá alguma ousadia.

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Johnny Flynn vive um jovem Nicholas Winton em 'Uma Vida'. Foto: Julie Vrabelova/Diamond Films/Divulgação

Lágrimas rolando

O fato é que direção e roteiro trabalham para deixar a história o mais quadrada possível. Mas isso não significa que Uma Vida não consiga emocionar. Afinal, a história por si só é tão impactante, e interessante para aqueles que gostam de heróis da Segunda Guerra, que basta ser contada corretamente para as lágrimas correrem no rosto. Quando Hopkins chora, a sala de cinema chora junto – as fungadas e suspiros, já adianto, serão inevitáveis.

O astro, aliás, é o grande ponto alto da produção. Por mais que Flynn se esforce como esse Nicholas Winton jovem, a alma do filme se encontra na sua velhice. Quando Hopkins aparece, sem saber o que fazer com seu passado, é quando o filme ganha alguns pontos a mais de importância. O ator de 86 anos sabe como modular suas emoções de confusão, sem saber como se desvencilhar de um passado que o persegue e o atormenta.

Atuação de Anthony Hopkins é destaque de 'Uma Vida'. Foto: Peter Mountain/Diamond Filmes/Divulgação

Apesar da complexidade de emoções, e de uma cena final que deve aquecer o coração de muitos, Uma Vida ainda se revela como um filme correto. Não dá grandes derrapadas, mas também não deve se tornar o grande favorito de ninguém.

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Correu até uma discussão no ano passado sobre uma possível indicação de Hopkins ao Oscar, mas a obviedade do filme deixou essa possibilidade bem longe. Poderia ser melhor, mas, no final, é o que é: um longa que quer homenagear e fazer algumas lágrimas correndo no rosto do público. E nada mais.

Opinião por Matheus Mans

Repórter de cultura, tecnologia e gastronomia desde 2012 e desde 2015 no Estadão. É formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com especialização em audiovisual. É membro votante da Online Film Critics Society.

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