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Uma conversa Aline Crumb - 1ª parte

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Por Redação
Atualização:

Tive uma longa conversa com Aline Kominsky-Crumb ontem pela manhã, na pousada da Marquesa, onde os Crumb estão hospedados. Acompanhada por Lora Fountain, agente literária do casal e mulher de Gilbert Shelton, Aline falou do livro dela que sairá por aqui em breve pela Conrad, do pouco conhecido papel das mulheres nas HQs underground dos anos 60, dos trabalhos em parceria com Crumb, do livro que ambos lançarão juntos, no ano que vem.

Falou também da mágoa de Crumb com a New Yorker, revista na qual ele não quer mais ter histórias publicadas (aquelas que costumavam ser reproduzidas por aqui pela piauí)... E muito mais.

Segue aqui só a primeira parte da entrevista

 

 

Aqui no Brasil, do seu trabalho, é conhecido só o que faz junto com o Crumb...

Aline:

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No ano que vem, sairá pela Conrad um livro com todo o meu trabalho. Não sei ainda como chamarão.

Lora:

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Da última vez que falei com eles, seria algo como Aline: Uma Autobiografia Não-Autorizada

Aline:

Por mim, tudo bem, não vejo problema. Mas o título do livro em que se baseou esse da Conrad é Need More Love, que eu acho que é um bom título. E Love That Bunch, um livro mais antigo. Há algumas coisas dos dois livros. Need More Love tem fotos, pinturas e textos, é um livro multifacetado. É um grande livro, uma autobiografia gráfica, com todos os tipos de imagens. Mas Conrad usará apenas histórias desse trabalho.

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Você também é pintora, então.

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Aline:

Comecei meu trabalho como pintura. Fiz meus estudos em aquarela e óleo em tela, me formei e sou professora de arte, mas só dei um ano de aula em toda a minha vida. Quando me formei, nos anos 60, me interessava pelas comics underground, o trabalho do Gilbert, do Crumb, e de um artista chamado Justin Green, que fez um trabalho muito autobiográfico e me inspirou a fazer o mesmo. Comecei a fazer quadrinhos naquela época, embora não tivesse ideia de como publicar, o que fazer. Então me dei conta de que todos os quadrinhos estavam sendo publicados em San Francisco, então fui para lá, em 1971.

Lora:

Você foi para lá originalmente para conhecer o Justin.

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Aline:

Sim, fui conhecer Justin Green, que era o artista que eu admirava de fato. Queria falar com ele e perguntar coisas. Ao mesmo tempo, alguns amigos nossos disseram que eu parecia um personagem de Robert Crumb e me levou para uma festa onde o conheci, e também Lora e Gilbert, ao mesmo tempo.

Lora:

O que significa que todos nós nos conhecemos por quase 40 anos...

Você desenhava naquela época, certo, Lora?

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Lora:

Sim, nós fomos as primeiras cartunistas mulheres naquela época. (Para Aline) Seu timing foi perfeito de chegar a San Francisco naquela época.

Aline:

Eles precisavam de mais trabalhos desesperadamente, porque não havia cartunistas mulheres. Se você parar para pensar, não tinha isso. Então eles estavam tentando atrair isso, e para qualquer uma que pudesse minimamente desenhar um quadrinho eles diriam: OK, você pode estar nesse livro. Foi por isso que conseguimos entrar nisso.

Seus cartuns já eram autobiográficos naquela época, Aline?

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Aline:

Sim, eu não sabia fazer mais nada. Não conheço nenhum outro assunto bem o suficiente para poder desenhar a respeito.

Lora:

Você trabalhou naquele livro que fizemos para o (neurologista e escritor) Timothy Leary (El Perfecto)?

Aline: Sim, mas escrevi sobre mim, sobre LSD. Participei, mas escrevi sobre minha própria viagem de LSD.

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E por que parou você de desenhar, Lora?

Lora:

Eu? Porque... algumas pessoas pessoas podem fazer isso, e outras não. E eu não posso. Não tenho o talento ou a paciência para desenhar boas histórias. Comecei a me interessar mais por vídeo e fotografia.

Quando conversei com Crumb, no ano passado, ele me disse que você (Aline) tinha mais talento para o roteiro que para o desenho de uma HQ, um humor judeu...

Aline:

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Sim, é verdade. Quando trabalhamos juntos, eu faço quase todo o roteiro. É como um time de duas pessoas, ele quer dizer uma coisa, e eu vou e quase sempre faço o humor. E, sim, é verdade, sou mais uma roteirista de quadrinhos. Meu desenho é muito primitivo e estranho e idiossincrático. Prefiro pintar, não sou uma cartunista profissional nem estou interessada nisso. Meus quadrinhos não são muito comunicativos no que diz respeito a forma dos quadrinhos, eles são muito pessoais e doidos. Eles são mais apreciados por pessoas que gostam de ver minha arte em galerias. É mais fácil para eles olhar para os meus quadrinhos do que é para as pessoas que gostam de quadrinhos profissionais. Não uso nenhuma das técnicas formais dos quadrinhos.

De que tipo de técnicas você fala?

Aline:

Estilização, simplificação, por exemplo, quando você tem um personagem, fazê-lo sempre da mesma maneira o tempo todo. Quando desenho, eu mudo o tempo todo. Se estou de bom humor, eu me desenho melhor, se estou de mal humor, me desenho mais feio. Mudo meu cabelo, meu peso. Cada desenho para mim é um desenho, não penso no sentido de arte sequencial, expressão comercial, de manter um público.

E você é tão magra, mas se desenha tão grande nas HQs em que aparece com o Crumb...

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Aline:

Eu costumava ser maior. E ainda sou muito, sabe (levanta o braço e mostra os bíceps sob a blusa)... forte. Eu me sinto como uma guerreira. Dou aulas de pilares seis horas por semana. Eu gosto de comer, mas também de me mover muito.

 

 

Quando você desenha com Crumb... Ele tem esse respeito pelas técnicas da arte sequencial, e você não tem...

Aline:

É insano como isso funciona. Não deveria funcionar, mas, por alguma razão, funciona. Eu aproveito as deixas. Ele coloca a linha lá e eu aproveito as deixas. Mas, em termos de desenho, é totalmente irracional, porque o desenho de Robert é tridimensional, e o meu é chapado. Da primeira vez que fizemos isso, não era para publicar, era só para nos distrair. Foi em 1974, eu acho, e eu tinha caído e quebrado a perna, e estava chovendo, e estávamos no campo, e eu estava muito entediada e o deixando louco. Então, para me deixar ocupada, meu irmão e eu costumávamos fazer quadrinhos juntos, como ele fazia com o irmão dele, Charles, então ele falou, vamos fazer isso.

Lora:

Para evitar que você o deixasse louco.

Aline:

Sim, para que ele não pirasse. O primeiro que fizemos foi muito louco, a história vai a todo lugar, espaço sideral, criaturas que aterrissam na nossa fazenda,Timothy Leary aparece, é realmente louco. Não tentamos fazer nada coerente porque não pensávamos em publicar, mas daí um editor viu e quis publicar.

Você sabe quantas histórias fizeram desde então?

Aline:

Temos esses dois livros chamados Dirty Laundry, dos anos 70, e uma compilação. Fizemos para jornais locais, para a revista Weirdo.

Lora:

Quando começaram a fazer para a New Yorker?

Aline:

A primeira coisa que fizemos para a New Yorker foi no meio dos anos 90. Fizemos algo, a primeira acho que foi sobre nossa reação ao documentário de Terry Zwigoff, chamado Crumb, que saiu em 1995. A New Yorker pediu para nos escrever sobre nossa reação. Nós queríamos desaparecer depois daquele filme. Robert usava chapéu e não usava barba, mas ele começou a ser reconhecido em todo lugar. Então ele mudou o tipo de chapéu e deixou a barba crescer, mudou o visual.

Lora:

Ele ainda usa o mesmo tipo de roupa.

Aline:

Não, naquela época ele usava uns casacões de homem velho, agora ele acabou voltando a usá-los, mas durante aquele tempo ele parecia mais um francês, com uma jaqueta. Ele foi ver o filme num cinema central onde estariam todos os seus fãs, com esse visual diferente, barba e tal, e ele estava na tela, e dentro do cinema, e ninguém o reconheceu.

Lora:

Teve uma vez que um fã o parou e disse que o viu no filme, mas estava falando sobre Max, e não sobre Crumb. Achou que Crumb era o irmão.

Aline:

Sim, sim. Hoje ele ainda é muito reconhecido, mas naquele época foi mais estranho.Em qualquer lugar alguém o reconhecia, era demais.

E aqui em Paraty, como tem sido? Ele quase não saiu da pousada...

Aline: Não, não muito.

Lora: Nós acamos de chegar, também, ontem...

Mas vocês e Shelton foram passear, ele não.

Lora: Ele estava cansado. Não estava com fome, e nós estávamos. Mas nós saímos ontem à noite para jantar com ele.

Aline. Ele não está se escondendo. Ele virá para almoçar agora. Ele é um cara muito doce, muito legal. É tímido. E, depois de certo ponto, ele não pode mais falar. Ele não gosta de falar dele mesmo.

Lora: E ele falou tanto do Gênesis no ano passado. Você falou com ele naquela época, Raquel, logo no começo, mas você foi uma em um milhão...

Aline: Centenas de milhões. Foi muito. Ele divulgou muito, fez uma tour nos EUA, fez uma conferência com cententas de jornalistas.

Ele deve estar cansado de responder sempre as mesmas coisas.

Aline: Sim, as perguntas são sempre as mesmas. É normal, os jornalistas fazem as perguntas que eles têm de fazer, é normal, nada contra o jornalismo. Mas, depois de um tempo... Depois de um tempo ele não aguenta mais falar sobre o assunto.

E como vocês dois sabem quando têm uma história em parceria?

Aline: A gente não tem nenhuma regularidade para isso. A New Yorker sempre nos pede coisas, mas ele não quer mais fazer nada para eles.

Por quê?

Aline:

Porque eles pediram a ele uma capa, e ele fez, estava muito boa. Era meio controversa, porque pediram a ele que fizesse uma capa sobre casamento, e ele fez uma sobre casamento gay, e eles não usaram. Até aí tudo bem, ele não se importa, mas eles nunca explicaram a ele por que não usaram a capa. Ele perguntou muitas vezes, e nunca teve resposta. Ele disse: "Se eles me dissessem a razão, estaria tudo bem, eu faço outras coisas para eles. Mas, como eles não tiveram coragem nem respeito o suficiente para me explicar isso...". Ele está zangado. É compreensível. Durante um ano, eles ficaram dizendo que usariam, que usariam, fizeram isso dez vezes, durante um ano, eles pagaram pela capa... Mas ele ficou realmente frustrado de não saber por quê. Se não gostaram. Ele trabalhou com muito afinco naquilo, e não tiveram coragem de ligar para ele e dizer o que houve. Era só dizer: "Não é seu melhor trabalho".

Mas vocês ainda fazem histórias juntas?

Aline:

Sim, estamos trabalhando num novo livro. O título provisório é Drawn Together, que tem dois significados em inglês, atraídos um pelo outro e desenhando juntos.Incluirá o trabalho New Yorker, o trabalho anterior e algumas outras histórias. Sai no ano que vem.

Será a história de amor de vocês dois?

Aline:

Sim... Sim. Como você quiser chamar (risos). Mas haverá trabalhos antigos que provavelmente quase ninguém viu, que foi publicado só em editoras muitas pequenas, e histórias totalmente inéditas.

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