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Conheça o botânico que quer mudar a cara de São Paulo com espécies nativas do Brasil

Ricardo Cardim é responsável por parte do paisagismo da margem do Rio Pinheiros e diz que 90% das plantas usadas em jardins no Brasil são estrangeiras

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Por Marcela Paes
Atualização:

O botânico Ricardo Cardim abraçou uma missão árdua. Mestre pela USP, o paulistano quer mudar a cara da cidade e trazer a flora original do Brasil para o paisagismo que se vê tanto em áreas públicas quanto privadas de São Paulo. “Cerca de 90% das plantas usadas hoje em paisagismo são de origem estrangeira, o que não faz o menor sentido no País com a natureza mais rica do mundo”, diz Cardim.

SÃO PAULO 15/04/2024 CIDADE RICARDO CARDIM - botânico e paisagista Ricardo Cardim. FOTO ALEX SILVA/ESTADÃO Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

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Um dos projetos de Cardim alterou um lugar antes conhecido pela, digamos, feiura: a Marginal Pinheiros. Em 2017, o escritório do botânico foi contratado pela Telefônica Vivo para restaurar com plantas da Mata Atlântica parte da margem do Rio Pinheiros. Segundo ele, o projeto tinha verba para o plantio de 18 mil árvores nativas, mas, por questões burocráticas, só foram plantadas 1.600. “Esse projeto foi uma alegria e uma frustração ao mesmo tempo. Eu fico feliz quando passo ali e vejo uma espécie como o cambuci, que há 100 anos não existia mais lá, frutificando. Mas poderia ter sido muito mais impactante”, conta.

A luta de Cardim contra as espécies invasoras (árvores estrangeiras que não pertencem ao lugar) passa longe de ser somente estética. O botânico explica que o uso de plantas invasoras causa a expulsão das espécies nativas e dos bichos. “Não se cria benefícios para toda a biodiversidade nativa, como alimentar os pássaros nativos, as borboletas e os polinizadores. Também se impede de espalhar mais sementes nativas para a restauração, além da expulsão de plantas que estavam ali há milhares de anos”.

A predileção por plantas estrangeiras tem origem cultural. Segundo Cardim, o paisagismo brasileiro surgiu junto com a migração de europeus para o Brasil. Muitos estrangeiros que vinham trabalhar com o café também eram botânicos e preferiam usar plantas que já conheciam em seus países. Também haveria uma pitada de complexo de vira-lata, na opinião do botânico. “A elite da época queria se afastar ao máximo do que era considerado selvagem. O Sérgio Buarque de Holanda tem uma frase que explica bem ‘somos ainda uns desterrados em nossa própria terra’”. Hoje, os maiores exportadores de plantas para o Brasil são Holanda, Estados Unidos e Japão. “Pagamos royalties para usar plantas de fora”.

Felizmente, a mentalidade parece estar mudando. Cardim acaba de entregar o projeto de paisagismo da área residencial Parque Global, maior empreendimento imobiliário da América Latina. Todas as plantas usadas são originárias do Brasil, principalmente da Mata Atlântica. “Existe todo um arcabouço de possibilidades com o paisagismo: de educação, de serviços ambientais - como diminuir temperatura, aumentar a umidade do ar, segurar barulho, alimentar a fauna que vai combater pragas urbanas como cupins, baratas, mosquitos da dengue…É um paisagismo que oferece uma série de benefícios muito maiores que somente a estética desconectada desses valores. É embasado em ciência.”

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