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Estamos à espera da primeira palavra a ser dita por Antonia, neta de 10 meses. A ansiedade corre por conta dos adultos, não é passada à criança. As vogais já estão dominadas. Entre as consoantes detectamos um M e um B. Proustianamente (para dar um ar intelectual), fui remetido à infância, aos meus 8 anos, quando, ao olhar a lombada do dicionário, vi a palavra crocidura. “O que é isso, pai?” Ele deu a resposta que por toda a vida me entregou aos dicionários: “Abra esse livro e aprenda todas as palavras”. Assim cheguei a um de meus contos mais bem-sucedidos, O Menino Que Vendia Palavras, adaptado até ao palco. Tive sorte de ser aluno de dois professores como Jurandyr, ensinando português, e o latim era com Luciano, que exigia saber etimologia. Como o ensino já foi bom!
Aprendi a ler e a escrever com esses mestres, sim, mestres, que recomendavam, como Graciliano Ramos depois reforçou, que a palavra foi criada para dizer e não para enfeitar. Na escola aprendi o que é antônimo, ou seja, o contrário de uma palavra. Umidade-secura, organização-desordem, morte-vida, belo-feio, aquecer-esfriar, duro-mole. Olhando o mundo polarizado em que vivemos, podemos dizer que a vida é um caminhão de antônimos.
Esta longa abertura para dizer que, no domingo passado, levamos Antonia à Livraria da Vila para o lançamento de Eudice, de Carolina Delboni, ilustrações de Lumina Pirilampus. O autógrafo foi para Antonia, a criança, mas fui o primeiro a abrir e esqueci tudo. Passei pela Terra do Nunca, pelo Sítio do Picapau Amarelo, pelo País das Maravilhas, por Lilliput, e fiquei mergulhado em Eudice, a terra onde se mostra como as palavras nascem e as festas que se fazem a cada uma que chega ao mundo. O lugarejo se enfeita para ver as palavras chegando. Tem palavra que gargalha ao nascer, como há há há. Ficamos sabendo que a palavra, quando nasce, nasce do corpo da gente. E as palavras que se apinham feito almas gêmeas? Como pula-pula, gira-gira, reco-reco, tico-tico, carro-chefe, obra-prima, arco-íris?
Adorável livro. Li para outra neta, Luisa, de 10 anos. Ela ouviu, pediu: “Deixe eu mesmo ler agora”. Eudice nos leva à beleza das palavras que nascem, algumas morrem, outras perdem o significado ou envelhecem, mas se acomodam em seus recantos, os dicionários, porque, em algum momento, alguém se lembrará e vai buscá-las para ensinar sobre a vida, o mundo. Ah, Carolina, quantos bilhões de palavras há no universo e quantas são necessárias para entender a vida e o mundo? E por que tanta incompreensão?