Acervo de Mário Chamie vai para IEB

Coleção do poeta soma mais de 6 mil livros, além de cartas e manuscritos; doação foi feita pela filha, a cineasta Lina

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Por Edison Veiga
Atualização:

Livros, cartas, manuscritos, desenhos... Nas últimas semanas, o mundo que rodeou a infância da cineasta Lina Chamie foi encaixotado. E o que eram materiais intelectuais (e afetivos) do poeta Mário Chamie (1933-2011) e sua mulher, a artista gráfica, designer e coreógrafa Emilie Chamie (1927-2000), acabaram se transformando em acervo. 

“A sensação é de missão cumprida”, comenta a cineasta, única filha do casal, que acompanhou pessoalmente o processo de encaixotamento e retirada do material, conduzido por profissionais do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) no apartamento onde vivia o poeta e a designer, nos Jardins. “Claro, há também uma despedida uma vez que cresci em meio a tudo isto que agora chamamos de acervo, porém é justamente a boa expectativa de que o trabalho de uma vida, ou neste caso de duas vidas, Mário e Emilie, seja preservado e, sobretudo se mantenha como fonte viva de pesquisa, gerando conhecimento e reflexão.”

Biblioteca. Na coleção de Chamie, primeira edição de vários livros autografados Foto: Nilton Fukuda/Estadão

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A coleção pessoal dos Chamie consistia em uma biblioteca de mais de 6 mil livros, entre os quais primeiras edições de escritores como Guimarães Rosa, Octavio Paz, Murilo Mendes, Ferreira Gullar, Cecília Meireles, Mário de Andrade, Julio Cortázar, Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos. Muitas das obras, com autógrafos e dedicatórias dos autores. 

Além disso, Mário Chamie foi um missivista obstinado. Trocou cartas com gente como Umberto Eco, Carlos Drummond de Andrade, Pietro Maria Bardi, Claude Lévi-Strauss e dezenas de outros intelectuais. Guardava uma cópia de cada mensagem que enviava, de forma que é possível, analisando o acervo, compreender as discussões tratadas com os argumentos dele próprio e do interlocutor. São mais de 200 pastas e caixas com manuscritos e páginas datilografadas. 

E esse rico acervo, em breve disponível para pesquisadores, só não acabou à venda pela resistência da cineasta Lina. Ela conta que, logo após a morte de seu pai, passou a ser procurada por gente interessada em comprar a coleção. “Houve o assédio, eu diria até um tanto voraz, dos livreiros e colecionadores”, recorda-se. “A coleção completa de meu pai entre biblioteca, quase 7 mil volumes, manuscritos, originais, correspondência e documentos de extraordinária relevância literária e cultural foi avaliada em torno de R$ 200 mil, até R$ 300 mil. A questão que se coloca a meu ver é que o colecionador não promove a acessibilidade ao acervo. Reduzir toda a produção literária de um intelectual ao fetiche de um colecionador não me pareceu ser o caminho, apesar do apelo financeiro.”

Nesses três anos de negociação, Lina conta que teve dificuldades em “arcar com os, para mim, enormes custos de manutenção do acervo, que ocupava três apartamentos”. “Procurei aportes de instituições que pudessem eventualmente me ajudar através de patrocínio, porém não encontrei acolhida, esbarrando no total despreparo de nossa sociedade em compreender seus próprios valores culturais”, salienta.

Agora o material vai ser meticulosamente analisado por profissionais da USP. “O acervo é higienizado item a item, classificado e catalogado, seguindo a natureza da documentação”, explica Elisabete Marin Ribas, supervisora do Serviço de Arquivo da instituição. “Depois começa a aplicação das técnicas de descrição documental. Esses dados são inseridos em nosso Catálogo Eletrônico, e a política agora é, conforme o acervo é sendo descrito, ele já vai sendo aberto para a consulta, pois demoraria muito abri-lo de uma única vez ao público.”

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Elisabete, que faz parte dos princípios do IEB, procura manter unidos acervos de casais, como é o caso de Mário e Emilie. “Já existe uma tradição em acervos de casais ou familiares depositados no IEB. No caso do Arquivo, por exemplo, eu apelidei a área onde eles estão acomodados de ‘Felizes para Sempre’ ! Lá estão acervos de pessoas que estiveram juntos em vida e agora continuam juntos, favorecendo o desenvolvimento de pesquisas póstumas”, comenta ela.

QUEM É

EMILE E MARIO CHAMIE

ARTISTA GRÁFICA E ESCRITOR

Nascido em Cajobi (SP) em 1933, o poeta Mário Chamie foi secretário municipal de Cultura entre 1979 e 1983, quando criou o Centro Cultural São Paulo, entre outros. Estreou na literatura em 1955, com Espaço Inaugural. Em 1962, com Lavra Lavra, instaurou o movimento da poesia práxis, dissidência do concretismo de Décio Pignatari e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos. Morreu em 2011. Nascida no Líbano, a artista gráfica Emilie casou-se com Mário em 1959. É autora de projetos de identidade visual do MAM e Centro Cultural São Paulo. Morreu em 2000.

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