São Paulo acaba de ganhar mais duas livrarias. Os sócios da casa de espetáculos Alma São Paulo instalaram, dentro do mesmo imóvel na rua Simão Alvares, em Pinheiros, a Livraria da Alma.
Com acervo inicial de 80 mil títulos, a nova livraria funcionará em um horário inusitado, das 10h à meia-noite. “A Livraria da Alma começa com uma seleção de títulos focados na psique humana. Será um local que entrega aconchego para quem busca conteúdo, cultura, arte e crescimento pessoal”, explica ao Estadão Eduardo Matos, um dos sócios do novo empreendimento.

Além dela, a Livraria Gráfica, uma iniciativa da editora Lote 42, também abriu as portas na última semana. Ela fica na Rua Tatuí, onde os proprietários já administram a Banca Tatuí e a Sala Tatuí - para cursos na área de livros. A nova loja segue o mesmo caminho e será especializada em livros sobre livros.
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A chegada da Livraria da Alma e da Livraria Gráfica está longe de ser um fato isolado na história recente da capital paulista. Nos últimos anos, São Paulo tem visto a sua cena independente reflorescer, ganhando muitas livrarias de rua.
Pelo menos 25 livrarias foram abertas de 2019 para cá, excluindo desta conta a chegada de novas livrarias de redes, como a carioca Livraria da Travessa, a mineira Leitura e a paulistana Livraria da Vila, que buscam ocupar os espaços deixados pela Saraiva, que teve a sua falência decretada em 2023, e pela Livraria Cultura, em recuperação judicial desde 2018.
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O fenômeno ocorre ao mesmo tempo em que as pesquisas que dão lastro ao mercado editorial e livreiro no Brasil apontam para o crescimento das vendas on-line de livros. Desde 2022, as varejistas exclusivamente virtuais, como Amazon, Submarino e Mercado Livre, dominam as vendas de livros no Brasil. Juntas, elas foram responsáveis por 32,5% do faturamento das editoras em 2023, de acordo com pesquisa realizada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e o instituto de pesquisa Nielsen.
Mas livraria é um bom negócio?
A pandemia fez o brasileiro comprar mais livros. De acordo com o Painel do Varejo de Livros no Brasil, feito pelo SNEL e pela Nielsen, em 2019, as livrarias brasileiras (físicas e digitais) venderam 4,6 milhões de exemplares. Este número cresceu no pandêmico 2020, chegando a 5,1 milhões de unidades vendidas e se manteve em crescimento até 2022, quando o mercado varejista de livros alcançou a marca histórica de 5,7 milhões de cópias vendidas.
Em 2023, o número caiu para 4,9 milhões, mas ficou acima do registrado em 2019. No ano passado, o Painel registrou a venda de 5 milhões de unidades. O que o levantamento não diz diretamente é quanto deste crescimento aconteceu nas livrarias físicas ou nas virtuais.
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O Estadão ouviu livreiros para saber como eles avaliam os seus negócios.
A “veterana” Monica Carvalho, que abriu a sua Livraria da Tarde, em 2019, é otimista. A livreira de Pinheiros acredita que a sociedade passa por uma transição que pode favorecer o mercado livreiro. “Depois de as pessoas se lambuzarem de tecnologias, percebo um desejo de voltar à vida analógica para desconectar, descansar a mente e um dos principais caminhos tem sido a leitura de livros físicos”, comenta.
No entanto, a livreira, que também é psicóloga, diz que enfrenta dificuldades que são inerentes ao negócio. “Ainda é muito desafiador ter uma livraria focada em livros nesse país, mesmo estando em São Paulo. As margens são apertadas, não há qualquer incentivo fiscal e é muito difícil concorrer com os descontos sedutores oferecidos por gigantes como a loja que vende tudo”, completa.

Outro que já tem mais estrada nessa nova safra de livrarias paulistanas é Beto Ribeiro, sócio da Livraria Simples, nascida em 2016 na Mooca e hoje instalada em um imóvel na Rua Rocha, no bairro do Bixiga. Para ele, o negócio do livro é - e ao mesmo tempo não é - um bom negócio.
“É extraordinário o prazer que sinto em trabalhar no varejo de livros e me causa espanto perceber que os boletos de quase 10 pessoas diretamente ligadas à Livraria Simples são pagos com os livros vendidos por aqui. Neste sentido, é um bom negócio”, defende o livreiro. Mas ele faz uma ressalva: “Não obstante, ainda não remuneramos de maneira adequada os nossos. Não temos, por exemplo, um plano de saúde. Neste sentido, me parece que a livraria não é um bom negócio”, completa.
Irene de Hollanda, sócia-diretora da Megafauna, inaugurada em 2020 no Copan, compartilha do pensamento de Monica. “Não acho que as livrarias sejam um bom negócio”, diz de forma direta. A livreira argumenta que, do ponto de vista financeiro, o desafio é enorme e a concorrência com o comércio on-line é inviável.
No entanto, a livreira aponta que há um certo otimismo em relação às livrarias de rua, um reconhecimento da importância deste trabalho. “Com a queda das grandes redes, as pequenas livrarias mostraram sua cara, deram o tom ao cenário livreiro. O que se vê hoje no centro de São Paulo, por exemplo, é o surgimento de livrarias cada vez mais especializadas, que contribuem diretamente com os repertórios aos quais se dedicam. São livrarias que não necessariamente respondem às principais listas de mais vendidos, mas que assumem um compromisso com um nicho específico, formam catálogos segmentados e aprofundam o debate dentro de seus campos de interesse”, explica.
Bruno Eliezer Melo Martins, que fundou a Ponta de Lança em 2021, ressalta que a livraria é um negócio de “altíssimo risco”. Apesar disso, ele está feliz com o desempenho do negócio. “Crescemos. Antes, apenas eu trabalhava na livraria, hoje somos 12 livreiros que se revezam no atendimento de segunda a segunda”, detalha.
Como se diferenciar para sobreviver?
Os livreiros ouvidos pelo Estadão são unânimes em um aspecto: é preciso criar laços com a vizinhança e entender que fazem parte de um nicho para poder sobreviver.
A Aigo é o exemplo maior disso. Localizada no multicultural bairro do Bom Retiro, a livraria nasceu com a missão de refletir e celebrar a diversidade do bairro, cuja história é marcada por diferentes ondas migratórias.
“Nossa proposta é ser mais do que uma livraria: somos um espaço que conta as histórias das diferentes nacionalidades que construíram e constroem o bairro”, explica Paulina Cho, sócia da livraria fundada em 2023. “Diferentemente das grandes varejistas e do comércio virtual, apostamos em relações pessoais, conhecendo cada leitor pelo nome e seus gostos literários, sem depender de algoritmos”, completa a livreira.
Na Santa Cecília, a Ponta de Lança também busca uma boa relação com a vizinhança. “Nós sempre fomos atentos aos nossos vizinhos, afinal são eles os leitores que compram nossos livros e bebem nosso café. Os eventos são realizados para atender a essa comunidade”, explica Bruno, proprietário da livraria.
Para Beto, da Livraria Simples, a sua inserção no Bixiga é um convite para o diálogo com a vizinhança, que tem verdadeiras instituições culturais brasileiras, como a escola de samba Vai-Vai, a Festa da Achiropita e o Teatro Oficina. “Amanhã mesmo, tenho reunião com a Vai-Vai para falar sobre a Feira do Livro da Rocha, evento que vai acontecer no início de maio aqui na rua, cujo tema e personagens principais serão o próprio bairro, suas glórias e suas lutas”, adianta.
Monica Carvalho festeja a proximidade com os moradores do entorno. “Por ser uma livraria de bairro, nosso maior público é a vizinhança que costuma comparecer em peso. Um dos eventos mais prestigiados pelos vizinhos é o clube de leitura. Hoje temos uma média 25 a 30 participantes, sendo a maior parte de pessoas de Pinheiros e bairros próximos”, explica.
A Livraria Drummond, inaugurada no Conjunto Nacional em 2022, se qualifica como uma livraria voltada para eventos e lançamentos. Tem a aspiração de ser uma vitrine do mercado editorial brasileiro em plena Avenida Paulista. Por isso, realiza muitos eventos. Para Diego Drumond, sócio da livraria, a relação com a vizinhança e os frequentadores da Avenida Paulista é fundamental para o negócio. “Nossa comunicação frequente com o público local, que reside no complexo onde está a livraria [o Conjunto Nacional] e nos arredores, nos permite trazer novidades e renovar a exposição, garantindo que a Drummond esteja sempre atualizada”, explica.
Talita Camargo, da Boutique dos Livros, no Campo Belo, conta que a livraria nasceu dos moradores. Antes de ser uma livraria, o ponto era um showroom da 2Books, distribuidora tocada pelos Camargo, uma família tradicional de livreiros em São Paulo.
“A livraria é um pedido da nossa vizinhança, que aos poucos foi entendendo que podia comprar livros conosco. Então, abrimos a loja em um pequeno espaço. Mas em menos de dois meses entendemos que o que tínhamos aberto era sim uma livraria e dedicamos um espaço maior para melhor exposição dos livros e circulação”, explica a livreira. “Estamos localizados no bairro do Campo Belo, onde não há livrarias. E por isso o bairro em si abraçou o espaço com carinho e fidelidade, de forma que o crescimento de vendas e de público tem sido animador.”
Como vai ser o futuro das livrarias?
A proprietária da Livraria da Tarde demonstra preocupação com o futuro do seu negócio. “Vivemos num País em crise econômica há anos, com grande desigualdade social, sem políticas públicas efetivas de incentivo à leitura e de apoio ao livro e às livrarias”, lamenta Monica Carvalho que defende a implementação da Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE) e aprovação da Lei Cortez.
Sancionada em 2018 por Michel Temer e regulamentada por Lula em setembro do ano passado, a PNLE prevê a criação de Planos Nacionais do Livro e Leitura a cada dez anos, com destinações orçamentárias específicas para promover a universalização do direito ao acesso ao livro.
Já a Lei Cortez, que tramita no Congresso, quer regulamentar o comércio de livros no Brasil, estabelecendo uma política de preços do livro. Pela lei, os varejistas nacionais seriam impedidos de oferecer o produto com desconto superior a 10% no primeiro ano de vida do livro.
O argumento dos defensores da lei é que esta limitação no desconto favoreceria a concorrência entre os varejistas de livros, evitando a guerra de preço encabeçada, na sua maioria das vezes, pelos grandes e-commerces.
Irene de Hollanda também aposta na aprovação da Lei Cortez para antever um futuro para a Megafauna, que abriu a sua segunda unidade no Teatro Cultura Artística, em agosto do ano passado.
“Os caminhos dessa regulação podem fazer muita diferença no meio livreiro, a médio prazo, podendo viabilizar um ambiente mais fortalecido, de concorrência mais justa”, defende.

As independentes também fazem as suas redes
Interessante notar também que as livrarias independentes formam redes informais para celebrar a sua própria existência. Desde 2013, um grupo de livrarias independentes de São Paulo se reúne em torno de um festival que busca atrair leitores para seus espaços. Encabeçado pela Livraria Simples e pela Banca Tatuí, o festival oferece descontos e eventos especiais ao longo de 14 dias.
Para maio, a Megafauna convidou livrarias parceiras para o Festival Poesia no Centro, que vai reunir grandes nomes do poesia, brasileira e internacional, para uma série de debates e performances no Teatro Cultura Artística e em outras livrarias e espaços culturais na região central de São Paulo.
“Convidamos dez organizações para dialogarem com o festival e para receberem uma série de atividades dedicadas à poesia, mas que também falem sobre as características e linha de pesquisa de cada local que recebe essas ações. Nossa pergunta era: como uma livraria especializada em fotolivros responderia à ideia de um festival de poesia? E uma livraria feminista, ou uma livraria dedicada às artes gráficas? Nossa vontade é que esse trabalho mais colaborativo traga diferentes pontos de vista para se falar sobre poesia, mas que também lance luz sobre a cena livreira no centro de São Paulo, e as inúmeras organizações comprometidas com o livro na região”, explica Irene de Hollanda.