Já se vão quase três anos desde que Ruptura (Severance, no original em inglês) chegou ao Apple TV+ com uma premissa intrigante: o que aconteceria se fosse possível separar, completamente, a vida pessoal da vida profissional? A série criada por Dan Erickson começou a responder à pergunta com uma trama recheada de mistérios e indagações existenciais – que seguem fortes na segunda temporada, que chega nesta sexta, 17, ao streaming.
A nova leva de episódios agora explora mais a fundo a vida dupla de seus personagens que, após passarem pelo procedimento de “ruptura”, têm duas versões de si: a interna (ou innie), empregada pela Lumon, uma empresa de práticas não muito ortodoxas; e a externa (outie), à frente de tudo o que se passa fora da companhia. Uma versão não sabe o que acontece na vida da outra.
“O maior desafio que tivemos é que, de certa forma, nós dobramos o tamanho do nosso elenco mesmo o mantendo igual, porque estamos vendo mais as vidas dos personagens do lado de fora”, diz Erickson em entrevista ao Estadão.

Criador, produtor e roteirista da trama, ele explica que era o momento de responder por que seus protagonistas optaram por passar por um procedimento tão radical. “É uma questão implícita com cada personagem, porque em algum momento, por alguma razão, eles escolheram fazer isso com seus cérebros. E, ao mesmo tempo, eles especulam sobre quem são do lado de fora”, afirma. “Era a pergunta mais interessante para respondermos nesta segunda temporada.”
O primeiro ano da série já havia, de cara, explicado as razões de um personagem: Mark Scout, vivido por Adam Scott. Tomado pelo luto após a morte de sua esposa, ele passou pela ruptura para não ter que lidar com a dor o tempo todo. Sua versão interna, porém, começou a questionar o que acontecia nos misteriosos corredores da Lumon, o que o levou a uma revelação importante – que não vamos contar aqui. “As duas vidas começam a se misturar mais agora, ou entram em rota de colisão, podemos dizer”, nota Scott.
O ator compara as duas versões de Mark com lados diferentes de uma mesma pessoa: “Era importante para nós que parecesse o mesmo cara, mas em partes diferentes dele. Sabe como você age de uma forma com um grupo de amigos, e outra com a sua família? É uma versão extrema disso.”
O sentimento é compartilhado por sua colega de elenco Britt Lower, a Helly. Recém-chegada à Lumon na primeira temporada, a personagem teve um fato importante sobre sua origem revelado ao final dela, o que também é crucial para a trama que se desenvolve no segundo ano.
“Ela está presa à Lumon de uma forma diferente, então eu tentei ter muita empatia com ela e pelo condicionamento familiar que ela deve ter vivenciado”, nota. “Mas elas [as versões] soam diferentes para mim, soam como músicas diferentes dentro de mim. Eu deixo os fãs decidirem de qual gênero”, acrescenta, bem-humorada.
As questões existenciais da temporada, porém, não são exclusividade dos personagens que passaram pela ruptura. Até o misterioso Sr. Milchik, interpretado por Tramell Tillman, terá suas convicções postas à prova no novo ano. “Apesar de ele ser devotado ao emprego dele e à Lumon, ele tem que decidir entre essas questões e o apoio sólido a essa corporação, e o divertido é que estamos só arranhando a superfície desse dilema”, diz o ator.
Sucesso pandêmico
Ruptura despontou como um sucesso inesperado pouco após sua estreia, em fevereiro de 2022 – um momento no qual o mundo ainda não estava plenamente recuperado da pandemia de Covid-19, quando muitos profissionais viram os limites entre vida pessoal e profissional tornarem-se ainda mais tênues.
“Acho que as pessoas viram muito das suas dificuldades na série”, afirma Erickson, que criou a produção justamente a partir de suas próprias experiências negativas em um escritório, anos atrás. “Poderíamos presumir que trabalhar de casa fosse libertador para o trabalhador – porque você está em seu espaço, então deveria ter mais controle sobre você mesmo e sobre sua agenda –, mas acho que teve um efeito oposto, porque ele quebrou as barreiras entre o pessoal e o profissional”.
Agora, ele nota, “nós nunca estamos livres”, já que, em tese, podemos responder a um e-mail ou entrar em uma reunião a qualquer momento do dia, em um contraste com os tempos em que todas as ferramentas necessárias para o trabalho permaneciam no escritório. “Agora, os limites ficaram mais turvos”, conclui.
Em um paralelo inusitado, elenco e equipe também vivenciaram limites mais tênues enquanto filmavam a temporada: os sets onde aconteceram as gravações ganharam ainda mais corredores brancos como cenário, criando verdadeiros labirintos que confundiam realidade e ficção. “Todos os corredores eram parecidos, e saímos de um para entrar no outro. Realmente apagava as linhas que separavam o que era real ou não”, conta Erickson.
“Eu me perdia o tempo todo”, recorda Scott. “Às vezes, você precisava parar e gritar, porque você estava a caminho de um ensaio ou de uma filmagem, e era necessário gritar para que alguém viesse te encontrar. Parecia O Iluminado”, conclui, citando o icônico filme de Stanley Kubrick.
Os dez episódios da segunda temporada de Ruptura serão disponibilizados semanalmente, às sextas-feiras, no Apple TV+.