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Já pensou ir ao teatro e ter que trabalhar? Peça troca atores por público para criticar precarização

Criado por Nathan Ellis, o espetáculo inglês Work.TXT foi destaque do Festival de Rio Preto e poderá ser visto na capital de sexta a domingo

Por Dirceu Alves Jr.
Atualização:

O Festival Internacional de Teatro de Rio Preto, realizado de 20 a 29 de julho, reuniu 27 mil espectadores para trinta espetáculos, entre produções brasileiras e três estrangeiras, vindas da Argentina, de Portugal e da Inglaterra. Em comum, as montagens do exterior propuseram diferentes formas de interação com o público e duas delas, a portuguesa Albano e a argentina Efectos Especiales - FX, puderam ser vistas na capital na semana passada. A mais radical delas, no entanto, a inglesa Work.TXT, criada e dirigida por Nathan Ellis, ganha a cena no Sesc Belenzinho neste fim de semana e levanta polêmicas por dispensar atores e convocar o público a interpretá-la.

O desenvolvedor de software Danilo Tupinambá estava na plateia e aceitou participar do espetáculo. Foto: Luiz Áureo/Divulgação

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Sim: não há qualquer profissional no elenco e muito menos robôs ou qualquer tipo de inteligência artificial, como foi visto na peça suíça Vale da Estranheza, exibida na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo do ano passado. A provocação é ver o próprio público como protagonista das cenas. As falas podem ser lidas em um telão ou folhas de papel, recebidas na hora, ou escutadas em fones de ouvido.

A inusitada proposta tem como objetivo criticar a precarização nas relações de trabalho na sociedade atual. O diretor e dramaturgo Nathan Ellis, de 29 anos, no entanto, apressa-se em garantir que valoriza muito o trabalho dos atores, e a performance dos espectadores só reforça o quanto seria diferente um espetáculo feito por profissionais que dispõem de técnica e experiência. “Claro que a automatização pode vir a tirar o mercado de muita gente, mas entre eles não estão atores e atrizes”, justifica Ellis. “Tanto que esta performance só se realiza porque conta com a disponibilidade destes voluntários e a humanidade que eles emprestam aos personagens.”

Work.TXT começou a ser preparado em 2019, logo depois que Ellis conheceu o livro Trabalhos de Merda: Uma Teoria, do antropólogo americano David Graeber (1961-2020). “Fiquei impactado com a ideia dele de que muitos empregos poderiam ser tomados pela tecnologia e a sociedade nem perceberia”, diz o diretor. O espetáculo estreou em Londres em fevereiro do ano passado, e o Brasil é o sexto país a recebê-lo, depois Inglaterra, Itália, Alemanha, Austrália e Holanda. “É uma experiência imersiva e sempre deixo claro que ninguém jamais será obrigado a participar ou fazer algo que não tenha vontade”, avisa Ellis.

Protagonista do público

A base da dramaturgia é simples. Uma pessoa, responsável por alimentar as mídias digitais de uma multinacional, se deita no chão do escritório e essa ação impacta vários outros personagens. Na sessão da sexta passada, dia 28, no Sesc Rio Preto, coube a Danilo Tupinambá, de 37 anos, representar o protagonista.

Ele, que trabalha como desenvolvedor de softwares, não sabia da proposta interativa quando comprou o ingresso, mas, sob o impulso da provocação, subiu ao palco na primeira cena. “Eu achei que seria algo rápido e transitório, tanto que, quando perguntaram o meu nome e pediram para soletrar, pensei até em inventar um outro”, conta Tupinambá. O personagem, batizado de Danilo, é citado o tempo todo e, em diversos momentos, o voluntário precisa voltar ao palco. “Comecei a me envolver no jogo e me diverti”, diz. “Em momento algum, tive receio de que rolasse alguma proposta absurda ou desagradável”.

A atriz Camila Cortês, que não está no elenco e o gestor de experiência do cliente, Tiago Rodrigues de Andrade contracenam na peça 'Work.TXT'. Foto: Luiz Áureo/Divulgação

O tatuador Mário Henrique Borges, de 20 anos, representou um dos colegas de escritório de Danilo. Borges ficou surpreso com o fato de não haver atores profissionais para orientá-los, mas conta que sua única dificuldade foi enxergar com clareza as letras miúdas do roteiro impresso. Restou a ele acompanhar as falas pelo telão. “O texto é cru e quem deve dar a emoção é o ator, só que como ninguém ali é profissional tudo deve ser encarado com leveza e diversão”, resume.

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Quem pisou no tablado com um pouco mais de segurança foi a atriz Camila Cortês, de 22 anos, que interpretou a curadora de uma galeria de arte. “Foi diferente de apresentar uma peça que ensaiei e sei o que vai acontecer. Acho interessante colocar o público neste lugar para ver como os artistas são insubstituíveis”, afirma.

Tiago Rodrigues de Andrade, de 31 anos, que trabalha como gestor de experiência do cliente, dividiu a cena com Camila, na pele do atendente da galeria. A dupla demonstrou jogo de cintura ao perceber, logo no começo, que precisava trocar os personagens combinados segundos atrás por não terem se posicionado corretamente diante dos microfones indicados. Andrade ressalta, porém, que, mesmo sendo espectadores, os participantes de cada sessão podem ser considerados artistas naquele exercício efêmero. “A grande ideia do diretor é colocar você no comando dessa experiência, e a cena só se deu daquele jeito por causa daquela pessoa, então não deixa de ser uma manifestação artística”, completa Andrade.

Serviço

Work.TXT. Teatro do Sesc Belenzinho.

Rua Padre Adelino, 1000, Belenzinho.

Sexta, 4 e sábado, 5, 21h30; domingo (6), 18h30. R$ 30.

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