Três gerações tentam dar sentido ao passado em ‘The Blue Window’

Suzanne Berne trabalha a gradação das emoções em personagens que buscam respostas complexas

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Por Ellen Akins

Quando encontramos Adam pela primeira vez no romance The Blue Window, de Suzanne Berne, sabemos apenas que algo terrível aconteceu com ele, algo tão humilhante e vergonhoso que ele não consegue pensar a respeito. Ele está em casa depois de seu primeiro ano de faculdade, não tanto cuidando de seu ego ferido, mas tentando apagá-lo, um projeto que envolve pensar em si mesmo não como Adam, mas como A, que convenientemente também significa Anônimo. Ou Ausente.

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É fim do “dia 18 no ano de 2019 da Batalha contra o Eu, cercada de todos os lados por lembretes desmoralizantes de apego familiar”. A mãe dele, por exemplo. “Se ela pergunta ‘O que você fez o dia todo?’, A responde: ‘Ocorreram alguns cochilos’ ou “Vídeos foram assistidos’”. Seu esforço é tão divertido quanto comovente: “O auto-apagamento exigia flagelos constantes, daí a decisão de ontem de se tornar vegano”.

Ouve-se a mãe de Adam, Lorna (também conhecida como X), terapeuta, conversando com seu pai distante, Roger (Y, é claro), no viva-voz sobre a mãe dela, Marika (G), que torceu o tornozelo. Ela consultou um médico? Não se sabe. Ela não atende o telefone. “Você sabe como ela é”, diz Lorna. Logo também saberemos, mas primeiro Lorna tem de ir lá ver as coisas por si mesma e convencer Adam a ir junto, o que, surpreendentemente, vem a calhar: “Se o eu ficou indignado com a perspectiva de passar cinco ou seis horas no carro com X, viajando para Vermont para visitar uma velha em uma casa cheia de bolas de naftalina e lenços de papel usados, se o eu não conseguia conceber nada mais hediondo, então, para ser vencido, o eu devia se submeter a esta provação”. Que beleza de viagem!

"The Blue Window" by Suzanne Berne Foto: Scribner / Handout

Para Adam, que a vê apenas no Dia de Ação de Graças todos os anos, sua avó é “curvada, quadrada, de rosto largo, com calças de lã marrom e um cardigã marrom que cheirava a naftalina, botões de couro puídos pendurados em fios pretos. Cabelos grisalhos curtos que parecia que ela mesma cortava. Óculos grandes de armação rosa com lentes engorduradas”.

Durante a Segunda Guerra Mundial, quando menina, ela atravessava Amsterdã de bicicleta para entregar mensagens codificadas para sua irmã, enfermeira da Resistência. A família “às vezes também escondia crianças em um armário de cozinha. Quando os soldados vieram prender sua irmã e seu pai, G escapou pelas escadas dos fundos e saiu da cidade de bicicleta para uma escola de freiras, onde as freiras a acolheram”.

Pelo menos esta é a história que ela contou a Lorna quando menina – antes de desaparecer de repente, sem dizer uma palavra. Décadas depois, logo após o nascimento de Adam, ela ressurgiu com um cartão-postal conciso de Vermont, onde residia. Esta é a fonte do trauma de Lorna. E na relutância de Marika em responder a perguntas sobre sua própria história, suspeitamos (com razão) que ela também está guardando um trauma antigo.

‘The Blue Window’ é um romance no qual as revelações são a história

É muito enredo e uma linha bem organizada de traumas geracionais. Mas The Blue Window é um romance no qual as revelações são a história, e como esses eventos transformadores suprimidos, reprimidos e mal processados vêm à tona é pelo menos tão interessante quanto qualquer coisa horrível que aconteceu.

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O trabalho de Lorna como terapeuta tem um valor interpretativo óbvio, pois ela tem a propensão, assim como os recursos profissionais, para analisar cada ato e observar seu significado mais profundo, mesmo quando ela reformula cada troca como “compartilhamento” e “sentimento”.

Mas Berne tem um jeito especial de lidar com o tropo curadora-curando-a-si-mesma, porque quando Lorna finalmente decide confrontar a mãe sobre sua deserção, toda essa contenção profissional se dissolve, e o resultado é ao mesmo tempo doloroso e hilário. Sob as especificidades das histórias de Adam, Lorna e Marika, existe a sensação de que a passagem geracional é uma espécie de trauma natural em si mesma.

Suzanne Berne, autora de 'The Blue Window' investiga diferentes gerações em seu novo romance Foto: Simon & Schuster

Berne, cujo romance A Crime in the Neighborhood (1998) ganhou o British Orange Prize (hoje chamado Women’s Prize for Fiction), é boa em captar as sutis mudanças de humor e compreensão das pessoas e, especialmente, em fundamentar esses momentos com detalhes observados com precisão.

Marika sente “um baque flácido no peito, como se seu coração estivesse tentando dar uma cambalhota”. Lorna vê “lenços pálidos de névoa” sobre a água. Uma lancha deixa “uma cauda de galo de esteira espumosa”. O golden retriever fica espera, “sua cauda é um metrônomo felpudo”. Uma faixa de grama parece “estilhaçada em embalagens de papel alumínio”. Uma casa é “saturada com a pesada aura de Pessoas Que Não Falam. É como entrar em uma esponja úmida”.

A tensão entre o imediato e o imaginado ou lembrado é o que faz esse romance funcionar, com Berne alcançando um equilíbrio satisfatório entre o que acontece, o que pode significar e o que é necessário para continuar. O passado pode ser passado, mas seu significado ainda não foi determinado. As possibilidades são infinitas.

Ellen Akins é autora de quatro romances e uma coleção de contos, World Like a Knife.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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The Blue Window

Suzanne Berne

Scribner - 272 páginas - US$ 27

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