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‘Agenda verde’: projetos centrais, como regulação do mercado de carbono, saem este mês, diz Fazenda

Governo também vai abrir consulta pública sobre taxonomia, um manual de classificação das medidas de sustentabilidade

Foto do author Amanda Pupo
Foto do author Célia Froufe
Por Amanda Pupo (Broadcast) e Célia Froufe (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA - Alguns dos projetos considerados mais importantes para o governo estimular uma “revolução verde” na economia do País começarão a sair do papel ainda este mês. É o caso da entrega de um texto a ser encaminhado ao Congresso Nacional pelo Ministério da Fazenda para regular o mercado de carbono e a abertura de uma consulta pública sobre taxonomia - uma espécie de manual de classificação. Na agenda de sustentabilidade, o instrumento serve para definir quais setores, atividades, projetos e ativos estão alinhados com os objetivos ambientais, sociais e de governança, mais conhecidos pela sigla em inglês ESG.

Além disso, o governo decidiu que parte - cerca de R$ 10 bilhões - do que será levantado com a emissão dos primeiros títulos soberanos sustentáveis será direcionada ao Fundo Clima. “É nessa ordem de grandeza”, confirmou ao Estadão/Broadcast Rafael Dubeux, assessor especial do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Dubeux é o responsável por liderar as discussões sobre o Plano de Transformação Ecológica (PTE), a “menina dos olhos” da equipe econômica, e deve se tornar secretário executivo adjunto da Pasta a fim de ter mais força para tocar os projetos previstos até aqui.

Projeto é visto como um dos mais importantes na agenda do atual governo federal para a economia do País Foto: Bruno Kelly/Reuters

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O PTE, adiantado com exclusividade pelo Estadão/Broadcast em abril, soma mais de 100 ações mapeadas em seis diferentes eixos. Algumas com previsão de impactos vultosos e outras mais pontuais. Como as ações têm diferentes estágios de desenvolvimento, o governo ainda não consegue estimar com precisão os impactos para a economia. A academia e o setor privado, porém, já começaram a fazer alguns estudos.

Além do mercado de carbono e da taxonomia, também estão previstos para o curto prazo a entrega ao Legislativo do projeto de lei do ‘Combustível do Futuro’, o encaminhamento da proposta que regulamenta as eólicas offshore (fora do País), além de um projeto específico para tratar de hidrogênio de baixo carbono. Em outra frente do PTE, o Tesouro Nacional prepara para os próximos meses a primeira emissão de títulos soberanos sustentáveis.

O governo tem pressa porque quer chegar à COP-28, marcada para ocorrer no fim de novembro, em Dubai, nos Emirados Árabes, com novidades e mostrar que o Brasil está realmente empenhado em relação a práticas sustentáveis. A COP-30, em 2025, está prevista para ocorrer no Brasil, em Belém (PA). O Fundo Clima é gerenciado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Conforme Dubeux, as tratativas com a instituição financeira estão bem avançadas sobre quais setores poderão usar os recursos do instrumento. “A ideia é estimular ao mesmo tempo atividades que estão ligadas à sustentabilidade e à inovação tecnológica”, explicou.

Mercado de carbono

Para fechar o texto mais consensual possível para regular o mercado de carbono, o Ministério da Fazenda decidiu ouvir integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDES), o chamado “Conselhão”, antes de submeter a proposta aos parlamentares. A consulta informal ao órgão, reativado no governo Lula 3, deve ser concluída na próxima semana, embora o texto já seja considerado “bastante maduro”, afirmou Dubeux.

”A ideia é ouvir e receber contribuições de conselheiros para que, neste mês ainda, comece a tramitar. Estamos esperando fechar essa conversa no Conselhão, que deve ser na semana que vem, receber as contribuições, para aí definir um encaminhamento. Mas é algo para agora”, disse Dubeux.

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Enquanto fecha a proposta final, o governo avalia a forma de encaminhar o assunto ao Congresso. Dentre as possibilidades, está a de usar como veículo um projeto que já tramita no Senado, atualmente na Comissão de Meio Ambiente (CMA) sob relatoria da senadora Leila Barros (PDT-DF). O projeto já passou pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no fim do ano passado. Se essa for a opção escolhida, a proposta do governo deve entrar como um substitutivo ao projeto, por se tratar de um texto diferente do elaborado no Senado.

Integrantes do governo federal e do Senado ouvidos pelo Estadão/Broadcast sob reserva consideram que essa será a via adotada pelo Palácio do Planalto. Leila, inclusive, já estaria alinhando seu texto com o Ministério da Fazenda. Na última semana, a senadora esteve com o ministro Fernando Haddad para discutir o conteúdo da proposta.

Com avanço do desmatamento no País nos últimos anos, governo quer acelerar aprovação dos projetos ligados à economia verde 

Há dois motivos que parlamentares governistas veem a favor de se aproveitar o projeto de lei que já está em tramitação. Primeiro, o fato de que a palavra final seria dada pelo Senado - no qual o Palácio do Planalto sempre considerou ter uma base de apoio mais fiel e consistente do que na Câmara. Em segundo lugar, o caráter terminativo pelo qual a proposta tramita na Comissão de Meio Ambiente - o que significa que, caso o projeto seja aprovado no colegiado, não terá de passar sequer pelo plenário da Casa Alta do Congresso, a não ser que haja um recurso de algum parlamentar. Questionado, Dubeux reconheceu que o caminho pelo Senado é uma possibilidade. A decisão sobre a forma de tramitação, por sua vez, ainda não está fechada, disse.

Apesar de ajustes realizados nos dois últimos meses, a proposta atual do governo mantém os grandes pontos do texto concluído em junho por um grupo de trabalho composto por mais de dez ministérios. A minuta sugere que fiquem sujeitas ao mercado regulado as instalações que emitam acima de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano - um recorte horizontal para as emissões, e não por setores. Na prática, a linha de corte atinge majoritariamente a indústria. Em peso, os segmentos de siderurgia, cimento, alumínio e indústria química, por exemplo.

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Para o agronegócio, o teto vai afetar pouco grandes frigoríficos. Por outro lado, a avaliação é que esse setor vai se beneficiar com o mercado de carbono regulado pela possibilidade de vender créditos de CO2, por exemplo, a partir de unidades que trabalham com reflorestamento - além do ganho em reputação de produzir num País com regime de metas de emissão. “O agro tende a ganhar”, disse Dubeux.

Receptividade

O assessor especial de Haddad classificou a recepção do setor privado à minuta como “superpositiva”. Questões pontuais ainda geram algum debate, mas o nível de aceitação tem sido “muito amplo”, afirmou, mesmo dos setores mais diretamente regulados.

A subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Fazenda, Cristina Reis, disse ser possível assegurar que o texto ficou o “mais consensual possível”. Ela reconhece que alguns pontos ainda podem gerar maior discussão, como o valor de multas, além de um eventual pedido do setor do agronegócio para ficar expressamente fora do mercado regulado. “Mas não recomendamos isso, porque a horizontalidade que o texto expressa também é um sinal muito positivo de que não está se olhando para nenhum grupo de interesse específico, mas para o interesse climático. E o enfrentamento da questão climática é uma oportunidade de negócio”, afirmou

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O governo estima que, com as futuras regras, cerca de 0,1% dos agentes econômicos monitorados sejam submetidos ao mercado regulado, se considerado o recorte de emissões acima de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano. Apesar de pequena, a parcela corresponde a cerca da metade das emissões das atividades econômicas do País - excluindo florestas, fonte de grande parte das emissões brasileiras em razão do desmatamento.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, o governo Lula corre para mostrar trabalho num contexto de atraso histórico do País. Além da tarefa de combater o desmatamento ilegal, o Brasil também fica atrás de pelo menos 28 iniciativas de mercado de carbono já implementadas no mundo. Há dois anos, nos preparativos para a COP-26, o Congresso tentou aprovar um projeto de lei que criaria esse ambiente regulado, mas esbarrou em resistências e falta de consenso junto à administração do então presidente Jair Bolsonaro. Por isso, três projetos sobre o tema ainda tramitam no Parlamento.

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