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Ajustar e/ou consolidar?

Por José Roberto R. Afonso
Atualização:

Os governos entraram forte na economia para tentar atenuar a crise global do final da década passada, como é notório. Desde o socorro ao sistema financeiro e empresas produtivas até o aumento de investimentos para impulsionar a demanda, passando pela queda da arrecadação tributária (que foi o principal fator de deterioração), disparou o déficit e com isso a dívida pública, sobretudo das economias avançadas. Passado o pior da crise, qual foi a estratégia de saída do governo? A receita tradicional de ajuste fiscal seria aumentar a carga tributária, cortar os gastos, rever incentivos e suspender suporte financeiro. Tal como significa a palavra "ajuste": corrigir contas, obedecidas as mesmas regras do jogo antes vigentes, até voltar ao ponto anterior. Era o caso da convenção de que a dívida pública não deveria ultrapassar 60% do PIB (o conceito bruto predomina lá fora). Objetivo menos ambicioso seria que tal dívida e, com isso, o resultado primário voltassem aos patamares observados antes da crise. Esse ajuste seria impossível, logo ficou claro. Em 2010, o Fundo Monetário Internacional (FMI) calculava que, no caso dos maiores países (G-20), seria necessário um ajuste de perto de 9 pontos do PIB, na média das economias avançadas; e de 3 pontos, entre emergentes. Na mesma época, a OCDE calculava que 15 de seus membros levariam até 13 anos para ajustar a volta ao déficit que geravam antes da crise. Até estes organismos internacionais reconheciam que seria impossível promover mudanças tão drásticas na receita e no gasto sem comprometer a recuperação das economias e reposicionaram suas estratégias, de forma algo pragmática. No lugar da simples estratégia de saída, surgiu a defesa dos programas de consolidação fiscal. A nova semântica não era gratuita. Consolidação expressa o ato de reforçar e agrupar ações num único conjunto. No contexto, traduziu-se na promoção de reformas pelos governos que mudassem as estruturas fiscais. O pressuposto era de que as então vigentes não permitiriam avançar no futuro próximo para o mesmo patamar de dívida e déficit em que se estava no passado. Era preciso mudar mais instituições do que políticas, de modo a assegurar (especialmente a quem investe em dívida pública) que no longo prazo o governo teria recomposto o controle de suas contas (reconhecido como impossível de se realizar no curto prazo), ainda que construindo novas convenções. Importa atentar que essa estratégia não dependia de um desmonte completo e imediato da política fiscal ativada para combater a crise. Seguindo o novo consenso, de que cada caso é um caso, os governos promoveram alterações as mais diferentes, mas que tinham em comum a mudança de estrutura. Muitos revisaram a Previdência Social, inclusive para limitar o acesso. Outro optou por construir um novo sistema de saúde pública. Uma grande onda foi reforçar a transparência das contas, reformatar o orçamento e a contabilidade pública (até para se parecer com a privada) e endurecer a responsabilidade fiscal - inclusive proliferaram conselhos com funções de "cão de guarda". Até reformas abrangentes do sistema tributário e das administrações fazendárias, que antes eram vistas como tarefa quase exclusiva de economias emergentes, entraram na agenda dos países mais ricos. E o Brasil, qual caminho trilha? Para apagar o incêndio, não há a menor dúvida de que era preciso chamar o corpo de bombeiros. Mas, passado o rescaldo, diante do estrago antes feito, será preciso avaliar se serão chamados outros corpos, de arquitetos, de engenheiros, para reformar ou mesmo reconstruir. Um país que esteja crescendo acima de sua média histórica, dos seus vizinhos e de outros do mesmo porte e um governo que acredita que suas instituições já são suficientemente sólidas podem se dar ao luxo (como as economias avançadas hoje se valem) de promover apenas um ajuste fiscal clássico. Reformar dá muito mais trabalho: exige plano, elaborar projetos legislativos, negociar com o Congresso. Consolidar vai muito além de ajustar.*José Roberto R. Afonso é economista, professor do IDP e pesquisador do IBRE/FGV

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