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Ambev é questionada pela Receita por operações bilionárias envolvendo Imposto de Renda

Disputa gira em torno da compensação do Imposto de Renda devido aqui no Brasil com o Imposto de Renda anual pago pelas empresas da multinacional brasileira no exterior

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

Brasília - A Receita Federal está questionando a fabricante de bebidas Ambev por operações ligadas ao pagamento de Imposto de Renda sobre lucros no exterior. O alvo principal dos questionamentos é a prática de restituição bilionária de impostos que a cervejeira pagou lá fora. O Fisco já autuou a empresa em R$ 12,6 bilhões por conta disso, valor que está em litígio judicial.

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A origem da disputa é a compensação do Imposto de Renda devido aqui no Brasil com o Imposto de Renda anual pago pelas empresas da multinacional brasileira no exterior. Para a Ambev, ela pode usar o IR pago lá fora para abater do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pagos mensalmente no Brasil.

Já a Receita Federal considera a prática irregular, como se o governo brasileiro estivesse pagando pelo imposto que a Ambev recolheu em outro País.

Ambev argumenta que Carf já deu sentença favorável ao desconto no pagamento do IRPJ e CSLL Foto: Marcos Arcoverde/Estadão

Em nota ao Estadão, a Ambev informou que não comenta casos em andamento. “Vale pontuar que cumprimos integralmente a legislação brasileira sobre lucros no exterior e já houve o reconhecimento no próprio Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em caso semelhante a favor dos contribuintes”, disse a empresa.

No dia 28 de julho, fiscais da Receita se encontraram em São Paulo com cinco representantes da Ambev, entre eles os diretores da área tributária Eduardo Paoli e Roberta Bordini Prado Landi. Segundo relatos de pessoas ligadas à investigação, a conversa foi tensa.

A reunião oficialmente faz parte do “Confia”, programa piloto de “Conformidade Cooperativa Fiscal” da Receita Federal. O programa está sendo testado com oito grandes empresas que pagam muitos impostos e têm disputas com o Fisco, entre elas a Ambev.

A Ambev questiona autuações no Carf, tribunal administrativo onde os contribuintes recorrem de multas aplicadas pelos fiscais da Receita.

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Em 2020, a empresa perdeu no Carf um julgamento sobre uma dessas autuações, no valor atualizado de R$ 2,6 bilhões. No início de 2023, a decisão foi confirmada por unanimidade pelo próprio tribunal.

Pela decisão do Carf, o IR pago no exterior não é passível de restituição no Brasil. O imposto a pagar será inscrito na Dívida Ativa da União para cobrança, nos próximos dias, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

O próprio demonstrativo contábil da Ambev, publicado em março de 2023 com dados do ano de 2022, aponta que desde 2014 a companhia vem sendo autuada pelo Fisco. As autuações se referem a operações de 2007 em diante.

A Ambev informou aos fiscais, segundo o Estadão apurou, que não pretende aderir à chamada “Lei do Carf”. Aprovada pelo Congresso, a lei pretende promover um encontro de contas entre as empresas e o Fisco. A Receita queria regularizar os débitos da Ambev agora, mas os representantes da Ambev informaram que vão seguir com o questionamento das autuações na Justiça. Um processo desse tipo pode demorar mais de 10 anos.

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Nos documentos oficiais, a Ambev repete que a cobrança é ilegítima e cita que, em novembro de 2019, foi proferida decisão favorável pelo Carf, cancelando a autuação com relação a um dos casos, que abarca o ano-calendário de 2010. Por reputar que as cobranças são ilegítimas, a companhia está questionando essas autuações nos tribunais administrativos e judiciais.

A julgar pelo balanço financeiro, a empresa demonstra convicção de que deve ganhar a disputa jurídica. É uma prática habitual das empresas registrar nas demonstrações contábeis que são apresentadas ao mercado o risco de perder disputas jurídicas. São estimativas do risco de ter de desembolsar valores extras para pagamento de impostos em disputa com o Fisco.

No caso da Ambev, apesar de divulgar contingências possíveis de R$ 85 bilhões para a data-base de 31 de dezembro de 2022, a empresa considera apenas R$ 300 milhões como uma perda provável de ocorrer, constituindo, dessa forma, sua respectiva provisão.

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Receita também questiona operações de Juros sobre Capital Próprio Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ou seja, a Ambev provisiona menos de 0,4% dos valores totais classificados como possíveis e prováveis, confiando que terá êxito nas suas estratégias de defesa em âmbito judicial e administrativa em mais de 99% do montante cobrado pelas autoridades fiscais.

De acordo com estudo do economista e diretor do Sindicato dos Economistas (Sindecon) de São Paulo, André Paiva Ramos, as demonstrações financeiras da Ambev de 2022 apresentaram um aumento das contingências tributárias. Segundo ele, essas contingências têm crescido desde 2018. Passaram de R$ 63 bilhões para R$ 85 bilhões, uma alta de 34%. Do total do aumento, R$ 2 bilhões estão relacionados ao ICMS (tributo cobrado pelos Estados) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Outros R$ 20 bilhões estão relacionados ao IRPJ e CSLL.

Procurada, a Receita Federal, em Brasília e em São Paulo, não respondeu aos pedidos de informações da reportagem.

Juros sobre Capital Próprio

Os fiscais da Receita estão investigando outro ponto importante do balanço contábil da Ambev. Seu questionamento é sobre o uso de operações chamadas Juros Sobre Capital Próprio (JCP). Trata-se de um mecanismo de pagamento de dividendos, adotado como forma de remunerar os acionistas da empresa pagando menos Imposto de Renda.

O JCP é permitido no Brasil, portanto, não há ilegalidade no uso do instrumento pelas empresas. Mas os fiscais da Receita questionam se há uso abusivo e irregular do mecanismo de JCP pela Ambev. A empresa já foi autuada pelo Fisco e o caso está sendo analisado pelo Carf.

Em proposta enviada na semana passada ao Congresso, o governo acaba com a possibilidade de as empresas fazerem uso do JCP. No anúncio do projeto de orçamento de 2024, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, informou que os abusos que a equipe econômica visa a coibir com a proposta para acabar com o JCP não estão ligados a instituições financeiras, mas de empresas da economia real. Ele não citou o nome de empresas.

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