RIO - O chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), José Júlio Senna, afirmou que o ideal seria o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aumentar a taxa Selic em 0,50 ponto porcentual na reunião da próxima quarta-feira, 18, embora existam indicativos de que a elevação será de 0,25 em função da “narrativa de gradualismo”.
As declarações foram dadas nesta manhã de quinta-feira, 12, no III Seminário de Análise Conjuntural, realizado pelo Estadão e pelo FGV/Ibre, de forma online. Armando Castelar, pesquisador associado do FGV/Ibre, e Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV/Ibre, participaram do debate, com moderação de Luiz Gerbelli, repórter do Estadão.
O aumento de 0,50 ponto porcentual, disse Senna, serviria para fazer jus a posicionamentos recentes de integrantes do BC e para dar uma resposta às expectativas de inflação desancoradas e a uma economia aquecida. Segundo o economista, o BC falou “muito grosso e agora não tem escapatória”. A taxa básica de juros está hoje em 10,5% ao ano.
“Veio um monte de sinais de dirigentes do BC de que a alta de juros está na mesa, de que vão levar a inflação para a meta, de que tem que reancorar expectativas. O BC falou muito grosso e, ao meu ver, ajoelhou tem que rezar. Agora não tem jeito. Sinalizaram tanto sinal de austeridade e combate à inflação, que não tem escapatória agora. Imagino que o ideal seria um aumento de 50 pontos (0,50 ponto porcentual) na reunião da próxima semana”, disse.
O economista observou que o BC fez um único movimento de aumento de 0,25 ponto porcentual ao longo da história recente da condução da política monetária. “25 pontos para o nível de Selic no Brasil não faz muita cócega”, disse. “Só que o presidente do BC, acompanhado de um dos seus diretores, também sinalizou que a coisa vai ser gradual. E de um modo geral, caminhou-se para o entendimento de que gradual é 25 pontos (0,25 ponto porcentual)”, ponderou.
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PIB com inflação e juros
A economista Silvia Matos, do FGV/Ibre, disse que, apesar da recente melhora na composição do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o País está crescendo acima do seu potencial, e isso virá acompanhado de mais juros e inflação pressionada, o que está longe do ideal.
“Seria melhor uma desaceleração maior da economia, um crescimento mais moderado e consistente com seu potencial, não tendo que subir juros e com uma inflação mais moderada. Se quer crescer mais, tem que crescer com potencial de crescimento”, disse.
“Estamos estimulando a economia mais pelo lado da demanda, dos gastos públicos, em movimento inflacionário. Já vimos essa história antes. Isso leva a um juros de equilíbrio mais elevado”, continuou Matos, ponderando que o mundo ainda estaria ajudando o Brasil com expectativas de redução de juros pelo mundo, sobretudo nos EUA.
Em coro, o economista Armando Castelar, que estava na mesa, disse que o cenário de crescimento turbinado é muito semelhante ao dos dois primeiros mandatos do presidente Lula, mas com a diferença de um dólar que não cede como cedeu à época e de um cenário de commodities também menos alvissareiro, o que facilitava mais o controle de alguns parâmetros da economia, como a inflação.
Consumo das famílias
Silvia Matos destacou o aumento do consumo do governo e do consumo das famílias, este último a um ritmo ainda mais forte que o do ano passado.
“O consumo das famílias tem crescido acima do PIB. Nos EUA, ele voltou aos níveis pré-pandemia, mas a gente no Brasil ‘embicou’ uma nova tendência de aceleração muito acima disso. Nesse semestre, o resultado é preocupante: uma média de 2% no trimestre, o que, anualizado, vai a 8%. É um ritmo completamente insustentável. O PIB tem crescido acima do seu potencial, apoiado pelo crescimento do consumo das famílias” explicou.
O que mudou na economia
Matos disse, ainda, que as condições da economia e a composição do crescimento do PIB são muito diferentes das verificadas no ano passado, quando o avanço foi concentrado em agropecuária e indústria extrativa que, observou, são setores “mais exógenos à política monetária por serem mais comoditizados”.
Em 2022, ainda houve aumento de exportações ligadas ao desempenho do agro e uma deflação de alimentos ligada ao fim dos choques advindos da pandemia de covid-19.
“Agora é completamente diferente. O PIB está muito mais focado na demanda doméstica. As exportações crescem, mas as importações crescem mais. Parte dessa demanda doméstica tem aspectos interessantes, como a recuperação dos investimentos”, ponderou.
Para além dessa recuperação do investimento, Matos destacou como ponto positivo o maior crescimento da indústria de transformação, que sofreu em 2022, mas agora volta puxada por alimentícios, biocombustíveis e refino de petróleo. “A produção industrial está de fato espalhada em mais setores”, afirmou a economista.
Juro nos EUA
Sobre o contexto americano, Senna avaliou que, graças à melhora da inflação, os Estados Unidos vão entrar em um ciclo de redução de juros, mas de forma moderada, o que vai frustrar parcela do mercado financeiro que espera 50 pontos-base (0,50 ponto porcentual) ou mais de queda na taxa de juros americana. O Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, em inglês) do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) decide os juros na próxima quarta-feira, 18.
“O excesso que vemos no mercado financeiro, de 50 pontos, 60 pontos de queda, eu acho que nada disso vai acontecer. Deve cair de 25 em 25 pontos e olhe lá”, disse o economista. “A atividade econômica (nos EUA) ainda tem bom grau de vigor. Sendo assim, o comitê de política monetária dos EUA tem que agir, mas com moderação.”
Segundo Senna, a inflação americana vive uma “melhora indiscutível” apesar da leve piora nos dados de agosto na comparação com os de julho. “Os dados pioraram um pouco na margem, mas ainda estão mais baixos que as taxas de 12 meses nas cinco principais medidas da inflação americana”, disse.
Para Senna, o problema americano, portanto, não está na inflação, mas no comportamento da atividade econômica, o que passa por crescimentos sustentados no consumo das famílias, que avançou 3,8% em julho, se aproximando do nível pré-pandemia, e as vendas no varejo, que subiram 4,9% em julho.
“Há pouco tempo houve uma histeria com relação a um medo de recessão, mas não há nenhum indicativo de recessão na economia dos EUA, que segue com bons sinais de vigor porque o Fed pegou leve na condução da política monetária. Em 2022 tudo foi seguido conforme os manuais e, em 2023, o Fed tirou o pé.”
Ainda de acordo com o especialista, a inflação americana desacelerou e a atividade se manteve porque as expectativas estavam alinhadas; houve uma reversão do choque de demanda e oferta relacionado à pandemia; melhora da produtividade do trabalhador ao longo de 2023; e uma política monetária moderada, que buscou conter excesso de demissões e ao mesmo tempo contribuiu para as expectativas, contando favoravelmente para setores como o de construção.
BC ‘compra tempo’
Para Senna, em julho, o BC optou por comprar tempo ao manter a Selic, quando já era para ter dado um sinal mais forte.
“O BC não deu um sinal mais forte para não parecer que estava provocando a administração federal. O BC entendeu que seria meio que provocação caracterizar a situação como de balanço assimétrico, o que implicaria aumento de juros com certeza na reunião de setembro”, disse. Teriam pesado, além disso, os recentes compromissos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com a responsabilidade fiscal.
Além disso, afirmou, a espera do BC pode estar relacionada ao fato de que o Federal Reserve “pode ajudar” começando reduzir os juros americano nesta reunião de setembro. Assim como o Copom, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, em inglês) também se reúne em 18 de setembro.