Com um apetite maior do investidor brasileiro por mais risco (um reflexo direto dos juros baixos) e a volta dos estrangeiros à Bolsa, as emissões de ações batem recorde neste início de ano e surpreendem até os mais otimistas. Nos primeiros 45 dias do ano, nada menos que 13 empresas fizeram sua abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) na B3, a bolsa paulista. Somando essas operações às emissões de ações de empresas que já estão na Bolsa, o volume movimentado chega a R$ 33 bilhões.
Esse volume já é mais de cinco vezes maior do que o registrado no primeiro bimestre de 2007, último boom de oferta de ações no Brasil. E, por conta disso, instituições financeiras já começam a revisar suas projeções de ofertas de ações para o ano. Já há quem aponte um volume de mais de R$ 200 bilhões para 2021, ante uma projeção média anterior de R$ 150 bilhões.
“Eu nunca vi essa liquidez para transações. Essa movimentação neste início de ano não estava prevista e nos surpreendeu. Eu diria que o volume dá para ser 30% superior ao do ano passado”, afirma o sócio e chefe da área de renda variável do BTG Pactual, Fabio Nazari. As projeções dos bancos consideram, além das ofertas iniciais de ações (os IPOs) e as ofertas de ações conduzidas pelas empresas já listadas. Em 2020 o volume financeiro de todas as operações no Brasil somou R$ 117 bilhões.
Ou seja, em poucas semanas, o volume de ofertas de ações já bateu um quarto do volume total movimentado no ano passado. E a fila de candidatas para uma abertura de capital segue extensa, com mais de trinta empresas já com pedido na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o regulador do mercado de capitais no Brasil, para realizar a oferta. E neste ano ainda não ocorreu nenhuma das vendas bilionárias de ativos na mira do BNDES, algo que deve contribuir para os números serem ainda maiores - mesmo levando-se em conta a fraca atividade econômica do País e mudanças das projeções de crescimento por conta do ritmo lento da imunização contra a covid-19.
No início do ano, a operação de maior peso na Bolsa peso foi a abertura de capital da CSN Mineração, que movimentou R$ 5,2 bilhões. No entanto, foram as empresas menores que fizeram volume. O setor de tecnologia foi destaque no período, com um grande apetite dos investidores. Olhando para a frente, ainda para o primeiro semestre são esperadas ofertas de peso, como a do banco BV (ex-Votorantim), Big (ex-Walmart), Kalunga e a Nadir Figueiredo, dona da marca Marinex e famosa pelo pratos de vidro marrom e copos americanos, que prepara seu retorno quase um ano depois de fechar seu capital.
Os números podem ainda ganhar um reforço caso a Caixa Econômica Federal cumpra a promessa de levar suas subsidiárias à B3. A que está com o processo mais adiantado é a sua holding de seguros, mas a gestora, sua unidade de cartões e a área de loterias estariam nos planos para uma abertura de capital, eventualmente ainda neste ano.
Vitor Saraiva, responsável pela área de renda variável em mercado de capitais da XP Investimentos, aponta que, diante de um início de ano histórico, a estimativa para o volume de ofertas de ações, entre as iniciais e as emissões de ações subsequentes (follow-on) já chega a R$ 200 bilhões, somando nada menos do que 100 operações previstas para todo o ano. “Isso é fruto de taxas de juros estruturalmente baixas, maior fluxo de investidor local e, desde novembro, a vinda de investidores estrangeiros”, diz.
Outro fator que está atraindo um número cada vez maior de empresas para uma abertura de capital é o fato de que elas finalmente enxergam a Bolsa como uma alternativa atraente para a captação de recursos. “Estamos com muitas conversas acontecendo”, afirma Saraiva. O movimento, segundo ele, começa a atrair empresas de regiões brasileiras fora do eixo Rio-São Paulo, além de trazer também uma maior diversidade setorial.
O diretor global do banco de investimento do Itaú BBA, Roderick Greenless, aponta que o ritmo de ofertas de ações deve se manter aquecido para os próximos meses, tendo em vista as ofertas já com pedido de registro na CVM e que estão preparadas para o IPO. “Temos condições de terminar o mês de abril com 50 operações, entre IPOs e ofertas subsequentes, realizadas”, aponta o executivo. No final do ano, o Itaú BBA estimava um volume de ofertas próximo de R$ 150 bilhões, mas já vê espaço para ajustar esse número para cerca de R$ 180 bilhões. O time do banco de investimento, que já cresceu ano passado, deve contar com mais algumas contratações pontuais em 2021, tendo em vista o grande volume de operações que já estão na mesa.
Mais estrangeiros
Embora a cautela em relação ao Brasil ainda permaneça, principalmente no que tange à saúde fiscal do País, o Brasil tem recebido uma parte do fluxo de investimentos de estrangeiros que vem sendo direcionado aos países emergentes. No ano, a Bolsa brasileira já recebeu a entrada líquida de R$ 25 bilhões de recursos estrangeiros, mantendo um movimento positivo que vem sendo observado desde outubro do ano passado.
“Houve uma combinação de elementos positivos para culminar esse momento. Agora temos também os gringos, que estavam fora do jogo, tínhamos ficando órfãos desse dinheiro”, diz o corresponsável pelo banco de investimento do Bank of America (BofA) no Brasil, Bruno Saraiva. O executivo lembra que muitas empresas que estavam prontas para abrir capital no fim do ano passado preferiram esperar o início de ano, e esse começo com muita liquidez no mercado ajudou a viabilizar as ofertas de ações. “Estamos muito construtivos para o ano e estamos revisando o volume total que o Brasil pode fazer para ofertas de ações”, diz. No fim do ano passado, a previsão dele era de que o volume total alcançasse R$ 150 bilhões em 2021.
Veja quem são as novatas na Bolsa neste começo de ano
CSN Mineração
Oferta aguardada há pelo menos uma década, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) levou para a B3 sua subsidiária de mineração, dona da famosa Casa de Pedra, mina que possui um dos minérios de ferro de mais alta qualidade do Quadrilátero Ferrífero (MG). A oferta movimentou R$ 5,2 bilhões, sendo que R$ 3,6 bilhões foram para o caixa da empresa de Benjamin Steinbruch, que prometeu usar tais recursos para reduzir o endividamento, que supera os R$ 30 bilhões. O destaque do IPO foi o investimento de mais de R$ 1 bilhão da trader global de commodities Glencore.
Westwing
O e-commerce de produtos de decoração e artigos para casa Westwing movimentou R$ 1,16 bilhão em sua abertura de capital. Com mais pessoas em casa em função da quarentena, a receita líquida foi de quase R$ 170 milhões, com crescimento da ordem de 80% de janeiro a setembro do ano passado. A empresa tem oito milhões de usuários cadastrados. Em setembro de 2020 eram mais de 1 milhão de seguidores no perfil do Instagram. A Westwing Brasil foi fundada em 2011, como subsidiária de uma multinacional alemã de mesmo nome.
Espaçolaser
A MPM Corpóreos, dona da rede de depilação Espaçolaser, levantou R$ 2,6 bilhões em seu IPO, inaugurando um novo setor na B3. A rede tem 554 lojas e uma receita líquida anual na casa de R$ 650 milhões. Fundada há 16 anos, a empresa diz que, ao longo de sua trajetória, conquistou uma base de 3,6 milhões de clientes. Segundo a companhia, o mercado de depilação no Brasil gira R$ 36 bilhões por ano, considerando os números de 2019, mas o espaço para crescimento ainda é grande. Isso porque o mercado de depilação a laser ainda é pouco difundido, atingindo apenas 4,9% da população. Um dos objetivos do dinheiro que colocou no caixa com o IPO é sua expansão.
Intelbras
Veterana, a Intelbras fez uma abertura de capital que movimentou R$ 1,3 bilhão. Conhecida no mercado de segurança eletrônica e em telecomunicação, a empresa chamou a atenção de investidores. Os recursos serão destinados para aquisições, expandir sua capacidade industrial, ampliar soluções de software e hardware e expandir canais de varejo.
Eletromidia
Especializada em mídia fora de casa, aquela dos painéis de LED em estações do metrô, trens, elevadores, pontos de ônibus e relógios em grandes avenidas (conhecida como 'out of home', no jargão do setor), a Eletromidia fez um IPO de R$ 871,6 milhões. Capitalizada com a oferta, que foi essencialmente primária - ou seja, o dinheiro vai direto para a empresa -, ela pode traçar agora uma via de crescimento por meio de aquisições. Afinal de contas, é um setor altamente pulverizado: a Eletromidia tem participação de 26% do mercado brasileiro e a francesa JCDecaux, de 24%.
Mobly
A empresa de comércio eletrônico de móveis conseguiu R$ 812 milhões em seu IPO. Com cerca de 925 mil usuários ativos, ela vem crescendo na pandemia. No mundo físico, tem 11 lojas, sendo duas megastores. Nos nove primeiros meses do ano passado, a receita líquida da empresa cresceu 50% e atingiu R$ 420,8 milhões. Fundada em 2011, a Mobly é controlada pelo grupo alemão Rocket Internet.
Cruzeiro do Sul
A empresa de ensino Cruzeiro do Sul também abriu seu capital, uma oferta esperada há anos e que movimentou R$ 1,26 bilhão. Colocando parte desses recursos em seu caixa, essa é mais uma empresa que quer crescer por meio de aquisições. Fundado em 1965, é o quarto maior grupo privado de ensino superior em número de alunos no Brasil. Além da própria Cruzeiro do Sul, a empresa é dona de marcas como Unicid, UDF, Módulo, Universidade Positivo e Braz Cubas.
Orizon
A companhia fluminense de tratamento de resíduos ambientais e geração de biogás Orizon fez um IPO de R$ 554 milhões na Bolsa brasileira. Beneficiada na oferta pela atenção ao tema “ESG” (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês), os recursos captados pela oferta da Orizon serão utilizados para investimentos e potenciais aquisições. No prospecto da sua oferta, a empresa afirmou que foi uma das que mais geraram créditos de carbono certificados no País em 2020, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
Jalles Machado
Reinaugurando o setor do agronegócio na Bolsa brasileira, a Jalles Machado foi fundada em 1980 na cidade de Goianésia, em Goiás. O IPO movimentou R$ 741,5 milhões. A Jalles é o maior exportador de açúcar orgânico do mundo, segmento que cresceu 15% ao ano nos últimos três anos. Um dos maiores clientes da empresa é a famosa rede americana de supermercados Costco.
Bemobi
O clube de assinaturas de aplicativos Bemobi movimentou R$ 1,09 bilhão em sua abertura de capital. A companhia faz parte do grupo norueguês Otello Corporation desde 2015. Sua geração de receita vem da venda de assinaturas do clube, em parceria com operadoras de telefonia, desenvolvedores e fornecedores de conteúdo. A empresa tem 200 parceiros de conteúdo, incluindo Disney, Rovio, Viacom e AngryBirds. Foi um dos hits entre os investidores neste começo de ano.
OceanPact
Se declarando uma das principais prestadoras de serviços de suporte marítimo no Brasil, a OceanPact, empresa criada em 2007 no Rio de Janeiro, fez um IPO de R$ 1,22 bilhão. Entre seus serviços estão estudo, proteção, monitoramento e uso sustentável do mar, do litoral e dos recursos marinhos para clientes principalmente no setor de óleo e gás. Dos recursos que foram para seu caixa, a empresa usará para ampliar sua frota de navios, que atualmente conta com 23 embarcações, e adquirir máquinas e equipamentos.
Focus Energia
A comercializadora e geradora de energia renovável Focus Energia fez um IPO de R$ 773 milhões. A empresa pretende usar os recursos da operação para investir em projetos de geração de energia solar, para revender a produção dos parques no chamado mercado livre, onde grandes consumidores negociam diretamente seu suprimento elétrico com empresas do setor.
Mosaico
Apelidada de “Google brasileira” a Mosaico foi a vedete das operações deste início de ano, provando o apetite dos investidores pelo setor de tecnologia. Dona dos sites Zoom, Buscapé e Bondfaro, seu IPO movimentou R$ 1,2 bilhão. A Mosaico é uma das pioneiras do comércio eletrônico no Brasil, e foi fundada por Guilherme Pacheco, José Guilherme Pierotti e Roberto Malta. A empresa nasceu com a criação do Bondfaro, em 1999, que depois foi fundido com o Buscapé, em 2006, e vendido para a Naspers, em 2009. Em 2010, criaram o site de comércio eletrônico Zoom. Em 2019, o grupo recomprou o Buscapé.
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