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Casa Verde e Amarela: inflação alta fez 20% das construtoras desistirem do programa habitacional

Aumento dos custos dos materiais de construção tornou o preço dos imóveis inviáveis para o programa

Foto do author Circe Bonatelli
Por Circe Bonatelli (Broadcast)

Um quinto das construtoras que atuam no Casa Verde e Amarela (CVA) suspendeu os lançamentos de novos projetos ou saiu do programa do governo federal por não conseguir viabilizar novos projetos, por conta da pressão inflacionária. Havia 791 empresas ligadas às contratações em 2021, montante que recuou para 635 em 2022, de acordo com levantamento do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) realizado a pedido do Estadão/Broadcast.

“A saída das empresas está relacionada à perda de rentabilidade e ao fato de terem produtos que não se enquadram mais no programa”, avaliou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. “Foi um movimento natural. A construtora só vai fazer um produto que conseguir vender e obter retorno. O mais prejudicado é quem fica sem esse imóvel”.

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As empresas sentiram o aumento generalizado nos custos de construção, especialmente de materiais como concreto e aço. A inflação setorial medida pelo Índice Nacional de Custos da Construção (INCC) cresceu 11,2% no acumulado dos últimos 12 meses até agosto de 2022. Em um dos momentos de pico, chegou a subir 16,7%, no acumulado de 12 meses até agosto de 2021.

Como resposta, as incorporadoras foram forçadas a repassar para os consumidores o aumento nos custos. O problema foi em que, em muitos casos, os novos preços ficaram incompatíveis com o poder de compra dos consumidores, o que levou à suspensão dos projetos pelas empresas.

Ao longo do ano, o Ministério do Desenvolvimento Regional aumentou os subsídios, dilatou os prazos de financiamento e baixou os juros no Casa Verde e Amarela, dando mais fôlego aos consumidores. A partir daí, as empresas puderam subir os preços e recuperar a lucratividade perdida, despertando o interesse em retomarem lançamentos dentro do programa.

“O aumento do preço final foi um imperativo para as empresas compensarem o aumento do custo e recuperarem a margem”, afirmou o analista de mercado imobiliário do Citi André Mazini. “É um quadro bem dramático. As empresas formiguinhas saíram e as grandes acabaram aumentando a participação de mercado”.

Após os ajustes recentes no programa, Mazini acredita que essas construtoras devem retornar para o segmento. Entretanto, esse movimento tende a ocorrer de forma lenta e gradual porque agora as empresas terão de refazer as contas, ajustar os projetos, realizar o lançamento, as vendas e as obras - um ciclo longo, que leva cerca de três a quatro anos para ser concluído.

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Por sua vez, o analista do Bradesco BBI, Bruno Mendonça, ponderou que ainda não está claro se as empresas menores conseguirão, de fato, voltar para o Casa Verde e Amarela. “Sem dúvida nenhuma, os ajustes melhoraram as condições de contratação dentro do programa e vão ajudar as grandes a recolocarem as operações no eixo. Mas não sei se foram suficientes para as empresas formiguinhas voltarem”, disse, referindo-se à menor capacidade de produção em escala das construtoras de menor porte.

O programa, porém, deve por mais reformulações no governo Lula, a partir de janeiro. O presidente eleito deixou claro, já no seu discurso da vitória, no domingo. “Vamos retomar o ‘Minha Casa, Minha Vida’, com prioridade para as famílias de baixa renda”, disse - deixando claro também que o programa voltará a ter o seu nome original, alterado no governo Bolsonaro.

Casas do projeto Casa Verde e Amarela  Foto: Sergio Castro/Estadão


Cenário difícil

A situação não está fácil nem para as grandes empresas. A MRV - maior operadora do Casa Verde e Amarela - viu sua margem bruta diminuir de 26,3% no primeiro semestre de 2021 para 19,2% no mesmo período de 2022. Como resposta, passou a subir o preço dos imóveis para tentar recuperar essas perdas. O preço médio dos seus apartamentos lançados dentro do programa chegou a R$ 243 mil agora, alta de 25,5% em um ano.

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“A maior parte do ajuste de preços já foi feita. Vamos continuar fazendo, mas a agressividade não vai mais ser tão alta assim”, explicou o copresidente da MRV, Eduardo Fischer. Ele admitiu que teve como efeito colateral a perda de vendas, uma vez que a renda dos consumidores não cresceu na mesma proporção do valor dos imóveis. “Subir preço sempre deixa uma ‘ressaquinha’, né? Ela tende a trazer a venda para baixo em um primeiro momento, mas depois tem reversão”.

Martins, da CBIC, estima que os preços devem caminhar para uma estabilização nos próximos meses, pois o INCC já parou de subir de modo significativo. Em agosto e setembro, a oscilação foi de 0,3% e 0,1%, respectivamente. “O Brasil está criando empregos e a tendência é que os salários aumentem (via dissídios), dando mais poder de compra para a população. As empresas podem até subir os preços, mas não muito, porque vai escapar da renda da população e dos tetos dos programas. Acho que vamos chegar a um equilíbrio”, disse o presidente da CBIC.

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