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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|A Argentina entre o pragmatismo e a heterodoxia

Analistas esperavam que o governo de Alberto Fernández enveredasse por atalhos populistas, mas aconteceu o contrário

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Atualização:

Aconteceu o contrário. Quando grande parte dos analistas esperava que o novo governo argentino de Alberto Fernández enveredasse por atalhos populistas em matéria de política econômica, aconteceu o contrário. As primeiras decisões, ainda não suficientemente pormenorizadas, atenderam mais às exigências da economia clássica do que às de um pensamento tipicamente heterodoxo.

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Houve, sim, concessões de cunho social, como congelamento de tarifas dos serviços públicos. Mas o primeiro pacote de decisões de política macroeconômica reforça os fundamentos fiscais, especialmente por meio de aumento de impostos. Depois de anunciar aumento das retenciones (imposto sobre exportações de commodities), especialmente soja, trigo e milho, e de aumentar as alíquotas de impostos sobre a propriedade, o ministro da Economia, Martín Guzmán, avisou que a prioridade será recuperar o equilíbrio das contas públicas. “Estamos buscando restaurar a consistência fiscal”, disse. 

Por aí se vê que o principal diagnóstico do governo é o de que os grandes problemas da economia argentina, como a disparada da dívida, a inflação de 52% ao ano e o mergulho do PIB, têm como principal fonte o descalabro das contas públicas e não a falta de crescimento econômico, como transparecia de tantos discursos eleitorais do agrupamento justicialista de Fernández.

O ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán. Foto: Ministério da Economia da Argentina

A mensagem anterior era a de que, para pagar a dívida tão fortemente ameaçada de calote, seria preciso antes garantir o crescimento econômico.

Não está claro ainda se o aumento de impostos será suficiente para assegurar o equilíbrio das contas públicas. Mais do que isso, não está claro até que ponto o aumento de impostos fortemente calcado sobre o faturamento do agronegócio será politicamente viável. Em 2008, última vez em que isso foi tentado, ainda durante o governo de Cristina Kirchner, a resposta do agro foi violenta, com manifestações e bloqueio de rodovias, episódio que custou, na ocasião, a demissão de Alberto Fernández, então chefe de gabinete de Cristina.

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Há duas outras fontes de incerteza que derivam dessa política econômica. Uma delas tem a ver com a resposta do Fundo Monetário Internacional e dos demais credores a respeito da moratória que está para ser decretada sobre o serviço e a amortização do passivo. Parece improvável que seja aceita sem resistência e sem outros custos que recairão sobre a economia.

Alberto Fernández tem a missão de acertar o rumo de uma economia em crise Foto: Agustin Marcarian/REUTERS

Outra fonte de incertezas diz respeito à capacidade de crescimento do país. Tanto Fernández como Guzmán haviam advertido que a obsessão pelo equilíbrio fiscal acabaria levando à recessão e à redução da renda nacional. E, no entanto, se a prioridade agora é o equilíbrio das contas públicas, fica para ser entendido como o governo argentino equacionará o avanço do PIB, num momento em que o agronegócio, principal setor produtivo, é supertaxado.

Dá para argumentar que a postura agora adotada é pragmática: trata-se de atender às principais reclamações sociais que lhe deram a vitória nas urnas e, ao mesmo tempo, de assegurar um mínimo de consistência macroeconômica. Mas, se esse governo é, antes de tudo, pragmático, pode-se esperar que será capaz de enveredar por outros caminhos se o pacote econômico der errado.

CONFIRA

» Novo recorde da Bolsa

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O gráfico mostra o rali da Bolsa desde setembro. Nesta quarta-feira, o Índice Bovespa, que mede o desempenho das principais ações do mercado, ultrapassou a marca dos 114 mil pontos. A valorização de 2019 é de 30,7% e a de dezembro, 5,62%. A alta reflete não apenas o maior otimismo em relação à economia, mas também a baixa dos juros, que derrubou o rendimento real das aplicações de renda fixa a cercanias de zero por cento ao ano e empurra os investidores para as opções de mais risco.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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