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Opinião|Política industrial: o risco de repetir erros do passado

O que mais preocupa é que alguns sinais emitidos pelo governo não deixam claro que erros do passado não serão repetidos

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Foto do author Claudio  Adilson Gonçalez
Atualização:

Até há pouco tempo, a expressão “política industrial” estava proscrita entre os principais economistas brasileiros. Por nunca ter concordado com esse radicalismo, li com satisfação a excelente Carta do Ibre-FGV, deste mês, reconhecendo a necessidade de o Brasil praticar uma política industrial ativa, mas advertindo sobre o risco de repetir erros do passado.

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É consensual que a política industrial não prospera sem estabilidade macroeconômica, boa infraestrutura, mão de obra qualificada, sistema tributário que não penalize a produção e segurança jurídica.

Claro que essas transformações são lentas, mas a política industrial não pode esperar até que elas estejam totalmente implementadas. Dado que os agentes econômicos tomam decisões baseadas em expectativas, as ações, em ambos os fronts, estrutural e de apoio à atividade industrial, podem e devem ser executadas simultaneamente.

No papel, as linhas gerais da nova política industrial do atual governo são animadoras. As diretrizes publicadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) definem corretamente, a meu ver, os setores prioritários e parecem respeitar as vantagens comparativas do País.

A implementação de uma boa política industrial esbarra em problemas de difícil solução Foto: Taba Benedicto/Estadão

As principais ações seriam concentradas em: cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais, complexo industrial de saúde, infraestrutura, saneamento e mobilidade sustentável, transformação digital da indústria, bioeconomia, descarbonização e tecnologia para a soberania e defesa nacional, sendo este último mais delicado, porque pode incluir, por exemplo, a ideia equivocada de recuperação da indústria naval.

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Contudo, a implementação de uma boa política industrial esbarra em problemas de difícil solução.

Um deles é o reduzido espaço fiscal para dar largada às ações. Mais de 90% das despesas primárias da União são obrigatórias e permanentes. Além disso, grupos com maior poder de pressão em Brasília, com forte apoio no poder legislativo, obtêm vantagens fiscais que já chegam a quase 5% do PIB e que dificilmente serão reduzidas. O ministro Haddad que nos diga.

Mas, o que mais preocupa é que alguns sinais emitidos pelo governo não deixam claro que erros do passado não serão repetidos. Por exemplo, recriar uma estatal como o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), para fabricação de microchips, não parece um bom caminho, dado que se trata de uma atividade que necessita de constantes inovações e de muito capital. Ao governo caberia apenas estimular o setor.

Da mesma forma, tentar influir politicamente na governança de estatais, e até mesmo de empresas já privatizadas, como a Eletrobras e a Vale, subsidiar passagens aéreas e dar estímulos fiscais temporários para compra de automóveis, são ações que diminuem a confiança na capacidade e disposição de o governo implementar uma moderna e transformadora política industrial.

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez

Economista e diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda

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