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Práticas empresariais sustentáveis

Cotas ajudam, mas falta inclusão: o que pessoas com deficiência enfrentam no mercado de trabalho

 

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Por Amcham Brasil
Atualização:

 

De acordo com a Lei 8.213, de 1991, empresas com cem ou mais colaboradores são obrigadas a preencher de 2% a 5% de seus cargos com pessoas com deficiência (PCDs) ou beneficiários reabilitados. A Lei, que completou 25 anos em 2016, trouxe grandes conquistas para essa parcela da população: de acordo com o Ministério do Trabalho, nos últimos cinco anos, houve um aumento de 20% na participação desses profissionais no mercado. Segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, há cerca de 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência - quase 24% da população. Entretanto, na última Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), realizada em 2014 pelo Ministério do Trabalho, apenas 381 mil vínculos empregatícios são declarados como PCDs - o que representa 0,77% do total de empregos formais no Brasil.

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Quando se pensa em contratação de PCDs, há questões que envolvem acessibilidade e inclusão que, muitas vezes, são pouco discutidas dentro da organização. Carolina Ignarra, fundadora da Talento Incluir - consultoria que auxilia a estruturação de programas de inclusão de PCDs no mercado de trabalho - identificou que diversas empresas contratavam meramente para cumprir a legislação, problema que só se deu conta após sofrer um acidente de moto e ficar cadeirante. Na época, ela dava aulas de educação física nas empresas. "Quando voltei a trabalhar, percebi que eles queriam contratar qualquer um por conta da Lei de Cotas. Eu recebia convites para trabalhar com coisas que não combinavam com meu perfil ou com a minha profissão e entendi que era por causa da Lei. Percebi que a minha história podia ajudar as empresas a contratarem de forma responsável", conta.

Desde então, o trabalho da consultoria é focar na legislação como "uma consequência, e não objetivo". O desenvolvimento de cultura nas organizações envolve todos: recursos humanos, executivos, gestores e PCDs, a fim de trazer a naturalidade para a convivência. A cada ano, a Talento Incluir ajuda em mais contratações - apenas no ano passado, foram aproximadamente 500 pessoas com deficiência que entraram no mercado de trabalho com a ajuda da equipe.

Tornar a empresa acessível a todos é apenas uma etapa do processo: e, mais que isso, é uma obrigação. Segundo a vice-coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, a procuradora do Ministério Público do Trabalho Sofia Vilela de Moraes e Silva, "pela Lei Brasileira de Inclusão, não adequar o ambiente de trabalho [para pessoas com deficiência] é caracterizado como uma forma de discriminação".

Diversas organizações já oferecem serviços de adequação do ambiente de trabalho às PCDs. Essa atitude, inclusive, deve ser tratada como um investimento, uma vez que a produtividade do funcionário só poderá ser garantida se ele tiver as condições necessárias para desenvolver as suas funções com autonomia. Alberto Pereira, assessor de inclusão da Laramara, Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, diz que uma das maiores dificuldades dos empregadores hoje ainda é reconhecer a capacidade e o potencial das PCDs. "Têm muitas pessoas com ótima formação acadêmica, potencial de desenvolvimento e lideranças. No entanto, elas ainda são contratadas pelas cotas e em cargos aquém da sua capacidade", ressalta.

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Pereira, que perdeu completamente a visão aos 12 anos de idade, também indica que os investimentos em tecnologias assistivas são muito menores do que há cinco ou dez anos. No caso da deficiência visual, softwares gratuitos já estão disponíveis para download nos sistemas Android e IOS. "Existem recursos que verbalizam aquilo que está na tela da pessoa. Isso possibilita a navegação na internet, responder e-mails, elaborar textos e planilhas", comenta. O maior desafio para a inclusão está na mudança de cultura e no reconhecimento de que a pessoa com deficiência é uma profissional como outra qualquer. "A partir do momento que ela tem as ferramentas em mãos, ela precisa desenvolver as suas funções profissionais como outra pessoa".

 

Importância da capacitaçãoA falta de acesso à saúde e à educação prejudicam a população, mas atingem de forma mais expressiva a população com deficiência. Apesar de uma parcela das PCDs apresentar boa formação, em geral, elas ainda têm menos escolaridade e acabam não atendendo às exigências do mercado de trabalho. "A pessoa com deficiência não é doente, mas se um surdo tem acesso a uma boa fono, ele pode oralizar. Se uma pessoa tem uma boa cadeira de rodas, ela tem independência. Nosso processo de reabilitação é muito falho. Além disso, tem a questão da escolaridade, que não é só falta de acesso para chegar à escola, é a falta de acesso na escola - do pouco preparo dos professores ou material didático que não está preparado para cegos e surdos", aponta Carolina Ignarra. Para Sofia Vilela, investir em capacitação e profissionalização, nesses casos, é a solução. "As empresas precisam também ter essa responsabilidade. Se o problema é qualificação, vamos promover um curso de qualificação e profissionalização para essas pessoas", indica.

No Citibank, o treinamento e a capacitação são partes importantes do Projeto Somar, programa de inclusão de pessoas com deficiência intelectual. A iniciativa, que agora completará dez anos, foi responsável pela contratação de 54 pessoas, representando 20% do total de PCDs dentro da organização. "Na época, foi uma inovação no mercado de trabalho contratar pessoas com deficiência intelectual. Quisemos inovar no nosso segmento e no mercado", explica Julia Fernandes, vice-presidente de Recursos Humanos do Citi Brasil. A iniciativa do banco foi premiada pelo Prêmio Eco em 2015.

A inserção desses profissionais acontece em quatro etapas. Há a identificação e capacitação de gestores para trabalhar com essas pessoas e a seleção, que requer um mínimo de autonomia por parte dos candidatos - como conseguir pegar ônibus ou fazer uma refeição sozinho, por exemplo. A etapa mais importante é a capacitação e treinamento dos contratados, a fim de que se desenvolvam dentro do banco. Fernandes conta que "muitos deles, por exemplo, entraram sem saber mexer em um computador" - dentro do treinamento, isso é ensinado. Por último, além do gestor direto, os profissionais são designados a um tutor, que acompanha e é um mentor daquele colaborador.

Os benefícios do programa, segundo a VP, são um ambiente de trabalho mais favorável e maior engajamento da equipe. "É interessante ver como esses programas melhoram o ambiente de trabalho. O turnover diminui nessas áreas", compartilha. Nesse ano, o Citi pretende ampliar o projeto Somar dentro do programa Menor Aprendiz e também aumentar o número de funcionários autistas no quadro.

 

 Plano de carreiraSegundo pesquisa da Talento Incluir, em parceria com o Vagas.com com mais de quatro mil respondentes, uma das maiores dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência no mercado é a falta de um plano de carreira. Na IBM, essa questão é tratada com seriedade. A inclusão de PCDs é trabalhada há anos, começou em 1914, muito antes da criação da Lei de Cotas. Eliane Ranieri, gerente de recursos humanos da empresa, é um exemplo disso. Ela ingressou na companhia global na década de 80, quando as oportunidades no mercado de trabalho eram bem reduzidas. "Eu fui contratada em uma época em que o mercado se quer falava em inclusão de pessoas com deficiência e não havia nenhuma preocupação de acessibilidade nas empresas. Tanto é que eu participei de várias entrevistas e encontrei grandes dificuldades", conta.

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Cadeirante desde criança, ela achou na IBM o que não viu em nenhuma outra organização: "tive condições de acessar a empresa com a minha deficiência". As adaptações e o reconhecimento das necessidades de um PCD são trabalhados de forma integrada na organização, desde o processo seletivo, passando pelo treinamento dos gestores até a infraestrutura e as tecnologias assistivas. Entender o que a pessoa precisa é o passo essencial da garantia de sua produtividade. Tudo isso é feito com forte auxílio do departamento de saúde ocupacional, que faz o acompanhamento do funcionário, indicando as suas necessidade para desenvolver autonomamente as suas funções.

Sobre planos de carreira, Ranieri explica que as oportunidades existem para todos os funcionários, PCDs ou não. Avaliar o desempenho em separado da deficiência é o principal fator para estruturar o projeto de crescimento, porque o que a pessoa pode produzir não necessariamente está de fato relacionado com a deficiência. "Eu sou uma prova disso. Ao longo de 32 anos eu tive diversos cargos dentro da empresa. Hoje eu tenho uma função na América Latina", conta sobre sua própria experiência de crescimento.

O único cuidado é garantir que a pessoa desempenhará o novo cargo de forma plena.  "Quando o gestor for propiciar a para esse funcionário outro desafio, ele faz contato com a estrutura de inclusão para que a gente possa trabalhar em conjunto. Olhamos se essa nova função vai exigir deslocamento, adaptações ou algum outro tipo de ajuda".

 

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Ferramentas gratuitas e que podem ajudar no aumento da acessibilidade

Hand Talk Ferramenta que faz tradução automática de texto e voz para Libras (Língua Brasileira de Sinais)

CPqD AlcanceFerramenta de narração automática que facilita o uso de smartphones por pessoas com deficiência visual.

Guia de RodasFerramenta colaborativa para avaliar e consultar a acessibilidade de diversos tipos de estabelecimentos e lugares para pessoas com dificuldades de locomoção.

Que-fala!Ferramenta que funciona como instrumento de comunicação para pessoas com dificuldades de fala

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Cartilha de DiversidadeA Amcham, em colaboração com Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação, lançou a "Cartilha de Diversidade", voltada para pequenas e médias empresas interessadas em adotar a temática em sua gestão. Ela ensina com passos simples o que é a diversidade, como promover, ações afirmativas, cotas, além de esclarecer dúvidas bastante comuns sobre o assunto.

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