Entrada de pequenas e médias empresas deve dobrar mercado livre de energia

Com mudança de regra, 164 mil companhias estão na mira do setor para migrarem para o mercado livre

Por Wilian Miron (Broadcast)
Atualização:

O mercado livre de energia, aquele que permite ao consumidor escolher quem vai produzir sua eletricidade, vive um momento de ebulição, com investimentos vultosos, abertura de empresas e uma corrida por novos clientes. De um lado estão empresas, sejam elas geradoras ou comercializadoras, em busca de usuários para vender a energia. Do outro, estão consumidores que até então eram excluídos desse ambiente competitivo, mas que agora poderão usufruir dos benefícios do mercado.

O movimento foi impulsionado por uma mudança na legislação, que tem potencial de dobrar o mercado até o próximo ano (em termos de consumidores). Em setembro de 2022, o Ministério de Minas e Energia publicou uma portaria (50/2022) que elimina os limites mínimos para que consumidores de alta tensão, com conta de acima de R$ 10 mil mensais, entrem para o mercado livre a partir de janeiro de 2024. Até então somente poderiam participar desse mercado consumidores com demanda superior a 500 quilowatts (kW).

Origem

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O mercado livre de energia surgiu em 1995, mas as primeiras operações de comercialização só começaram efetivamente em 1998, limitados a grandes consumidores com demanda elevada, acima 10 mil kWh. Em todo esse tempo, foram vários os entraves no meio do caminho. No início, o mercado enfrentou uma enxurrada de ações judiciais sobretudo por causa da elevada inadimplência entre as empresas, o que culminou na criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsável pelo registro e contabilização dos contratos de compra e venda.

A liberação do mercado para todos os consumidores de alta e média tensão é um passo importante para o setor. A partir deste mês, 164 mil empresas que consomem energia nessas tensões poderão ingressar no mercado. Deste total, aproximadamente 14,6 mil já pediram a quitação do contrato com a distribuidora e devem fazer a migração ainda neste ano.

Mercado livre permite concorrência e menores preços para a energia elétrica Foto: DANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO

A Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel) tem uma expectativa ainda mais positiva, de cerca de 20 mil novas unidades em 2024 (mas há previsões que apontam para 60 mil). Hoje, mais de 38 mil unidades consumidoras, a maioria formada por grandes indústrias, já compram energia de comercializadoras. Isso representa apenas 0,04% de todas as unidades consumidoras do Brasil. Em termos de consumo, no entanto, o mercado livre tem quase 40% de participação.

“É um cenário bastante animador”, diz o vice-presidente de Estratégia e Comunicação da Abraceel, Bernardo Sicsú. Com a possibilidade de que mais empresas possam aderir ao mercado livre, a entidade acredita que será possível triplicar a quantidade de consumidores nos próximos anos – em 2023, o mercado livre cresceu cerca de 20% em número de unidades. A expectativa é que a maior parte dos consumidores elegíveis façam a migração nos próximos três anos.

As vantagens desse mercado estão na liberdade de escolher o fornecedor de energia e negociar livremente os preços e as quantidades por um determinado período, o que dá mais previsibilidade nos custos. Em tempos de descarbonização, o consumidor também pode optar pelo tipo de energia que será usada, se solar, eólica ou hídrica. Por outro lado, pode haver volatilidade de preços em momentos de maior estresse de geração ou alta demanda. Mas, nesse caso, especialistas afirmam que é possível se precaver e criar estratégicas para diminuir os riscos.

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Vantagem

Os preços no mercado livre podem ser até 35% menor que o do mercado cativo, das distribuidoras. Sicsú explica que isso basicamente ocorre porque no mercado livre o consumidor não arca com custos de subsídios e outras contas que têm inflado as tarifas reguladas.

O diretor da Thymos, Alexandre Viana, pontua que este novo cenário adicionará mais competição ao mercado de energia, que passará de monopólios regionais para uma disputa livre pelo consumidor. “Certamente o preço é o primeiro chamariz, com cada comercializadora oferecendo descontos em relação à tarifa do cativo”, comentou.

Dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apontam para a existência de 100 comercializadoras varejistas (que vão atender esses consumidores menores) em condições de atuar no mercado e outras 52 em fase de habilitação, o que comprova que a disputa pelo cliente no setor elétrico começa a entrar em um novo patamar.

Cuidados

Vale destacar que há um projeto de lei no Congresso que trata da modernização do setor elétrico e que prevê abertura total do mercado livre para todos os consumidores, sejam pequenos comércios ou residenciais, que ainda não podem entrar para o mercado. O diretor-presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, defende que essa próxima onda de liberalização seja acompanhada de alterações na regulação.

Ele destacou que as empresas de distribuição estão preparadas para esse momento, mas pontuou que o principal temor delas é em relação aos custos e ineficiências que ficam para trás a cada vez que um consumidor vai para o mercado livre ou para a geração distribuída (GD). O mercado de fato foi aberto de uma maneira não prevista, de se usar uma modalidade que era prevista para compartilhamento como uma comercialização de energia, e tudo isso com impacto significativo para a conta dos consumidores, disse.

Glossário

Mercado livre

Também é chamado de Ambiente de Contratação livre (ACL). Permite que o consumidor escolha o fornecedor e negocie preços, quantidades e tipo de energia.

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Comercializadora

Empresa criada para intermediar e desenvolver operações de compra e venda de energia com geradores, consumidores e outros comercializadores.

Comercializadora varejista

É a empresa que fará a intermediação das operações de compra e venda de energia para os consumidores menores, que começam a entrar no mercado livre a partir deste ano. Ela também pode auxiliar o consumidor no pedido de migração junto à distribuidora.

Mercado cativo

É o mercado de consumidores atendidos pelas distribuidoras de energia elétrica. Nesse mercado, o preço da energia é formado pela tarifa regulada. A energia é fornecida por geradores e comprada pelos distribuidores por meio de leilões centralizados, os quais são realizados pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela ANEEL.

Consumidor do Grupo A

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São unidades consumidoras ligadas a redes com tensão igual ou superior a 2,3 kV.

Abertura total do mercado

Nesse caso, todos os consumidores, sejam grandes ou pequenos, incluindo os residenciais, podem escolher e negociar sua energia com os fornecedores.

Geração distribuída

É um modelo de geração elétrica que prevê instalação de pequenos geradores, como painéis solares nos telhados, em locais próximos à unidade consumidora.

Tarifa regulada

É a tarifa definida pela Aneel para as distribuidoras com base nos leilões de compra de energia elétrica. Também embute várias subsídios e contas do setor elétrico.

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