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‘Hoje Brasil é mais pano de fundo do que foco dos investidores’, diz presidente da BlackRock no País

Presidente do braço brasileiro da maior gestora de ativos do mundo diz que País não tem hoje uma narrativa tão favorável aos investidores estrangeiros como outros concorrentes, sobretudo pelos problemas fiscais

Por André Marinho
Atualização:
Foto: Divulgação
Entrevista comKarina SaadePresidente da BlackRock no Brasil

Em meio ao ruído causado pelo afrouxamento da meta fiscal para os próximos anos, o Brasil perde espaço no cenário de investimento global na comparação com pares emergentes como México e Índia. “Ciclicamente, o Brasil não tem uma narrativa muito diferenciada neste momento”, afirma a presidente da BlackRock no País, Karina Saade, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

A maior gestora de ativos do mundo espera que o Federal Reserve (Fed) corte juros “no máximo” duas vezes neste ano, em meio aos sinais de inflação persistente nos Estados Unidos. Para Karina, o cenário favorece o fluxo de capitais para a maior economia do planeta, o que terá consequências para o mundo. Confira os principais trechos da entrevista:

Nos últimos dias, houve uma reprecificação dos mercados em relação aos planos do Fed. Como a BlackRock enxerga esse movimento?

Nossa expectativa este ano é de no máximo dois cortes na taxa de juros nos Estados Unidos, iniciando provavelmente depois de setembro. O Federal Reserve (Fed) vai cortar juros, mas não o tanto quanto inicialmente esperado. Vai cortar porque juros altos são análogos a uma tributação regressiva para o segmento de baixa renda. Nesse segmento, temos observado uma taxa de inadimplência muito alta. Então, é preciso dar um alívio a esse consumidor de baixa renda. No entanto, a inflação nos Estados Unidos tem sido mais persistente do que o esperado e a nossa visão é de que isso deve continuar. Porque o que está persistindo é a inflação de serviços. A economia americana é menos uma economia de bens de consumo e mais uma economia de serviços, cujos preços não são sensíveis à política monetária. Essa é uma inflação mais difícil para o banco central reverter.Então ela vai persistir por mais tempo e dificultar muito o ritmo de cortes para o Federal Reserve.

Qual é o impacto disso para o cenário global de investimentos?

As consequências para os mercados emergentes são negativas, porque você tem uma economia mais forte nos EUA e juros mais elevados do que foram historicamente. Há ainda a necessidade de financiamento futuro pelo Tesouro americano muito elevada. Isso vai sugar dólares de volta para os EUA. Veremos um fluxo de capital indo mais para os EUA.

Brasil pode sofrer para atrair investimentos nos próximos anos Foto: WILTON JUNIOR/ ESTADÃO

Como o Brasil se posiciona nesse contexto?

Estruturalmente, o Brasil tem uma série de tendências positivas: tendências demográficas, um posicionamento favorável em relação à transição energética, um país muito rico em recursos naturais. Ciclicamente, o Brasil não tem uma narrativa muito diferenciada neste momento. Os juros seguem elevados, mas, fora isso, países como México e Índia têm narrativas de curto prazo mais claras. No curto prazo, o Brasil não está tão favorecido versus EUA ou outros emergentes como Índia e México.

O fiscal atrapalha?

Reaver metas fiscais não ajuda muito neste momento. Ainda que a meta esteja mais perto da realidade, reajustar sinaliza menor comprometimento. Então, vemos um momento em que o Brasil passa a ser mais pano de fundo e menos foco de investidores estrangeiros do que alguns outros mercados emergentes ou até desenvolvidos, como o Japão.

Mas o temor do mercado está mais relacionado à sinalização ou a trajetória da dívida em si?

Eu acho que é mais uma sinalização do que a trajetória. Tendo dito isso, acho que o estrangeiro é menos focado nessa questão fiscal do que o local. O que falta mesmo para o estrangeiro é essa história diferenciada.

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Como os recentes eventos geopolíticos envolvendo Irã e Israel dialoga com esse momento?

Vemos três cenários possíveis de curto prazo. O primeiro cenário é o de Israel não responder, que consideramos pouco provável. O segundo é o de Israel retaliar, mas a escalada do conflito ficar contida na região, que vemos como mais provável. O terceiro cenário é o de Israel acabar arrastando os EUA para o conflito, que também vemos como pouco provável. Pensando nesse segundo cenário, vemos algumas consequências: poderia desencadear um choque de energia, o que obviamente tem consequência para os mercados globais. Isso já está se refletindo no preço de petróleo. E quando há preço de petróleo mais alto, isso é inflacionário. A inflação certamente fica mais volátil e mais vulnerável a choques. Isso pode acabar reduzindo o ritmo de cortes no Banco Central Europeu - muito menos provável nos EUA, que é mais autossuficiente no ponto de energia.

A BlackRock tem reforçado um foco na renda fixa europeia. Por quê?

Dentro da renda fixa, gostamos mais do mercado de crédito, em vez do de dívida soberana, porque temos uma perspectiva de que as empresas tenham uma melhora nos resultados, estão com balanços saudáveis. Não vemos um evento de crédito no futuro próximo, porque muitas empresas refinanciaram a dívida em um momento em que os juros estavam mais baixos. O mercado dos EUA é um bom mercado, mas os preços corporativos já refletem isso. Nossa preferência por dívida europeia corporativa é mais de uma questão de precificação.

Outro destaque na tese de investimentos da BlackRock é o Japão. O incipiente aperto monetário no país muda alguma coisa?

Continuamos bem construtivos em relação ao Japão, em particular em relação a ações japonesas. Apesar do aumento, os juros no Japão vão permanecer razoavelmente baixos. Estamos vendo um ressurgimento da inflação, que vemos como positivo porque demonstra crescimento. No ano passado, os ganhos salariais no Japão ficaram em cerca de 5,3%, o mais alto dos últimos 30 anos. Isso é positivo porque vai beneficiar o consumo e denota uma expectativa favorável ao crescimento japonês. Além disso, temos visto o que chamamos de revolução silenciosa no câmbio corporativo do Japão, uma série de reformas muito significativa do ponto de vista da governança que beneficiaram os acionistas e as empresas. O terceiro ponto tem a ver com fluxos que entram no Japão particularmente de investidores estrangeiros. Em 2023, o Japão teve entrada de US$ 17 bilhões.

Quais os principais riscos e oportunidades para os mercados neste ano?

Estamos vivendo os dois maiores riscos. Primeiro, a política monetária do Fed. Ninguém sabe exatamente o que o Fed vai fazer e esse é um risco significativo para todos os mercados. O segundo risco é geopolítico. Estados Unidos e China, por exemplo, estão em um momento tenso, o que pode causar incertezas para os mercados. Sobre as oportunidades, gostamos muito do crédito privado. A tese principal é a de que os bancos estão recuando da extensão de crédito e ai os mercados de capitais estão ocupando esse espaço. Para o mercado de ações, a expectativa é de que continue subindo nos EUA. É uma questão de oferta e demanda: há pouca oferta de IPO, mas as companhias estão fazendo muita recompra, então há muita demanda. Mas gostamos de alguns setores específicos, como o de saúde. Com o envelhecimento da população, as pessoas vão demandar cada vez mais esses serviços. Então, é um setor estruturalmente muito atraente. E também há os setores que serão beneficiados pelas inovações com inteligência artificial.

Eleições nos EUA representam um risco?

Obviamente, tem um pouco de incerteza até o resultado final, mas uma vez que o resultado é definido, é mais uma questão da política de cada um dos candidatos e de como elas afetam os setores da economia. É muito mais uma questão de dispersão entre setores porque eles têm políticas muito diferentes.

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