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Europa vê irregularidade em biodiesel exportado pelo Brasil

Produtores acusam biodiesel brasileiro de passar por sistema de triangulação comercial nos portos dos EUA antes de ser embarcado ao mercado europeu

Por Agencia Estado
Atualização:

A Europa acusa as exportações de biodiesel do Brasil de irregularidades para entrar no mercado europeu. A acusação foi feita na terça-feira, 20, pelos produtores de biodiesel da Europa que, em carta enviada às autoridades da União Européia (UE), alertam que o produto brasileiro está se servindo de um esquema de triangulação comercial nos portos dos Estados Unidos antes de ser embarcado ao mercado europeu. Isso significa que o biodiesel brasileiro entra nos Estados Unidos e, ao deixar o país para ser encaminhado à Europa, ele é embarcado como produto americano. Isso faz com que receba os subsídios dos EUA e entre na Europa com um preço que os produtores europeus não podem oferecer. A queixa faz parte de um amplo ataque dos europeus contra o sistema de subsídios nos Estados Unidos e às práticas consideradas como injustas pelos europeus, inclusive pelo governo da Argentina. "O biodiesel está se tornando uma realidade e quantidades cada vez maiores estão sendo comercializadas no mercado mundial. Mas infelizmente a primeira onda dessa comercialização está sendo dominada por práticas injustas", afirma a carta obtida pela Agência Estado. Os produtores pedem ações de Bruxelas contra a prática e o estabelecimento de uma sobretaxa para impedir o aumento da importação. Representantes do setor na Europa revelaram à AE que não descartam pedir que um caso contra os Estados Unidos seja levado aos tribunais da Organização Mundial do Comércio (OMC) se nada for feito para solucionar o problema. A queixa está sendo liderada pela European Biodiesel Board (EBB), que representa 80% dos produtores do continente e que se dizem afetados pelas práticas dos principais concorrentes internacionais. A entidade pede, portanto, que Bruxelas estabeleça uma sobretaxa na importação dos produtos americanos para conseguir lutar tanto contra os efeitos dos subsídios, mas também contra a triangulação do produto vindo do Brasil. Distorção Segundo os europeus, o que ocorre é que os subsídios americanos estão distorcendo o mercado e permitindo que o biodiesel que sai dos portos dos Estados Unidos cheguem à Europa com preços que os produtos da UE não podem oferecer. "Hoje, as tarifas são de apenas 6,5%. Queremos uma revisão dessa taxa diante dos subsídios existentes em outros países e que distorcem os mercados e nossa capacidade de competir", afirmou uma representante do poderoso grupo de lobistas. "Vamos estudar o pedido do setor", confirmou o porta-voz do departamento agrícola da Comissão Européia, Michael Mann. "Defendemos sempre a correção de distorções no mercado e reforma do sistema de subsídios", disse Mann. A queixa está baseada no fato de que a lei norte-americana permite que os produtores dos Estados Unidos recebam US$ 1,00 por galão de biodiesel para exportar se o fabricante misturá-lo com diesel mineral. O problema, segundo Bruxelas, é que a lei exige que apenas 1% de diesel mineral seja incluído para que o subsídio seja dado. Para completar, o biodiesel dito americano ainda conta com incentivos ao chegar ao mercado europeu e pode até mesmo receber subsídios para ser vendido. Caso o produto que chegue aos portos europeus cumpra as exigências de mistura com o diesel mineral, os europeus permitem que os importadores vendam o produto com um desconto de até 150 euros por tonelada em comparação ao produto fabricado na UE. "Uma gota de diesel mineral" Um dos resultados, de acordo com os lobistas europeus, tem sido a exportação de biodiesel do Brasil para portos americanos, onde ganham "uma gota" do diesel mineral e, assim, podem receber os incentivos para exportar para a Europa e derrotar a concorrência dos produtores locais. A EBB, porém, afirma que não está ainda em condições de dizer se são empresas brasileiras ou americanas as responsáveis por essa triangulação. Os europeus ainda afirmam que o fenômeno está ocorrendo em um volume ainda maior entre a Malásia e Estados Unidos. O biodiesel brasileiro não precisaria pagar imposto se fosse exportado diretamente à Europa. Mas, ao passar pelos Estados Unidos, passa a se beneficiar dos incentivos da lei americana. Apenas no mês de janeiro, os Estados Unidos teriam exportado 30 mil toneladas de biodiesel para o mercado europeu, sendo que parte poderia ter origem no Brasil ou Malásia. Se esse ritmo continuar, mais de 500 mil toneladas entrarão na UE em 2007. "O sistema representa certamente um mecanismo injusto de comércio que precisa ser urgentemente modificado e eliminado", afirmou o EBB. "Essa concorrência atinge as margens (de lucro) dos produtores de biodiesel, gerando a falência de muitos empresários", alertam os europeus em sua carta. Parte da solução, portanto, envolveria o aumento das tarifas para anular os efeitos dos subsídios nos Estados Unidos. "Estamos enfrentando esse problema há um ano e tentando chegar a uma solução negociada. Mas estamos vendo que não será possível", afirmou a EBB. Os subsídios criariam um mercado de biocombustíveis "injusto" e, na avaliação dos europeus, "violam as regras da OMC" (Organização Mundial do Comércio). Por isso, a solução proposta pelos produtores seria a criação de uma sobretaxa para reequilibrar o mercado. Mas as queixas européias não se limitam aos Estados Unidos e a triangulação brasileira. Na mesma carta, Bruxelas acusa a Argentina de também estar dando incentivos ilegais e "distorcer o mercado mundial". Segundo a Europa, a Argentina estabelece uma tarifa de 27,5% para exportar soja, mas apenas 5% ou é mesmo isento da taxa se o produtor optar por vender biodiesel. Na avaliação dos produtores e Bruxelas, portanto, o mecanismo seria um incentivo de até 24% para que as empresas argentinas exportem o combustível. "Isso precisa ser questionado de forma urgente", afirma a carta. Para tratar do problema, os europeus sugerem à Comissão Européia que leve o assunto às negociações da Rodada Doha da OMC. Corte de tarifas As queixas ainda vêm em um momento que o comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson, afirma que seria favorável a uma redução de tarifas para "combustíveis verdes". A Europa estabeleceu metas para transformar parte de sua frota em etanol e biodiesel. Mas as autoridades alertam que não terão sequer terra suficiente na Europa para produzir o que a meta exige e que, portanto, terão de importar. Se Mandelson afirma ser favorável ao corte de tarifas para poder importar, os responsáveis agrícolas da UE afirmam que ainda é cedo para pensar em um corte das medidas protecionistas. A idéia é de que a tarifa seja mantida ainda por alguns anos para permitir o crescimento dos produtores locais. No Brasil, a pressão do Itamaraty é para que países reduzam suas tarifas para permitir a maior comercialização dos combustíveis. Mas segundo os europeus, se isso ocorrer agora, a UE estará importando biodiesel subsidiado dos Estados Unidos e de outros países, o que prejudicará sua competitividade e ainda impedirá o fortalecimento dos produtores da região. Para analistas na Europa, a queixa pode ser um sinal de uma verdadeira guerra comercial que se instalará nos próximos anos diante da perspectiva de que os biocombustíveis se tornem um dos pilares das políticas energéticas de vários países.

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