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Jornalista e colunista do Broadcast

Opinião|Incerteza fiscal aumenta com as tentativas de criar subterfúgios para contornar o teto de gastos

Sem um arcabouço fiscal crível, a projeção da trajetória da dívida pública nos próximos anos poderá se tornar um mero exercício de adivinhação

Foto do author Fábio Alves
Atualização:

A mais recente investida do governo Jair Bolsonaro contra o teto de gastos aumentou a percepção de que a principal âncora fiscal do País não deverá sobreviver com suas regras originais intactas por muito tempo e que, sem um arcabouço fiscal crível, a projeção do mercado da trajetória da dívida pública nos próximos anos poderá se tornar um mero exercício de adivinhação.

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Para lidar com um pagamento estimado no ano que vem em cerca de R$ 90 bilhões de precatórios – dívidas da União com empresas, servidores e beneficiários da Previdência julgadas e reconhecidas pela Justiça –, o governo encaminhou ao Congresso uma PEC para parcelar esse pagamento. Para as dívidas acima de R$ 66 milhões, esse parcelamento seria de dez anos.

De partida, há um risco razoável de a PEC dos precatórios sofrer provavelmente contestação judicial, em razão de uma possível inconstitucionalidade da decisão unilateral de parcelar o pagamento de uma dívida já estabelecida legalmente. Mas essa não é a única incerteza para os investidores.

Teto de gastos, aprovado pelo Congresso em 2016, permitiu conter um aumento explosivo da despesa corrente nos últimos anos Foto: Daniel Teixeira/ Estadão

Isso porque a PEC também cria um fundo com recursos de venda de imóveis, dividendos de empresas estatais, alienação de participação societária, concessões e partilha de petróleo, para, entre outros usos, antecipar o pagamento dos precatórios parcelados. As despesas desse fundo ficariam fora do teto de gastos.

O parcelamento dos precatórios estimados para 2022 permitiria criar espaço no limite estabelecido pelo teto para a ampliação do valor do benefício e do número de participantes do programa Bolsa Família, agora rebatizado de Auxílio Brasil.

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Do ponto de vista formal, o teto fica preservado com a PEC. Havia até a proposta de retirar do teto as despesas com precatórios, o que, certamente, decretaria o seu fim. Essa seria a decisão mais radical, do ponto de vista do mercado. Mas o parcelamento do pagamento dessas dívidas e a criação do fundo com despesas fora da regra fiscal foram vistos como um artifício de contabilidade criativa. Outro risco é o governo não parar nos pagamentos de precatórios e tentar retirar do teto de gastos outros desembolsos, como os investimentos em obras públicas, algo de grande interesse de parlamentares buscando a reeleição.

Com o aumento de espaço e de poder do Centrão e o enfraquecimento gradual do ministro da Economia, Paulo Guedes, a forma como o governo decidiu resolver o problema com o aumento no valor dos precatórios e a demanda política para reverter a queda de aprovação de Bolsonaro através de programas sociais, soou um alarme no mercado.

“O que incomoda os investidores é a incapacidade de antecipar a trajetória fiscal do Brasil”, diz o sócio e economista-chefe da BlueLine Asset, Fábio Akira. “Se subterfúgios são criados para contornar o teto, a incerteza em relação ao cenário fiscal aumenta.”

Segundo ele, as regras originais do teto de gastos permitem que, até 2026, os investidores possam calcular com alguma precisão a trajetória da dívida pública e, com isso, antecipar o risco maior ou menor de um possível calote pelo governo brasileiro, ajustando o preço dos títulos públicos e de outros ativos.

De fato, o pagamento integral dos precatórios acabaria com a folga fiscal em 2022, estimada em cerca de R$ 30 bilhões, graças à inflação mais alta que reajusta os limites do teto no ano que vem. Não seria possível o governo acomodar nesses limites um valor de R$ 90 bilhões em precatórios e também uma reformulação do Bolsa Família suficiente para render frutos eleitorais.

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Talvez tenha chegado a hora de um debate público para o aperfeiçoamento do teto de gastos, que, na visão dos dois extremos do espectro político, engessa demasiadamente as despesas do governo em momentos de crise social e econômica. Mas a PEC dos precatórios não dá espaço para isso e foi interpretada como uma manobra apenas para turbinar o apoio ao presidente Bolsonaro na eleição presidencial de 2022.

O teto de gastos, aprovado pelo Congresso em 2016, permitiu conter um aumento explosivo da despesa corrente nos últimos anos. Se já não serve mais, é preciso encontrar um novo arcabouço fiscal para o seu lugar sob pena de a perda de confiança em relação ao Brasil resultar em disparada da inflação e dos juros. Mas dificilmente uma discussão equilibrada sobre o tema acontecerá em meio à corrida para a eleição presidencial.

*COLUNISTA DO BROADCAST

Opinião por Fábio Alves

Colunista do Broadcast

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