A reprecificação em curso do ciclo de redução de juros nos Estados Unidos, com uma visão mais cautelosa corrigindo o excesso de otimismo que provocou um miniboom nos mercados em novembro e dezembro, naturalmente repercute no Brasil.
Segundo participantes do mercado ouvidos pela coluna, é de fato o que vem de fora que está mexendo nos ativos aqui dentro, mas com algumas nuances.
Fernando Rocha, sócio e economista-chefe da gestora JGP, vê a correção no Brasil como um pouco mais forte que a americana, mas não crê que isso reflita fatos novos sobre a conjuntura doméstica. Ele enxerga, na verdade, um movimento técnico, pelo fato de a grande maioria do mercado ter se posicionado de forma similar, apostando na melhora dos ativos brasileiros em termos de bolsa, câmbio e títulos durante a onda de otimismo de final de ano. Assim, para sair, a porta fica mais estreita.
Porém, para o analista, a história no Brasil não mudou, e tem elementos positivos, como a desinflação e o ciclo de corte de juros em curso. Rocha considera que a piora dos ativos pode ser mais uma oportunidade de compra do que um sinal para sair de vez. Não que esteja superotimista, porque as preocupações com a política fiscal e desvios do governo na direção de heterodoxia e intervencionismo permanecem no ar. Mas a conjuntura cíclica continua favorável, embora sem grandes prêmios nos ativos a serem explorados.
"Daqui para a frente, depende muito lá de fora: se houver percepção de que o início de cortes (nos EUA) vai ser ainda mais adiado, os ativos aqui podem sofrer um pouco mais, e vice-versa", diz o gestor.
Outro profissional do mercado ouvido pela coluna acrescenta o fator China à conjuntura de piora do quadro internacional, no caso brasileiro. As preocupações com a falta de tração da economia chinesa voltaram à baila neste início de ano.
O supersaldo comercial brasileiro de quase US$ 100 bilhões em 2023 ajudou a neutralizar, pela fortaleza do setor externo, a deterioração do resultado fiscal. A economia manteve-se sólida e estável. Mas o megassuperávit do ano passado é uma história em grande parte agropecuária e chinesa. No primeiro item, sabe-se que 2024 não vai repetir o desempenho espetacular de 2023, e pode até ser pior do que o projetado pelos efeitos do El Niño. Resta a China, cuja desaceleração obviamente pode ser um problema para o Brasil. O superávit comercial do Brasil com a China saltou de US$ 28,7 bilhões para US$ 51,1 bilhões (52% do total) de 2022 para 2023.
Um último aspecto da piora do mercado brasileiro, na análise do mesmo profissional mencionado acima, é que o megassuperávit e o excesso de otimismo sobre o timing da queda de juros nos Estados no final do ano passado uniram-se para criar a expectativa, numa corrente do mercado, de que o real poderia estar embarcando num rali de apreciação. Isso, por sua vez, se de fato ocorresse, ajudaria a política monetária, poderia acelerar a queda de juros, com o movimento todo traduzindo-se em mais combustível de melhora para os ativos brasileiros.
Mas, por enquanto, talvez até pela reprecificação do alívio monetário nos Estados Unidos e as preocupações com a atividade na China, o rali do real não se materializou para além da correção havida entre outubro e o início de novembro do ano passado. A partir desse ponto, o real tem andado de lado numa faixa aproximada de R$ 4,85-4,95 por dólar.
Assim, os ativos brasileiros parecem não representar no momento grandes oportunidades ou grandes riscos de curto prazo. Por outro lado, o juro real ainda muito alto em prazos mais longos e a curva de juros positivamente inclinada durante um ciclo de redução da taxa básica indicam que ainda há uma dose razoável de desconfiança em relação à política fiscal. E isso é agravado pelos sinais crescentes de intervencionismo e estatismo na política econômica, do qual a retomada com discurso triunfalista das obras na refinaria Abreu e Lima é um dos mais emblemáticos e recentes exemplos.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/1/2024, sexta-feira.