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Economia e políticas públicas

Opinião|O crescente imbróglio da dívida estadual

Grandes devedores tentam cada vez mais não pagar e tema está judicializado, com viés contra a União. Especialista Fabio Giambiagi sugere alongar prazos.

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A situação da dívida estadual tem se tornado mais problemática, na visão do economista Fabio Giambiagi, especialista em contas públicas.

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Ele recorda que, nos anos 90 e 2000, o problema era mais disseminado entre as unidades da Federação, mas a renegociação conduzida por Pedro Parente durante o governo Fernando Henrique Cardoso deu início a um processo pelo qual vários Estados melhoraram sua situação financeira.

Segundo Giambiagi, a situação financeira geral dos Estados piorou durante a crise de 2014-16, nas asas da leniência com o endividamento estadual no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. No governo Temer, porém, medidas foram tomadas para reenquadrar as dívidas dos Estados.

Dessa forma, a situação evoluiu para que o problema esteja hoje equacionado na grande maioria dos casos. Segundo o Relatório de operações de crédito e limite de endividamento de Estados e Municípios do Tesouro Nacional referente a abril de 2024, 22 das 27 unidades da Federação tinham a relação entre dívida corrente líquida (DCL) e receita corrente líquida (RCL) inferior a 0,5.

O problema, porém, como observa Giambiagi, são os quatro grandes devedores: São Paulo (com relação DCL/RCL de 1,28), Rio de Janeiro (1,88), Minas Gerais (1,68) e Rio Grande do Sul (1,85).

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O economista nota que, até meados de 2022, a situação caminhava de forma bastante favorável para os Estados, com forte crescimento da arrecadação do ICMS. Mas foi exatamente nessa época que Bolsonaro, mirando a eleição presidencial, tomou a iniciativa de forçar a redução do ICMS sobre combustíveis, gás, energia e transporte público. Na visão de Giambiagi, foi uma ação "destrutiva para as finanças estaduais" e que, naturalmente, afetou mais os mais endividados.

Dos quatro grandes endividados, o economista vê São Paulo "fazendo tudo direitinho há 25 anos", pagando o que é devido e reduzindo aos poucos o coeficiente DCL/RCL. Já o Rio Grande do Sul, na sua visão, estava "fazendo tudo direitinho" desde que Eduardo Leite se tornou governador, em 2019. Já no caso de Rio de Janeiro e Minas Gerais, Giambiagi considera que têm "uma gestão pífia da questão do endividamento".

O problema é que o ambiente institucional não estimula os bons devedores, à medida que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem sistematicamente tomado decisões favoráveis aos Estados que tentam reduzir ou suspender seus pagamento da dívida com a União.

Some-se a isso a tragédia climática no Rio Grande do Sul, que está levando um dos "bons devedores" a pleitear a quitação (não pagamento, sem criar atrasados ou encargos) da dívida gaúcha por pelo menos três anos.

Nesse contexto, em que Minas Gerais e Rio de Janeiro já vem fazendo demandas bem radicais em termos de suavização dos pagamentos da dívida, São Paulo, o outro "bom devedor", naturalmente não quer ficar de fora: o governador Tarcísio Freitas pleiteia reduzir o encargo do nível atual de IPCA mais 4% ao ano para IPCA mais 2% ao ano.

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A situação, portanto, está confusa e disfuncional. Há uma corrida dos Estados por alívio financeiro (e até os menos endividados têm interesse nisso), num cenário de forte judicialização do conflito, com viés favorável aos pleitos estaduais. O programa Juros por Educação, proposto recentemente pela governo federal, para que Estados gastem no Ensino Médio Técnico redução no serviço da dívida, parece, no mínimo, muito pouco para o tamanho do problema.

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Em artigo de 2020 na revista Conjuntura Econômica sobre as dívidas estaduais - que obviamente defasou-se um pouco, mas cujas propostas no geral Giambiagi ainda encampa - o economista defende que uma solução definitiva para o problema das dívidas estaduais têm que obedecer quatro condições: "a) acabar com a judicialização do tema junto ao Supremo; b) ser duradouro e sustentável no tempo; c) evitar incorrer num diferencial de juros significativo que envolva um grande prejuízo para a União; e d) permitir que a prestação caiba no orçamento dos estados".

Para Giambiagi, uma solução definitiva para o problema passa por expressivo alongamento da dívida dos Estados mais endividados, com a opção de reduzir os juros para aqueles que se dispusessem a pagar em prazos menores. O acordo envolveria os Estados se comprometerem de alguma forma crível a não mais buscar a judicialização. Uma reordenação permanente do conflituoso imbróglio financeiro entre os Estados e a União ajudaria a reduzir a incerteza fiscal que grassa em relação à economia brasileira.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras. O colunista entra de férias por uma semana e volta a escrever neste espaço em 4/6, terça-feira (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 24/5/2024, sexta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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