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ESG: Caso Americanas deve ter impacto direto na agenda de governança corporativa em 2024

Especialistas apontam que fraudes e escândalos de ESG levaram empresas a repensar suas estratégias de governança; IA também deve ser destaque

Foto do author Beatriz  Capirazi
Por Beatriz Capirazi
Atualização:

Além de 2023 ter sido o ano em que o ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança corporativa) se firmou na agenda corporativa das maiores empresas brasileiras, foi também o período que escândalos na área de governança colocaram em xeque o discurso de diversas companhias que afirmam que os preceitos desta pauta fazem efetivamente parte do negócio.

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Neste ano, o caso de fraude na Americanas tornou-se o grande emblema quando se fala de governança e transparência nas empresas, em conjunto com outras companhias que também ganharam destaque na mídia nacional por se envolver em polêmicas na área social, com denúncias de trabalho análogo à escravidão.

Diante da força que a pauta ganhou neste ano, a expectativa de especialistas ouvidos pelo Estadão é de que, em 2024, a governança corporativa, considerado o pilar menos valorizado da agenda ESG, segundo uma pesquisa do ManpowerGroup, se torne foco das empresas e ajude a balizar as principais ações das companhias na área ambiental e social.

Além de demonstrar as ações que vêm sendo desenvolvidas para fortalecer a transparência e a ética em seus processos e conselhos, outra grande tendência de 2024 na agenda de governança corporativa deve ser o uso da inteligência artificial (IA) para acelerar alguns processos que envolvem a leitura ou análise de um grande número de documentos.

Impacto dos escândalos na governança corporativa

Os especialistas destacam que embora escândalos atrelados à corrupção já tenham ocorrido historicamente, a magnitude que o caso Americanas tomou e o peso que os empresários envolvidos no caso tinham no mercado financeiro impactou os executivos de uma forma diferente, levando as principais companhias a brasileiras a enxergar a governança de uma forma diferente e como algo essencial para a sua imagem.

A diretora de gestão estratégica de pessoas do ManpowerGroup, Wilma Dal Col, explica que as empresas sempre tiveram como prioridade temas que já são de interesses da sociedade, como ambiental e social, optando por fortalecer as suas imagens nesta área publicamente.

Com a proporção que o caso da Americanas atingiu, no entanto, mostrou-se necessário que as companhias apresentem o que têm feito para promover a governança dentro de sua estrutura.

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“Qualquer processo de fraude ou problema de governança que exista dentro de uma organização reforça a necessidade de governança no setor. A cada fraude, sobe a régua da governança. Então, podemos dizer que o interesse sobre o assunto aumentou, as pessoas quiseram compreender o que é essa governança e como ela agrega valor”, afirma Valéria Café, membro da Controladoria-Geral da União (CGU) e diretora de vocalização e influência do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Valéria Café, membro da Controladoria-Geral da União (CGU) e diretora de vocalização e influência do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Foto: REGIS_FILHO

O gerente de pesquisa e conteúdo do IBGC, Luiz Martha, destaca que os casos definitivamente impulsionaram a pauta de integridade e transparência nas empresas. Para o executivo, sempre que acontecem casos como o da Americanas, existe o questionamento: a governança falhou?

“A governança falhou ou não estava efetivamente funcionando? Falhou ou não havia uma cultura ética? Será que não era uma lista de práticas que não eram colocadas em prática?”, questiona, destacando a importância da exigência de práticas e não de discursos.

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Ele lembra que nenhum sistema impedirá que uma empresa venha a ter algum problema, mas que a governança impulsiona quem está querendo praticar a coisa certa. “É muito fácil culpar as práticas, quando o problema é que, mesmo com elas existindo, tem gente que quer fazer a coisa errada.”

Para o presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem, o impacto maior dos escândalos de governança corporativa deste ano foi o fato de que muitas dessas empresas faziam parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e do Novo Mercado, que devem seguir regras mais rígidas em relação à transparência.

Presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem Foto: Divulgação/Estadão

“Estava tudo escrito na cartilha, mas não faziam. Mostrar deve continuar a ser uma tendência, porque o primeiro impacto de um escândalo é, sem dúvida, a perda de clientes, seguida da de talentos e de credibilidade”, afirma, lembrando que, além dos casos de fraude, outras empresas demonstraram ao longo de 2023 falhas na gestão e na cobrança dos conselhos - impulsionando, segundo ele, um aumento no número de recuperações judiciais.

Com a ascensão de linhas de crédito verdes, oferecidas até mesmo por bancos públicos como o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Bethlem explica que essa necessidade de demonstrar as práticas deve ser fortalecida com o medo de perder acesso a crédito.

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“Não acho que os bancos sejam um exemplo de ESG. Nenhum. A grande maioria não é um exemplo, mas eles têm o dinheiro, o poder da caneta. Então, se é bonito, eu vou exigir, e as empresas vão ter que provar que efetivamente fazem”, explica Bethlem.

Para o professor de direito comercial da USP e sócio do escritório PGLaw, da área de governança corporativa, Carlos Portugal Gouvêa, não haverá mudanças significativas em 2024, mesmo após os escândalos envolvendo o setor.

“Não acredito que vá mudar, como não mudou nos últimos anos. O mercado brasileiro é visto como de risco. A baixa qualidade de governança corporativa no Brasil já está precificada. Para haver alterações, de fato, é preciso modificar o sistema como outros países em desenvolvimento, como a índia e a Colômbia, têm feito”.

O executivo afirma que o Brasil possui um problema histórico em discutir governança corporativa e até em tentar se balizar por uma agenda internacional, considerando que, segundo ele, alguns temas não são bem aceitos para serem discutidos no País. “Fora do Brasil, o G é muito focado em anticorrupção, o que é um tema tóxico no Brasil. É algo que tem que ser retomado.”

O professor de direito comercial da USP, e sócio do escritório PGLaw, Carlos Portugal Gouvêa Foto: Fernando Pastorelli/Bocater Advogados

Outro destaque em 2024 deve ser o fortalecimento dos conselhos em si. Para 2024, Hugo Bethlem acredita que uma outra temática que ganhará destaque no País serão as regulações mais fortes, assim como um amadurecimento da pauta de igualdade de gênero nos cargos de confiança.

“É uma pauta de governança e um dever do conselho cobrar, o que ainda é um desafio. A gente tem pouco profissionalismo no processo de contratação e escolha de conselheiros, que muitas vezes vão esquecer o que aprenderam de que você não defende os interesses de quem o nomeou, mas sim da companhia. Temos visto derrapadas, e deve ser um tema de destaque para o próximo ano.”

Para o diretor executivo da consultoria Naxentia, Vincent Baron, um assunto que começou a ganhar destaque neste ano e deve se tornar ainda maior no próximo ano deve ser a implementação da governança corporativa nas empresas familiares. “Essas empresas representam a grande maioria do tecido econômico no Brasil e são as que têm mais dificuldade de governança pela complexidade de delimitar funções e cargos.”

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Baron destaca que essa pauta já vem sendo trabalhada por diversos órgãos e entidades que oferecem cursos e aperfeiçoamentos para conselhos e que, considerando o impacto econômico dessas empresas, deve ganhar ainda mais atenção em 2024.

Para Valéria Café, uma outra tendência deve ser a análise dos impactos geopolíticos, como as guerras de Israel e da Ucrânia, nas organizações. Luiz Martha destaca que o bem-estar físico e mental dos colaboradores deve estar em alta, considerando a importância disso para o cumprimento das metas das companhias, assim como a ascensão das legislações com foco nas mudanças climáticas e como elas são vistas pelos conselhos.

O executivo complementa que, em 2024, a preocupação estratégica com o ESG, sobre como a agenda deve ser implementada como parte da companhia, deve ser um destaque, “para que todas as ações sejam tratadas de forma estratégica para o resultado da sociedade, e não só como práticas para ficarem bem na foto”.

O coordenador do centro de referência em ESG da Fundação Dom Cabral (FDC), Carlos Braga, enxerga também dessa forma, apontando que a agenda não é mais vista como uma opção, mas uma urgência para as companhias, levando os conselhos das empresas a também enxergarem o tema como uma prioridade.

Governança da inteligência artificial

É unânime entre os especialistas que uma das principais pautas de destaque deste ano, a inteligência artificial, deve continuar ganhando a atenção das empresas por meio da governança dessa tecnologia.

Carlos Portugal Gouvêa aponta que é impossível esse assunto não virar uma pauta, considerando as últimas polêmicas e conflitos que surgiram ao longo de 2023. “Muitas empresas têm a definição da remuneração dos seus funcionários com análises feitas por IA, e aí vem a governança. Se a ferramenta tem um viés discriminatório, esse viés está sendo percebido, qual o controle?”

Governança da inteligência artificial deve estar entre os principais temas de discussão em 2024.  Foto: Dado Ruvic/Reuters

Para ele, é preciso se atentar a estes pontos, principalmente porque muitas empresas utilizam a inteligência artificial e não possuem um manual de governança. Gouvêa lembra que, ao cotar empresas de logística, por exemplo, as IAs buscam pelo melhor preço, mas é preciso verificar se a escolha da empresa ou ação não está ferindo alguma lei.

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“Por isso, a governança na inclusão da IA se torna essencial. O debate sobre governança corporativa no Brasil ficou muito atrasado - e agora estamos meramente tentando correr atrás.”

Hugo Betlhem é de uma opinião similar, destacando que esse é um assunto que alimenta significativamente o risco da empresa. “Sendo um risco, é assunto de governança. As empresas vão ter muitos benefícios, deixando atividades repetitivas e desnecessárias para as IAs, mas é preciso de uma curadoria e de ética.”

Ele diz que muitas empresas não informam seus clientes que determinada atividade foi feita por uma IA, o que é preciso. Para Luiz Martha, o avanço das novas tecnologias de uma maneira geral trará impacto para todas as instâncias de governança.

O vice-presidente da Diligent na América Latina, André Bodowski, tem uma opinião similar à dos especialistas, apontando que o uso da IA pelos próprios funcionários das companhias deveria ser um ponto de atenção das empresas nos próximos anos após a democratização de ferramentas com esse foco.

Vice-presidente da Diligent na América Latina, André Bodowski Foto: Divulgação/ Diligent

“Hoje você vê algumas pessoas pegando dados muitas vezes sigilosos e jogando no ChatGPT para pedir que ele faça alguma função. Pode isso? Eu não sei. É preciso que os conselhos pensem sobre isso”, diz o executivo, destacando que as pessoas só começarão a ver isso quando os problemas começarem a surgir em maior escala.

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