RIO - Uma das maiores casas de investimentos da Europa, com € 186 bilhões em ativos sob gestão, a holandesa Robeco vê com bons olhos o avanço da agenda de reformas no Brasil, parte de sua estratégia para mercados emergentes. O otimismo do lado das medidas econômicas, entretanto, esbarra na preocupação com a atuação do governo Jair Bolsonaro em campos como o ambiental, diplomático e institucional.
Para a gestora da Robeco para Brasil, Daniela da Costa-Bulthuis, o ponto central é que o atual governo precisa se comunicar melhor com a comunidade internacional. “Tem de entender que investidor institucional não investe olhando em Twitter. A visão que a Europa tem do Brasil hoje é a pior possível."
O rumo da questão ambiental está no topo da lista de pontos vistos com cautela pelos investidores estrangeiros. Líder em investimentos integrados ao desenvolvimento social, ambiental e de governança (ESG, na sigla em inglês), a gestora tem em seu site uma lista de empresas nas quais tem restrições de investimento por problemas nessas áreas. Entre elas está a brasileira Vale, em razão das tragédias com as barragens da Samarco em Mariana e da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
“Se o Brasil não levar a sério a questão ambiental, o que vai acontecer é que o preço dos ativos vai ficar mais barato, porque os investidores vão descontar mais”, alerta Daniela.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Em análise recente a Robeco comparou a aprovação da reforma da Previdência na Câmara ao Plano Real em importância.
A reforma da Previdência é fundamental para a sustentabilidade das contas públicas. O sistema brasileiro é muito antiquado e caro. Insustentável. O governo não tem capacidade de investir. Tudo que entra de impostos vai para pagar a Previdência. Não é que resolve o problema do crescimento (a reforma), mas é para tirar da rota de colisão.
Há sinais de melhora na economia brasileira?
Acho que o crescimento vai voltar na medida em que se recuperar a confiança, mas demora. O Brasil tem um problema de produtividade séria. Ainda é um país muito burocrático, onde a tributação de empresas é muito perniciosa. A reforma tributária é importante para investimento, mas só deve sair no ano que vem.
Há espaço para otimismo quanto ao País?
A gente tem (investido no País) mais do que o índice de referência (MSCI Emerging Markets) tem, então estamos otimistas. Nossa visão é que o Brasil seguindo com a agenda de reformas, seja tributária, de desburocratização, privatizações, do arcabouço regulatório, vai gerar muita oportunidade de investimento. As questões de desempenho ambiental, social e de governança é que preocupam, assim como a comunicação do governo.
A sra. se refere às declarações do presidente Jair Bolsonaro?
O presidente foi legitimamente eleito, está passando reformas no Congresso, mas precisa melhorar a comunicação. O governo não sabe mais se comunicar por meios oficiais, só por redes sociais. É inaceitável. As questões diplomáticas estão começando a ficar sérias. O ponto central é: o governo precisa se comunicar melhor com a comunidade internacional. Tem de entender que investidor institucional não investe olhando em Twitter. A visão que a Europa tem do Brasil hoje é a pior possível.
Estrangeiros já tiraram mais de R$ 20 bi da bolsa este ano, mas participaram de IPOs e ofertas subsequentes...
Nós participamos de algumas ofertas de empresas brasileiras. Essa questão do outflow (saída de recursos) tem mais a ver com o risco. O cenário internacional está muito ruim para o Brasil, com a China desacelerando e em conflito com os Estados Unidos. Isso gera incerteza. A situação na Argentina também acaba influenciando o Brasil. Não acho que a contaminação vá tanto para a economia real, mas precisamos ficar de olho no dólar.
A Robeco viu a lista de privatizações? Pode participar?
Nossa estratégia não é comprar controle (de empresas). A gente espera é que essas empresas continuem listadas ou sejam compradas por bons grupos, que invistam no País e gerem crescimento econômico. O setor de infraestrutura, transporte, energia, é onde vejo mais oportunidade. Toda essa parte de comércio eletrônico e pagamentos também.
Há uma crítica de que o governo está vendendo participações e não privatizando, o que significa que o dinheiro não vai para o Tesouro.
Concordo que o melhor modelo seria o que abatesse dívida, mas melhor privatizar do que não fazer nada. A privatização da BR Distribuidora foi um sucesso. Acho que tem dois sentidos em privatizar: levantar receita para abater dívida, mas também melhorar a parte operacional das empresas. Acho que o intuito do (Ministro da Economia) Paulo Guedes com essa agenda é melhorar a produtividade. É um dos pontos que me deixam mais otimista com o Brasil.
Qual a maior preocupação do investidor estrangeiro quanto ao Brasil?
A grande questão que está sendo discutida é a ambiental. Se você acha que um país tem mais risco porque não está considerando questões ambientais importantes para a comunidade global, não está levando a sério direitos humanos, e isso pode no futuro gerar perdas econômicas, você põe uma taxa de desconto maior. Se o Brasil não levar a sério a questão ambiental, o que vai acontecer é que o preço dos ativos vai ficar mais barato, porque os investidores vão descontar mais.
Deve ter piorado com a crise na Amazônia...
Demoraram a agir, mas tomaram providências (de combate aos focos de incêndio). Só que essas providências não podem ser paliativas. Ele (Bolsonaro) tem de divulgar com clareza qual vai ser a política ambiental. Tudo que a gente viu até agora foi no sentido de reduzir multas, interferência em órgãos de controle.
A Robeco leva em conta o sócio-ambiental nas decisões de investimento?
Somos líderes europeus e globais em investimento com integração de ESG (ligado a desenvolvimento social, ambiental e de governança). Tem aspectos no Brasil que terão que ser endereçados de forma clara. Como vai ficar o tratamento de minorias, índios, mulheres, direitos humanos. A gente quer ver esses direitos garantidos. Estamos em um projeto para elevar o porcentual de mulheres nos boards (conselhos de administração), ainda com predominância masculina branca muito forte. Diversidade é o ponto.
Pode falar mais sobre essa questão da interferência?
Vimos primeiro a interferência no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que trata de crimes financeiros e impacta a governança do mercado. Foi do Ministério da Justiça para o Banco Central. A questão é: vai ser efetivo como era antes? Vimos órgãos de controle ambiental esvaziados, mudanças na Polícia Federal. A segurança das instituições é um foco de preocupação.
Algum outro ponto?
O meio ambiente é o que mais chama atenção do lado negativo, enquanto em governos passados era a governança. Havia muita interferência, principalmente em estatais. A história triste da Petrobrás ainda é recente.
A ingerência governamental acabou?
Acho que esse governo está procurando não interferir nas estatais, mas o episódio do preço dos combustíveis (em que o presidente Bolsonaro vetou um aumento do preço do diesel pela Petrobrás) foi triste. O ponto positivo foi que o governo fez a interferência e depois voltou atrás. Não é minha maior preocupação. O ministro da Economia é liberal e não tem perfil de afetar a gestão de estatais. Já o presidente fala para o eleitorado dele, mas, às vezes, esquece que tem de falar também para a comunidade internacional.