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‘Jabuti’ em marco das garantias que dá poder a tabeliães é criticado por profissionais de arbitragem

Emenda aprovada no Congresso prevê que tabeliães atuem como árbitros na Justiça privada, para permitir o acesso de mais pessoas à arbitragem; medida é criticada por associações e advogados

Por Carlos Eduardo Valim

Um “jabuti” incluído no marco das garantias aprovado na Câmara, na terça-feira, 3, tem sido criticado por profissionais de arbitragem, advogados e entidades empresariais.

A emenda 37 do Projeto de Lei 4188/2021, incluída durante a tramitação no Senado após a primeira aprovação na Câmara, dá aos tabeliães de notas a competência de “mediar ou conciliar” e “atuar como árbitro” em divergências empresariais.

Plenário da Câmara;projeto de lei que cria marco legal para o uso de garantias destinadas à obtenção de crédito no País foi aprovado nesta quarta-feira. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Em reação à medida, o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) enviou nota técnica ao secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, pedindo a recomendação de veto presidencial ao trecho. A entidade alega desnecessidade, discriminação inversa, induzimento ao erro e oneração indevida do Estado por conta da emenda.

“O PL do Marco das Garantias é superimportante, uma lei urgente para o País. O problema é o ‘jabuti’ que colocaram dentro dele”, afirma o presidente do CBAr, André Abbud, que alega que a proposta atende ao lobby dos tabeliães e já havia sido incorporada à Medida Provisória 1085, de 2021, que tratava do Sistema Eletrônico de Registros Públicos.

Na ocasião, o trecho acabou caindo, no ano passado, após ter o seu veto sugerido pela Advocacia-Geral da União. “Desta vez, colocaram um jabuti no colo de um leão”, diz.

O entendimento da AGU foi que os tabeliães já podem atuar como árbitros, como pessoa física, mas não como representante de cartório, por neste caso se constituírem delegatários de serviço público. A expectativa dos grupos contrários à mudança na regra é que ocorra mais uma vez um veto presidencial.

“Cartórios cobram taxas e emolumentos de serviço público. A arbitragem é um instrumento privado. Eles não se conversam”, diz a vice-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), Silvia Rodrigues Pachikoski.

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“O risco com esta emenda é de se criar um sistema dissociado de toda a prática mundial. As empresas vão achar esquisito o sistema brasileiro e preferir abrir arbitragens em outros países, para evitar a insegurança jurídica.”

A Câmara aprovou na terça o marco de garantias, com 305 votos favoráveis, 11 contrários e cinco abstenções. A lei facilita a obtenção de crédito ao permitir que um mesmo bem, como um imóvel, seja usado em mais de uma operação.

O PL havia passado na Câmara, mas voltou para análise dos deputados após ter sofrido cerca de 50 modificações do Senado, quando teve relatoria de Weverton Rocha (PDT-MA), aliado de Lira.

Houve estudos, na relatoria da Câmara, de João Maia (PL-RN), sobre retirar do texto algumas dessas regras, que sofriam mais rejeições pelos deputados ou mesmo do Ministério da Economia, caso do “jabuti” sobre arbitragem e de regra que mantinha o monopólio da Caixa em penhoras civis. Mas os acordos feitos no Senado prevaleceram. O texto agora vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode vetar trechos do projeto.

Notários versus advogados

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Em defesa da emenda, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) afirma que a nova regra vai permitir o acesso de mais brasileiros a um mecanismo de desjudicialização.

“Há muitos anos, a Anoreg trabalha sobre este tema que permite uma ampliação do atendimento de arbitragem a todo o País, principalmente para quem vive em regiões afastadas dos grandes centros”, afirma o presidente da associação, Rogério Portugal Bacellar, por meio de nota.

O Colégio Notarial do Brasil argumenta de forma similar. A aprovação da emenda, segundo ele, permite que “mais de 8 mil notários, profissionais do direito concursados, presentes em todos os municípios do País, atuem facultativamente em complemento e auxílio às câmaras arbitrais, principalmente nas pequenas e médias cidades do País, que hoje não dispõem deste serviço”.

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O principal argumento contrário a essa inclusão no texto é que os tabeliães já podem atuar como árbitros, assim como qualquer pessoa de qualquer profissão, acarretando numa regra desnecessária.

O artigo 13 da Lei da Arbitragem e o 9 da Lei de Mediação preveem que qualquer brasileiro pode cumprir a função, desde que seja aceito pelas duas partes. Normalmente, alguém com conhecimento jurídico é o selecionado. Em especial, se acumular também experiência relacionada ao assunto tratado.

A CBAr afirma acreditar que, ao citar apenas os tabeliães no PL, a regra consistiria numa discriminação reversa. Segundo a associação, como única profissão mencionada em lei, os tabeliães e notários assumiriam um caráter “mais formal” como árbitros, dando a sensação de serem os únicos com permissão de atuar assim.

“Muitas pessoas poderiam ter a sensação de que a arbitragem só valeria, de fato, quando fosse feita em cartórios. E, ao descobrirem que isso não é verdade e depois de pagarem por esse serviço, poderiam processar o Estado, causando custos aos governos”, afirma Abbud, da CBAr. “Os cartórios também poderiam levar pessoas ao erro ao incluir, em contratos imobiliários, que só eles poderiam atuar como árbitro se as partes do contrato entrarem em litígio.”

A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) alega combater há 15 anos tentativas de mudanças como essas, favorecendo os tabeliães. “O pior é para o cidadão comum, que já tem acesso a tribunais de pequenas causas, que funcionam bem. Eles não precisam remunerar árbitros para casos pequeninhos. E os árbitros precisam ser bem remunerados”, afirma Pachikoski, da associação.

“O cidadão pode não saber que estará abrindo mão da Justiça comum gratuita, quando assinar, durante a troca de escrituras, que o cartório deverá ser o mecanismo de arbitragem para certo contrato.”

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