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Pesquisa aplicada no dia a dia (FGV-EESP)

Opinião|Inflação, Juros e Pressão sobre o Banco Central

Qualquer ameaça a autonomia do Banco Central e mesmo a elevação das metas para os próximos anos serão contraproducentes e elevarão a inflação

Atualização:

 Marcelo Kfoury Muinhos*

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Foi divulgada hoje (07/02) a ata da primeira reunião do Copom dentro do período do novo governo com a velha administração do BCB. Os recentes pronunciamentos do senhor presidente da República, dizendo que não há razão para os juros estarem no nível atual, aumentaram o interesse na leitura do documento da autoridade monetária. Seguem alguns comentários sobre a ata, a conjuntura econômica e as afirmações destemperadas do atual presidente.

De acordo com as previsões divulgadas na ata e se fosse seguido literalmente o que diz o "manual de metas de inflação", os juros deveriam estar subindo ainda mais. Num cenário de juros constantes, a inflação de 2023 fica em 5,5% acima do teto da meta para o ano. A justificativa para manter os juros constantes é que nesse nível a inflação de 2024 fica abaixo da meta. Portanto, o presidente Lula está dizendo bravatas, falando que não há razão para os juros estarem no nível que estão.

Só para reforçar o ponto, quando os juros foram elevados no nível de 13,75% em junho de 2022, a inflação acumulada em doze meses estava em 11,88%. Mesmo não sendo o melhor critério para avaliar os juros reais, eles estavam menos do que 2% nessa métrica. Durante o ciclo de alta dos juros, desde março de 2021, a Selic aumentou 11,75% e a inflação aumentou mais de 9% desde a mínima em meados de 2020. Em tese, os juros nominais têm que subir, conforme ocorreu de fato, um pouco mais do que o aumento da inflação, para que essa última volte para as metas.

Com relação ao cenário externo, o Copom atenuou o discurso considerando o cenário menos desafiador com a mudança da postura da China em relação a Covid e com o inverno mais ameno na Europa. Nos EUA, dados de atividade têm apontado desaceleração, mas ainda em ambiente de mercado de trabalho bastante pressionado, mas com queda na inflação. De qualquer maneira, a desaceleração da inflação deve ser lenta e os juros devem permanecer elevados por bastante tempo.

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Já a atividade doméstica, o Copom manteve o discurso de desaceleração da atividade do comunicado anterior, que me parece estar agravando, inclusive se estendendo para o mercado de trabalho.

Em relação ao riscos fiscais, dois pontos foram elencados: (i) incerteza inerente a revisão do arcabouço fiscal afeta os preços dos ativos e a expectativa de inflação. (ii) se houver estímulos fiscais em um contexto de economia perto do pleno emprego, esses afetam a inflação. Houve uma sinalização em respeito ao pacote fiscal em execução pela Fazenda que pode atenuar o risco fiscal.

A ata elencou 3 razões para a deterioração das expectativas de inflação de prazos mais longos: (i) possível percepção de leniência do banco central ao perseguir as metas. Nesse caso, o BCB reassegurou seu compromisso em reancorar as expectativas de inflação. A autoridade monetária considera que a mensagem de manter os juros no nível atual contribui no processo de retornar à inflação para as metas. (ii) política fiscal expansionista, que deve ser levado em conta o estágio do ciclo econômico e que a política monetária seria um contraponto a qualquer exagero fiscal. (iii) ruídos em relação a meta de inflação podem estar afetando as expectativas de mais longo prazo.

Em relação a inflação, o Copom apontou alguns riscos baixistas derivado da queda dos preços das comodities. Porém, as expectativas de inflação estão se distanciando no longo prazo, exercendo pressão sobre as próprias projeções do BCB e elevando o custo da desinflação. Mesmo o cenário de referência, que utiliza os juros esperados pelo mercado, mostra que as projeções não estão convergindo para as metas, acentuando a percepção que os juros ficaram no patamar de 13,75% por mais tempo do que anteriormente esperado pelo mercado.

A ata do Copom publicada num contexto de críticas ao Banco Central traz visões equilibradas e conciliatórios sobre o contexto macroeconômico do país, sem nenhuma conotação político-partidária. Porém, o presidente Lula não conseguiu assimilar o fato, divulgado pela imprensa, que o presidente do BCB estava numa lista de WhatsApp de ministros do governo Bolsonaro. Resolveu acreditar numa teoria conspiratória que o Roberto Campos Neto está querendo sabotar o seu governo, provocando recessão sem necessidade. A análise apresentada acima apontou as razões expostas pelo Copom para conduzir a política monetária de maneira prudente. Essa tipo de política monetária tem sido feita no Brasil há mais de 20 anos e em outros países do mundo com resultados comprovadamente positivos.

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Qualquer ameaça a autonomia do Banco Central e mesmo a elevação das metas para os próximos anos serão contraproducentes. As duas medidas afetam a expectativa de inflação e aumentam o custo em temos de juros de se retornar à inflação para as metas. Importante salientar que o crescimento econômico não aumenta em temos consistentes com o aumento da inflação. Há ameaças de voltarmos a fazermos políticas econômicas equivocadas feitas no início da década de 2010, que causaram a forte recessão de 2015/16. Os ruídos em torno da atuação do Banco Central também nos remetem a essas políticas equivocadas. * Professor e Coordenador do Centro Macro-Brasil da FGV-EESP

Opinião por mosaicodeeconomia
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