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Apartamento alugado e HB20 na garagem: como vivia Edemar Cid Ferreira, o ex-dono do Banco Santos

Ex-banqueiro teve nome envolvido nos noticiários econômicos e policiais do País em 2005, quando o Banco Central decidiu liquidar o patrimônio do empresário para pagar R$ 2,6 bilhões em passivos da instituição

Foto do author Wesley Gonsalves
Por Wesley Gonsalves
Atualização:

Quase 20 anos depois de o Banco Central ter decretado a falência do Banco Santos, o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira teve um final de vida mais distante da opulência. Da antiga mansão milionária com vista para o Jóquei Clube, no Morumbi, o empresário viveu nos últimos anos em um apartamento alugado, de cerca de 300 metros quadrados, na capital paulista. Edemar morreu neste sábado, 13, aos 80 anos.

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Se a antiga residência - da qual o banqueiro foi despejado - era adornada por mais de 1,5 mil obras de arte, entre esculturas de Victor Brecheret e quadros de Tarsila do Amaral e Jean-Michel Basquiat, a decoração do apartamento era bem mais modesta.

Nas paredes brancas do apartamento havia fotos da família e, na sala de estar, uma mesa de centro com livros e uma única obra de arte de cunho pessoal: um prato pintado à mão por um dos seus sete netos. “Esse quadro foi pintado pelo meu neto de quatro anos, é um trabalho fantástico. Eu nunca o influenciei em nada”, contou Edemar ao receber o Estadão em maio de 2023.

O ex-banqueiro dizia levar uma vida espartana. Afirmava não ter mais nenhum bem físico em seu nome e viver às custas da ajuda dos três filhos.

Edemar Cid Ferreira passou pelo processo de falência do antigo Banco Santos e acabou deixando a mansão que vivia no Morumbi para morar de aluguel com ajuda dos filhos. Foto: Wesley Gonsalves

No início dos anos 2000, o então presidente do Banco Santos Edemar Cid Ferreira teve seu nome envolvido nos noticiários econômicos e policiais do País, com a decisão do Banco Central do Brasil, em 2005, de liquidar extrajudicialmente o patrimônio do empresário para pagar aproximadamente R$ 2,6 bilhões em passivos da instituição.

Hoje eu moro de aluguel e todos os meus bens foram arrestados e leiloados na falência. Não consegui reaver nenhum deles

Edemar Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos

À época, a autoridade monetária havia instituído Vânio Aguiar como interventor do banco. Após quase um ano trabalhando no caso, o interventor considerou a companhia “irrecuperável” e apta a iniciar o processo de falência. Ali, nascia uma verdadeira “caça ao tesouro”, buscando imóveis comerciais, carros de luxo, uma enorme coleção de obras de arte, a casa no Morumbi e dois terrenos na Faria Lima, tudo arrestado pelo Estado para pagamento de dívidas.

Um dos principais patrimônios de Edemar, a famosa mansão no Morumbi chegou a ser avaliada em US$ 50 milhões. Em 2011, o empresário teve de obedecer a uma ordem de despejo e deixou o imóvel levando apenas um pijama. Após inúmeras tentativas mal-sucedidas de leiloar a propriedade que integraria a massa falida do banco, o imóvel foi arrematado pelo empresário Janguiê Diniz, do grupo Ser Educacional, por R$ 27,5 milhões.

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Após o leilão, mansão da rua Gália, no Morumbi, segue abandona e infestada de aranhas e ervas daninha.  Foto: Werther Santana/Estadão

De lá para cá, o imóvel segue vazio, acumulando uma infestação de aranhas e ervas daninhas nos seus muros. “Eu construí essa casa para abrigar minha coleção de arte e documentos históricos. Mas meu patrimônio foi todo leiloado de forma muito rápida”, afirmou o ex-banqueiro.

Sobre o estado atual do imóvel, Edemar dizia lamentar a situação do que seria seu legado para a cidade de São Paulo. “Hoje eu moro de aluguel e todos os meus bens foram arrestados e leiloados na falência. Não consegui reaver nenhum deles”, disse o ex-banqueiro.

Trabalho de Sísifo

Religiosamente, Edemar acordava às 7h15, tomava o café da manhã e se preparava para sua sessão matinal de exercícios. Às 9h30, junto com seu ajudante pessoal, começava a estudar os antigos processos judiciais que o envolviam para repensar a estratégia de defesa. A tentativa era reaver parte dos ativos bloqueados pela Justiça para pagar credores do Banco Santos.

“São aproximadamente R$ 12 bilhões que eu acredito que posso receber”, afirmou ele. O montante fazia parte da massa de crédito “podre” do banco falido, que envolve valores a receber de empresas como Grupo Veríssimo, Cia. Hering e Grupo Paranapanema, entre outros devedores, e era negociada para custear as dívidas com antigos credores da instituição financeira. Mas quem conhece o processo tinha dúvidas se havia alguma viabilidade de que esse dinheiro seria pago, e se o destino do dinheiro, caso algum dia viesse a aparecer, não teria de ser destinado aos antigos credores do banco.

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Sem renda própria para pagar pela assessoria jurídica, Edemar contou que os advogados que o defendiam no caso eram “amigos” que trabalhavam de graça e que podiam receber algo caso os processos vingassem no futuro. “Meus filhos me ajudam muito e meus advogados não me cobram.”

Prestes a completar 80 anos, em 31 de maio, ele dizia que repetia todos os dias a mesma rotina, do café à academia, passando pelo calhamaço de processos judiciais. “Este é um trabalho muito desgastante.”

Diferentemente da mansão de dimensões faraônicas no Morumbi, com seus 12 mil metros quadrados, a residência de Edemar demandava bem menos funcionários. Na casa da Rua Gália, o empresário dispunha de mais de 50 trabalhadores que ajudavam na manutenção e nos afazeres domésticos. Em 2023, no apartamento de cerca de 300 metros quadrados, ele convivia com uma empregada doméstica e o ajudante pessoal, além do personal trainer que o visitava pelas manhãs.

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Edemar não diz quanto gastava com a casa “modesta”. Mas um imóvel como o que ele vivia era anunciado em imobiliárias online por até R$ 16 mil - entre aluguel e condomínio -, o que seria um valor equivalente a cerca de 12 salários mínimos.

Conhecido pela extravagância do seu mobiliário da antiga residência, que abrigava, por exemplo, uma mesa de jantar de 24 lugares avaliada em US$ 350 mil, no apartamento, a sacada do ex-banqueiro tinha apenas uma mesa de mármore branco com “singelas” quatro cadeiras de couro, já meio desgastadas pelo tempo, além de um caixa de brinquedos de plástico que pertenciam aos netos que o visitam no fim de semana. No prédio onde morava, um apartamento de mesmas proporções pode custar de R$ 1,5 milhão a R$ 2,4 milhões, conforme anúncios de imobiliárias na internet.

Por causa do escândalo da falência, em 2006, Edemar e seu filho Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira foram presos pela Polícia Federal junto com outros dirigentes do banco. Conforme a decisão da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, pai e filho foram condenados a 21 e 16 anos de prisão, respectivamente, por crimes contra o sistema financeiro brasileiro, lavagem de dinheiro, crime organizado e formação de quadrilha.

Nove anos mais tarde, em 2015, a Justiça Federal anulou a fase de interrogatórios, e a sentença contra Edemar pela gestão fraudulenta no Banco Santos também foi anulada. Os desembargadores do caso decidiram que a fase de interrogatórios deveria ser refeita.

O ex-controlador do banco foi preso em duas ocasiões. Na mais longa, ficou três meses detido no presídio de segurança máxima de Tremembé, no interior de São Paulo. Sobre o período de cárcere, o banqueiro dizia que “tirou de letra”, porque, segundo ele, “sabia que a verdade viria à tona”. “A sensação de estar preso era algo muito maluco, mas eu tinha certeza que estava certo e seria solto.”

Arte só no museu

Nos tempos de bonança como banqueiro, Edemar estava acostumado a viver repleto de luxo e cercado por obras de arte na mansão do Morumbi. Após a falência, a convivência com documentos históricos, pinturas e esculturas só ocorria quando ele visitava, aos fins de semana, museus como Masp, Pinacoteca e MAM. Ele contava que, desde que perdeu o acesso à sua coleção, participava de exposições em São Paulo, para conhecer novos artistas.

O quadro 'Hannibal', de Jean-Michel Basquiat, pertenceu ao ex-banqueiro, que diz sentir falta da pintura que foi leiloada por R$ 42 milhões, junto com outros bens para integrar a massa falida do banco. Foto: Attorney's Office/Southern District of New York

No dia a dia, Edemar dizia recorrer ao Google para rever quadros e outras peças da sua extinta coleção. “Eu comprei obras do Basquiat antes mesmo de ele ser famoso. Hoje em dia, eu passei a ser apenas um grande espectador da arte.”

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Fora o prato de pintura, colorida e geométrica, criado pelo neto caçula, só havia arte na casa de Edemar nos livros dispostos na mesa de centro da sala de estar, alguns deles, de itens que ele mesmo colecionou, mas acabou perdendo durante o processo de leilões de arte para a massa falida.

E a fortuna?

Em uma certeza quase sebastiânica, Edemar acreditava que, em algum momento, os valores a receber da carteira de crédito do banco falido retornariam aos “cofres” da família. Apesar da certeza, ele mesmo afirmava que, talvez, fôsse um dinheiro que só seria usufruído pelos seus descendentes. “É para os meus netos, ou quem sabe até os bisnetos.”

Além dos valores da carteira de crédito do banco, o Estadão apurou que o banqueiro também tentava reaver um investimento feito em uma offshore das Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal da região do Caribe.

Fontes do setor bancário, e próximas ao mundo dos negócios, descartaram que o Banco Santos tivesse ativos relevantes, menos ainda bilionários, que pudessem ser revertidos ao seu antigo dono.

Ao longo de 2023, Edemar ainda se preparava para outra tentativa de conseguir algum dinheiro em relação ao fim do antigo Banco Santos. Conforme afirmou à reportagem, o empresário prentendia ajuizar um processo de pedido de indenização contra o Banco Central, com a acusação de que o processo de decretação da falência do Banco Santos teria sido irregular.

O banqueiro não quis adiantar qual seria o valor do pedido indenizatório. “Eu quero que o Banco Central me indenize por ter feito uma falência totalmente errada”, disse. “Meu objetivo não é o dinheiro, porque ainda tenho muito a receber, mas é sobre o prejuízo moral e da imagem da minha família, que foi expulsa de casa”, complementou.

Procurado, o Banco Central do Brasil não comentou as acusações feitas por Edemar Cid Ferreira em relação ao processo de falência do Banco Santos.

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Questionado se seguiria o exemplo de outros empresários que depois de falidos passaram a se dedicar a ensinar novos empresários a como gerir os negócios, Edemar disse que não tinha pretensões de virar um ‘coach’ de negócios, como fez o também empresário Eike Batista. “Eu não tenho nada para ensinar, eu estou aqui para aprender.”

No fim da entrevista, o ex-banqueiro seguiu seu cronograma de trabalho, mas com uma pausa, uma pequena saída de carro. Diferentemente dos carros importados de luxo que integravam seu patrimônio, como o modelo Mercedes Benz, atualmente, o ex-banqueiro dirigia por São Paulo um carro popular, um HB20 cinza.

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