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Fãs de Shein e Shopee se assustam com impostos e dizem que agora vão se controlar

Eles já chegaram a perder noites de sono para aproveitar ofertas; depois que taxações começaram, tática tem sido colocar itens nos carrinhos e não finalizar as compras

Por Lílian Cunha
Atualização:

“Eu não dormia mais”; “Comprei mais quando estava em depressão”; “Quando as encomendas chegavam, eu nem lembrava que tinha comprado aquilo.” Essas são frases de pessoas que se dizem acostumadas a comprar em aplicativos de produtos importados da China, como Shein, Shopee e AliExpress.

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“Você começa para ver como é, compra uma coisinha barata só para testar e aquilo vai te contaminando”, diz o carioca Marcelo Adolfo Marques Reiners, profissional de Tecnologia da Informação.

O alto volume de compras por esses canais levou o governo a rever as regras de importação dessas plataformas. Primeiro, zerou a isenção de até US$ 50 e, depois, criou o Remessa Conforme. Pelas regras, compras até esse valor estão isentas. Acima dele, serão taxadas. De qualquer forma, por ora, as compras estão sendo retidas, e os impostos cobrados até as empresas se enquadrarem no novo programa.

Esse vaivém do governo sobre a taxação ajudou a “controlar o impulso” desses consumidores, que estavam num ritmo desenfreado de compras. “Eu colocava coisas no carrinho do aplicativo até atingir o limite do cartão”, diz Tamirys, uma consumidora que preferiu não dar seu sobrenome. “E comprava tudo. Me sentia bem com isso.”

Já Cíntia Nayade Santos, dona de coworkings em São Paulo e em Taboão da Serra, chegou a deixar de dormir revirando os aplicativos em busca de ofertas. “Você se distrai. Tem joguinhos, como Candy Crush, e quanto mais joga, mais cupons de descontos ganha. E, nas madrugadas, tem ofertas especiais, que acontecem por volta da meia-noite e lá pelas 3h da manhã”, conta ela, que já chegou a ficar três dias seguidos sem dormir.

Cintia dos Santos chegou a ficar três dias seguidos sem dormir para conseguir promoções nas plataformas chinesas Foto: Taba Benedicto/Estadão

Entre os artigos que comprou, Cintia menciona adaptadores de cápsulas para cafeteira, itens de decoração para eventos, calcinhas absorventes e muitas roupas. “Também comprei sopa de cenoura em cápsulas para fazer na própria cafeteira”, lembra ela, que gastava em média R$ 1 mil todo mês com essas compras.

As roupas, diz, eram o que mais faziam brilhar seus olhos. “Elas têm um estilo diferente das nacionais. E tem G, GG, GGG. O tamanho que precisar. Nas lojas nacionais, não encontro com o mesmo estilo e variedade de tamanhos”, afirma. E tudo chegava em casa em poucas semanas, sem impostos, sem parar nos Correios.

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Para a nutricionista de São Paulo Ana Luiza Cicolo, a dependência começou na pandemia, quando ela teve depressão. “É muito louco: o que colocar na busca, o item mais doido que imaginar, você acha. Só isso faz a gente grudar no aplicativo e ficar procurando coisas diferentes”, diz ela, que já comprou adesivos de janela que refletem a luz do arco-íris, sacos a vácuo, kit de delineadores, capinhas de celular e também muitas roupas.

Eu esquecia da vida, comprava todos os dias. Quando a encomenda chegava, nem lembrava que tinha comprado aquilo”, conta.

Marcelo Reiners, do Rio, chegou a comprar várias peças e montou um computador, pela metade do preço, por meio da AliExpress. Comprava tanto que achou uma maneira de se livrar da mania, e da falência financeira: montou um perfil no Instagram de “achadinhos da Shopee”.

Marcelo Reiners criou uma página no Instagram com 'achadinhos' da Shopee Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Existem centenas desses perfis, que indicam produtos e itens diferentes para quem gosta dos aplicativos. Na página de Reiners — a Achados Incríveis — um dos destaques atuais é um ventilador sem fio que pode ser pendurado em qualquer lugar, uma escova de dentes tridimensional, um papel de colágeno que é (conforme a promessa do vendedor) absorvido pela pele.

“Agora, em vez de gastar, ganho cerca de R$1,3 mil por mês. Quando a pessoa clica no link do produto na minha bio para ser direcionada para o app de compras, o site já me remunera se a compra for feita”, explica.

Mas a festa acabou

Os ganhos de Reiners, entretanto, caíram pela metade depois de lançado, no começo de agosto, o programa Remessa Conforme, pelo governo federal. As empresas que aderem ao programa têm isenção do imposto para remessas postais entre pessoas físicas de até US$ 50 (R$ 252,45, pela cotação de quarta-feira, 10).

A primeira a aderir foi a AliExpress. Shopee e Shein só fizeram no meio de setembro. Por isso, quem fez compras nos dois aplicativos antes dessa adesão, no mês de agosto, pagou alíquota de 60% para qualquer remessa, independentemente do valor, enviada por pessoa jurídica.

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E mesmo que a empresa tenha aderido ao Remessa Conforme, muitos itens ainda ficam retidos na alfândega até que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual, seja pago pelo consumidor, pelo site dos Correios.

Isso vale para itens de qualquer valor até que a empresa esteja totalmente integrada ao Remessa Conforme, segundo informou a assessoria de imprensa do AliExpress. Só depois desse processo de integração — que não se sabe quanto tempo pode levar — as mercadorias deixarão de ser retidas na aduana e os impostos serão embutidos no preço de venda.

Malha fina

Milhões de produtos caíram na malha fina dos apps chineses. Só nos sete primeiros meses do ano, segundo a Receita Federal, o volume de remessas enviadas ao País alcançou 123 milhões de itens importados. A Receita, porém, ainda não contabilizou quantos itens em agosto ou setembro foram retidos para cobrança de impostos. Nem quantos foram rejeitados por quem os encomendou.

“Mas, para mim, as vendas caíram pela metade. O alcance da página também despencou na mesma proporção”, diz Reiners.

Procurados, Shopee, Shein, AliExpress não comentaram sobre queda nas vendas.

Mas todos os consumidores disseram estar comprando bem menos agora. “Admito que troquei uma compulsão alimentar pela compulsão de compras nesses aplicativos. Mas, agora, com os impostos, coloco tudo no carrinho, mas esqueço lá, não compro nada. Posso dizer que estou controlada agora”, comemora Cintia.

Daniele Silva de Oliveira, maquiadora do Rio de Janeiro, também parou de comprar depois que foi taxada. “Compro muita maquiagem. Em agosto, fiz uma compra na Shein de R$ 60 e recebi o aviso dos Correios de que precisava pagar quase R$ 40 de impostos. Resolvi desistir e pedi reembolso. Mas eles não estornam o valor todo. Só recebi de volta R$ 20″, conta ela. “Fiquei no prejuízo”, diz.

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Daniele Silva de Oliveira comprou R$ 60 e teve de pagar R$ 40 de taxas Foto: Jessica da Silva Oliveira Lopes

Nenhum dos sites consultados pela reportagem (Shopee, Shein, AliExpress) comentou sobre essa política de desistência e reembolso. Sites nacionais, entretanto, são obrigados por lei a devolver o valor total da compra.

Larissa Gusmão, gerente de atendimento de Campinas, também diz estar se controlando depois da taxação. Mesmo com a adesão dos sites ao Remessa Conforme, ela afirma que vai parar de gastar os R$ 250 em produtos que comprava todo mês.

“Eu ficava transtornada nos dias de promoção. Entrava várias vezes no aplicativo, só pensava nisso”, diz. “Agora vou parar, na força do ódio e desse imposto”, afirma. “Mas tenho uma tática. Acho o produto no site e vejo se ele existe em outro market place nacional, que dá nota fiscal, e compro”, afirma.

O problema é que se desvencilhar das compras não vai ser fácil. Quando o consumidor se afasta desses aplicativos, as empresas mandam e-mail, com promoções especiais, mensagens por WhatsApp dizendo que estão “sentindo sua falta.”

“Esses aplicativos são hábeis em envolver o consumidor”, diz Ricardo Pastore, coordenador do núcleo de varejo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Vender por vender, todo mundo vende. Mas essas empresas criam uma experiência diferente. Eles deixam as compras com jeito de passatempo, de jogo. Lançam desafios, como as compras da madrugada”, explica.

Mesmo com todas essas artimanhas, porém, uma hora o consumidor cansa. É nesse momento que os sites intensificam mais ainda o apelo, partindo para o emocional, com mensagens como a citada acima e promessas de “presente exclusivo”, cupons de desconto e frete grátis.

“Não é fácil resistir. Ainda olho o app uma hora, uma hora e meia antes de dormir”, diz a nutricionista Ana. Mas ela e outros consumidores agora lançam mão de um truque: colocar no carrinho do app e não finalizar a compra.

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Tamirys também se tornou adepta dessa tática. “Fico horas vendo tudo, ponho no carrinho e não compro nada”. Para tirar proveito disso, ela fez como Reiners e também lançou uma página de “achadinhos”, a “achadinhos_da_shopee”, no Instagram. “Me faz bem ficar garimpando coisas e não comprar nada”, garante.

Qual é o tamanho das empresas?

No ano passado, a Shein movimentou R$ 7,1 bilhões, segundo o relatório citado pela XP Investimentos. Para ter uma base de comparação, a tradicional rede de varejo Magazine Luiza, transacionou R$ 3 bilhões, valor que inclui a Netshoes, que é só online.

A Shopee faturou R$ 2,1 bilhões, segundo o mesmo relatório. O total é maior que o que movimentou em 2022 a Arezzo (R$ 1 bilhão), a Riachuelo (R$ 619 milhões) e a C&A (R$ 511 milhões). O relatório, porém, não cita a AliExpress.

A companhia faz parte da gigante chinesa do e-commerce Alibaba e está no Brasil há dez anos. Consultada, não revelou números de faturamento.

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