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‘É difícil um grupo que sai de mil para 7 mil pessoas crescer com 100% de eficiência’, diz CEO da XP

Segundo Thiago Maffra, demissão de 1,2 mil pessoas foi uma correção de rumo, após alguns excessos nas contratações recentes, mas empresa agora está mais eficiente

Foto do author Cynthia Decloedt
Por Cynthia Decloedt (Broadcast)
Atualização:

São Paulo - A demissão de 1,2 mil funcionários feita pela XP entre o fim do ano passado e o início deste ano chamou a atenção dos investidores - especialmente após seu fundador Guilherme Benchimol fazer um “mea culpa” abertamente e reconhecer excessos nas contratações dos últimos dois anos. Apesar de a XP ter uma história de disrupção e sucesso - praticamente contínuo até a estreia emblemática na bolsa norte-americana Nasdaq, em 2019 -, a plataforma já havia enfrentado outros reveses. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente da XP, Thiago Maffra, diz que a trajetória da companhia não foi até agora somente de crescimento acelerado. “Em 2014 demitimos 50% das pessoas e em 2017, muito mais do que agora, porcentualmente”, diz.

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Depois de registrar alta média de 46% em suas receitas por seis anos seguidos, a XP viu esse crescimento se reduzir para 10% em 2022. Maffra diz que a XP ainda é uma empresa high growth - de crescimento acelerado - e, dessa forma, oscilações em seus indicadores são normais. Para ele, o ano de 2023 continuará sendo duro, mas há indícios de retomada no fluxo de dinheiro para investimentos com um pouco mais de risco.

Com isso, este ano a XP pretende colher frutos dos negócios e serviços lançados nos últimos três, muitos deles dentro do banco. Nas próximas semanas, a plataforma coloca na rua a conta corrente para a pessoa jurídica, que completa a oferta de serviços bancários. “Estamos em momento de maturar”, diz Maffra, para quem não há previsão de novas demissões no horizonte. No médio prazo, uma das prioridades é elevar de 11% para 25% a participação da XP no mercado de investimento da pessoa física. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Depois de um 2022 e um primeiro trimestre desafiadores, com ajuste no pessoal e um mercado ainda instável, qual será a estratégia da XP?

Gosto de falar, pensando em futuro, que temos três frentes de crescimento para os próximos cinco a 10 anos. A primeira, que chamo “mais do mesmo”, é como podemos aumentar a participação de mercado com serviço de excelência e qualidade diferente dos demais concorrentes, para seguir avançando. Temos hoje 11% de participação no mercado de pessoas físicas e 8% em relação ao de investimentos como um todo, incluindo empresas. Ganhamos diversos prêmios nos últimos anos e já fomos reconhecidos como a melhor casa de investimento do Brasil por alguns veículos. Se recebemos esses prêmios de melhor, deveríamos ser o maior. Temos ambição de chegar em 20% a 25% nos próximos anos.

Para Maffra, o arcabouço fiscal foi bem feito e o ministro Fernando Haddad tem feito um bom trabalho  Foto: Felipe Rau/Estadão

Quais as demais frentes de crescimento?

A segunda são novos negócios, como seguro, crédito e banking. Até o fim de 2019 e início de 2020, a XP era uma casa única de investimentos e, em dezembro de 2019, recebemos licença de casa bancária. Começamos a criar esses produtos a partir de 2020. São frentes novas e que nasceram para reforçar (os negócios com) o cliente investidor. Percebemos que eles queriam serviços que não tínhamos. Esse negócio nasceu para reforçar o negócio de investimento, aumentar o share of wallet (participação na carteira do cliente) e cortar (a ligação) umbilical de nossos clientes investidores com as outras instituições financeiras. Há, porém, um segundo efeito: quando se criam essas novas verticais de negócios, as receitas aumentam. Tínhamos 50% de share of wallet de clientes investidores e já estamos em 65%. Vemos nossa tese se concretizando. A terceira frente de crescimento é o banco de atacado, para originar e distribuir (produtos financeiros) para a rede de varejo, já que os bancões não queriam que a gente distribuísse os produtos deles para vender na nossa base. Fomos então construindo o relacionamento com as empresas, que usam outros serviços.

Quanto essas novas linhas cresceram?

Elas representavam zero em receita em 2019 e já superam 10%. No primeiro trimestre, mostramos uma curva de crescimento de 64% das novas verticais em relação a 2022. Esperamos que, por algum tempo, cresça nesse mesmo ritmo. Nossa penetração em seguro, por exemplo, é de 1% entre nossos clientes. Mas metade dos clientes tem algum tipo de seguro no mercado. Nos 10 (maiores) bancos, a penetração é de 52%, e temos 1% porque lançamos o produto há dois meses. É uma grande avenida de crescimento.

Como a XP sente a crise macroeconômica e no mercado de capitais, provocada em parte pelos pedidos de recuperação judicial de Americanas e Light?

Desde 2016, a XP cresceu 46% em receita ano contra ano, com exceção do ano passado, quando a alta foi de 10%. Crescemos menos principalmente pela aversão ao risco gerada pela movimentação da taxa de juros e inflação, que provoca migração para ativos com liquidez diária e baixo risco. Os bancos distribuíram mais de R$ 800 bilhões em títulos bancários curtos no ano passado. Em 2022, as nossas linhas de equities (ações) e fundos caíram mais de 20% (em receita) e são linhas core (principais de negócios). Ainda assim, crescemos a receita em 10%, porque temos o efeito portfólio de outras linhas de negócios e essas novas frentes de negócios que não têm correlação com a aversão a risco. A semana encerrada em 19 de maio foi a primeira do ano na qual os fundos tiveram entradas líquidas positivas, e não resgates. Começamos a ver uma migração dos títulos mais sem risco e com liquidez para aqueles de mais risco e retorno. Estamos super preparados e nossa visão é que teremos outro ano duro do ponto de vista macro e de transição de governo, mas começamos a ver um cenário mais claro daqui para a frente, com o aprovação do arcabouço fiscal, o Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central) falando de um cenário favorável para corte de juro.

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O governo está começando a tomar pé?

Sim, o arcabouço foi bem feito e o Fernando Haddad (ministro da Fazenda) tem feito um bom trabalho. Todo mundo acreditava na capacidade dele, mas havia dúvida se conseguiria implementar os pensamentos e as ações que pregava. Ele tem surpreendido positivamente. Estamos mais otimistas, apesar de termos feito um planejamento para um ano duro.

A XP pretende chegar aos 25% de participação de mercado especialmente com o segmento private?

Temos 2% de mercado nos clientes de varejo, com zero a R$ 100 mil para investir, 20% de participação na alta renda, clientes com R$ 100 mil a R$ 10 milhões para investir, e 5% nos clientes private, com R$ 10 milhões ou mais para investir. Nossa estratégia é continuar crescendo no meio, mas vemos muito espaço para crescer nas duas pontas. Na ponta de cima, a do private, reformulamos a proposta de valor, com um private próprio. Uma segunda avenida de crescimento nesse cliente high e ultra high são as gestoras. Chegamos a esses clientes finais por meio desses parceiros. Na ponta de baixo, hoje damos assessoria para todos os clientes com mais de R$ 25 mil para investir.

Como estimular o assessor para chegar nesses clientes que têm menos de R$ 100 mil para investir?

Conseguimos isso por conta da tecnologia que desenvolvemos ao longo dos últimos cinco anos. Temos um CRM (Customer Relationship Management) no qual medimos o índice de atividade de todos os clientes, olhamos sua carteira, como está, o que está enquadrado ou desenquadrado. Subo atividades diárias aos assessores, por exemplo, para ligar para o cliente porque está 30 dias sem contato ou porque está desenquadrado. Fazemos isso para todos os clientes.

De quanto foram os cortes de pessoal na XP? Eles foram direcionados para alguma área?

Foram 1,2 mil. Fizemos mais cortes ou menos cortes baseados nas prioridades estratégicas. Mas vale dar um passo atrás para entender como foi possível cortar essas pessoas, de antes de eu assumir como CEO, quando a empresa foi reestruturada para o modelo de squads (grupos de trabalho), basicamente times multidisciplinares e unidades de negócios. Quando assumi como CEO, reorganizamos a empresa inteira e existem várias literaturas e estudos de caso que mostram ganho de eficiência de 20% a 30% nesse modelo. Imagina que tem 100 peças de legos e, quando reorganiza, precisa de 80 peças, porque os times ficam mais ágeis e organizados. Viemos coletando essa eficiência ao longo de 2021, mas ainda crescia muita coisa e reaproveitamos algumas pessoas. Em 2022, demos uma pisada no freio, paramos de contratar e de construir novos projetos.

Então os cortes aconteceram por conta da reorganização?

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Metade do corte veio do ganho de eficiência. A outra metade foram excessos e erros que cometemos no crescimento ao longo dos últimos anos. Vivemos quatro anos de bull market (mercado em alta) e é muito difícil uma empresa que sai de mil pessoas para 7 mil pessoas crescer com 100% de eficiência, ainda mais no meio da pandemia, com pessoas sendo contratadas remotamente. Cometemos excessos e cortamos agora. A parte importante é que não estamos deixando de lado projeto estratégico, nada do que é prioritário, e não estamos baixando a qualidade. É impressionante quando se trabalha com uma empresa mais enxuta, ao invés de andar mais devagar ou deixar de fazer algo, é forçado a priorizar e as coisas andam mais rápido. Entregamos mais hoje do que há seis meses, com mil e poucas pessoas a mais.

A XP tem uma história de crescimento rápido e é vista como um caso de sucesso. Como ficou a moral e o ambiente dentro da empresa?

Quando se tomam decisões difíceis, há impacto de curtíssimo prazo, mas é normal. A XP não é só uma história de crescimento acelerado: em 2014 demitimos 50% das pessoas, nosso lucro caiu 60%. Em 2017, demitimos muito mais porcentualmente do que hoje. A linha reta que olhamos na XP sempre teve dentes ao longo do caminho. Somos uma empresa de dono.

Estamos otimistas, confiantes na estratégia da empresa, que tomamos as decisões certas na concepção de novos negócios e os clientes veem proposta de valor maior.”

Thiago Maffra, presidente da XP

Mas a XP hoje não é a mesma daquela época, em termos de relevância e vitrine no mercado...

Continuamos sendo uma empresa de high growth (crescimento elevado), é normal que haja ajuste. O foco é no longo prazo, 10 anos para a frente e o tamanho da oportunidade. Temos apenas 1,5% da receita do sistema financeiro, de quase R$ 1 trilhão.

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Como está a relação da XP com gestores e escritórios, que também atravessam a crise?

Temos times dedicados a ajudar em tecnologia, estrutura organizacional, grade de produtos. Somos consultoria para os escritórios e isso sempre existiu, em momentos difíceis ficamos mais próximos. É parte do nosso negócio. Quando se fala em distribuição, é importante mencionar que nascemos como B2B (de empresa para empresa) e diversificamos. Embora seja o principal canal, temos diversificação, com assessores internos, gestoras, consultoras, canal private...

Essa diversificação blinda a XP da mudança de regulação, com o fim da exclusividade de contrato com os agentes autônomos? As mudanças afetam a receita?

Para nós, a mudança na regulação é positiva. Vemos como uma chancela a uma profissão que gera valor e era marginalizada. Mas a mudança não afeta nossas receitas. Sempre trabalhamos com contratos de longo prazo, de exclusividade de 10 anos. Na verdade, abre novas possibilidades, já que não podíamos ser sócios, e agora podemos. Qual estratégia vamos usar, é uma decisão nossa. Pode ser que usemos ou não essa estratégia. Fizemos recente com a SVN Investimentos.

Como o sr. descreveria o atual momento da empresa?

Viemos de bull market de quatro a cinco anos, houve um cenário de ano difícil, ajustamos a casa, e estamos super preparados para capturar todo esse crescimento nos próximos 10 anos. Estamos otimistas, confiantes na estratégia da empresa, que tomamos as decisões certas na concepção de novos negócios e os clientes veem proposta de valor maior. Estamos super confiantes de que a estratégia está certa e que a oportunidade segue intacta, com 80% do dinheiro em investimento nos bancos. Temos mar azul, mas é obvio que, nesse oceano, uma nuvem fecha. Mas está se abrindo. Não há mais ajustes a serem feitos e os investimentos que vínhamos fazendo continuam. Várias das nossas linhas de negócios são muito jovens e esperamos que alcancem o breakeven (paguem os custos) em 12 meses a 18 meses.

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