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O Plano Paulson voa?

Por Dionísio Dias Carneiro
Atualização:

O dilema do Plano Paulson é como reformar o sistema financeiro em meio à crise sem agravar a desconfiança. E já se sabe que só as crises permitem as reformas financeiras. Pois quem quer mudar um sistema que ganha dinheiro produzindo crédito abundante e barato? Mesmo assim, o plano divulgado na semana passada surpreendeu pela abrangência de seu conteúdo. No último artigo neste mesmo espaço, há duas semanas, discutimos a conveniência de legitimar o papel que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) assumiu como "regulador da estabilidade do mercado". Primeiro, a chamada Temporary Auction Facility, criada em dezembro para injetar liquidez nos bancos, amenizou o estigma do redesconto, que carimba os que recorrem a este com a suspeita de insolvência. Depois, as operações de empréstimos de títulos do Tesouro aos dealers primários por 28 dias, por meio da chamada Term Securities Lending Facility, reconheceram o papel das corretoras e distribuidoras como transmissores de pânico e as transformaram em canal para a liquidez. Agora, a reforma submete-as oficialmente à alçada regulatória do Fed, o que aumenta a chance de que a operação de salvamento do Bear Stearns seja, de fato, um ponto de inflexão no andamento da crise. Finalmente, desobstruído o canal legal para a atuação do Fed, foi aberta uma linha direta do Tesouro de modo a não deixar dúvidas quanto à sua capacidade de substituir títulos sem preços confiáveis por títulos do Tesouro americano. A imprensa sublinhou a oposição irritada dos senadores ao fortalecimento do Fed, que falhou na ação preventiva. O Congresso discute, e muito mais discutirá, se deseja que o Fed exerça o papel de xerife do mercado financeiro americano, acima do papel dos demais xerifes que zelam, de forma independente, pela circulação de informação adequada no mercado acionário, pelo grau de alavancagem e liquidez dos bancos comerciais, pelo controle dos riscos operacionais nos negócios com futuros e pela provisão de liquidez para o processo de securitização de hipotecas. O Plano Paulson é coerente com o diagnóstico apresentado pelo próprio secretário e pelo presidente Bernanke, acerca da seriedade da atual crise financeira americana, que ainda ameaça a estabilidade macroeconômica da maior economia do mundo. Ao Fed dão-se agora não apenas os meios para restaurar a liquidez bancária, como qualquer banco central, mas também mais instrumentos para impedir o colapso da confiança macroeconômica, que é o elo entre uma crise financeira que não se pôde evitar e um desastre recessivo que ainda se pode evitar. Quais as chances de o arranjo institucional proposto funcionar? Recentemente, a Lehman Brothers divulgou um survey no qual concluiu que seriam menores do que 50% as chances das medidas anunciadas terem efeito antes de 2012. Dado que os prognósticos mais pessimistas não apontam para uma duração de mais de três anos para a recessão americana, que já está em andamento, o survey mostra o pessimismo dos analistas quanto aos efeitos de médio prazo da reforma. Apesar disso, a reforma deve ser suficiente para impedir o colapso macroeconômico, que é um risco iminente e não depende só de torneiras públicas jorrando dinheiro. Entretanto, dada a natural impopularidade do sistema bancário, que se agrava em tempos de crise, não se deve subestimar o tempo necessário para a acomodação de interesses. Além disso, a diversidade de capacitações profissionais que existe nas diversas instituições que regulam operações financeiras nos EUA, provavelmente vai fomentar mais a disputa por espaço do que a cooperação entre as respectivas burocracias. A curto prazo, o crédito continuará a encolher, apesar dos novos instrumentos, ainda que menos do que poderia ocorrer na situação anterior. Ao final do dia, por demorados que sejam os efeitos de médio prazo, entretanto, a reforma dá fôlego político e instrumental ao Fed, para evitar outro caso Bear Sterns. É claro que a resposta do governo vai encorajar mais irresponsabilidade antes de poder impor regras de conduta razoáveis. Mas, como observou William Safire, o veterano ex-editor-chefe do New York Times, ao filosofar sobre o risco moral das operações de salvamento, há ocasiões em que recusar ajuda a curto prazo pode significar que não haverá longo prazo. Será o arranjo proposto por Paulson desejável como modelo para uma reforma brasileira que possa impedir que os exageros de otimismo desemboquem mais uma vez em um desastroso colapso da confiança? Essa questão merece um artigo à parte. *Dionísio Dias Carneiro, economista, diretor da Galanto Consultoria e do Iepe/CdG

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