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Operadores regionais de internet chegam a quase 50% do mercado e provocam reação das grandes teles

Empresas como Claro, Vivo e Oi defendem fim de benefícios a empresas menores, como a Brisanet e a Desktop, que vêm ganhando cada vez mais mercado no interior do País

Foto do author Circe Bonatelli
Por Circe Bonatelli (Broadcast)

O crescimento dos provedores regionais de banda larga nos últimos anos passou a incomodar as grandes teles, que têm enfrentado uma concorrência mais acirrada e, na sua visão, desigual. Elas estão pedindo à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que faça uma revisão dos estímulos concedidos às empresas menores anos atrás, numa época em que a internet não chegava à casa das pessoas.

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O argumento é que boa parte dessas empresas regionais cresceu muito, elas já concorrem de igual para igual e não precisam mais de auxílios para atuar.

Juntas, as operadoras regionais detêm 47,5% do mercado de internet fixa no País, o dobro do que possuíam há cerca de quatro anos, e superando conjuntamente Claro (23,2%), Vivo (15,1%) e Oi (12,1%), de acordo com dados compilados pela consultoria Teleco.

Os provedores locais se desenvolveram principalmente nas cidades de pequeno e médio portes no interior do País, que foram preteridas pelas companhias nacionais, mais focadas nas capitais e nas regiões metropolitanas. Mas, com o passar dos anos e com a expansão das redes por ambas as partes, as empresas regionais e nacionais se enfrentam em muitas praças, e até com domínio das empresas menores em alguns municípios.

Benefícios para as empresas menores

A Anatel atualizou o conceito de Prestadoras de Pequeno Porte (PPP) em 2018, quando todas as empresas com até 5% de participação no mercado nacional receberam essa classificação a partir daí. O enquadramento como PPP dá direito a benesses importantes, como a necessidade de cumprir menos obrigações da Anatel.

As PPPs não são obrigadas a pagar custos com a medição de indicadores de qualidade, não precisam manter centrais de atendimento 24 horas por dia, nem manter lojas físicas. Além disso, também pagam menos impostos que as grandes teles.

A questão é que existem milhares de PPPs no Brasil, desde aquelas realmente pequenas até empresas que se tornaram expressivas, como a Brisanet (com 1 milhão de assinantes, mas apenas 2,3% de participação de mercado nacional), Desktop (727 mil, ou 1,7%), Vero (676 mil, 1,6%) e Unifique (514 mil, 1,2%) e chegam a liderar em várias praças.

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Propostas para revisar modelo de provedor regional

“A atuação da Anatel foi importante nos últimos anos para difundir a internet. Isso ninguém nega, mas é importante atualizar a regulamentação. A dosagem está um pouco enganada”, disse a diretora de regulamentação da Claro, Monique Barros.

O tema foi debatido durante o Feninfra Live, organizado pela Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes (Feninfra), na sexta-feira, 2.

A representante da Claro defendeu uma revisão no conceito de PPP, de modo que a caracterização deixe de ser com base na participação no mercado nacional e passe a tomar como referência a presença nos mercados por cidade ou região.

Barros argumentou que as PPPs são líderes de mercado em 80% dos municípios, sendo que em quase a metade dessas cidades, essa liderança detém mais de 60% dos clientes, o que se transforma numa barreira para outras empresas.

“Não tem dificuldade de competição (para os PPPs), nem necessidade de um incentivo a mais. Na verdade, são eles que até dificultam o crescimento de outras empresas de menor tamanho nesses locais”, afirmou a diretora da Claro.

Sede da Anatel; grandes teles estão pedindo à Anatel que faça uma revisão dos estímulos concedidos às empresas menores anos atrás, com o argumento de que boa parte dessas empresas regionais cresceu muito.  Foto: Sinclair Maia/Anatel

O mesmo argumento foi endossado pela diretora de regulamentação da Oi, Viviane Perdigão. “O tratamento dado pela Anatel contribuiu para a entrada das PPPs no mercado, mas não representa mais essa necessidade na prática”, avaliou. Ela defendeu também que a classificação das PPPs passe a ter o recorte por cidade. “Esse é mercado é municipal”, disse.

Segundo Perdigão, a Oi já fez uma comunicação formal à Anatel com esses apontamentos e espera que a discussão ganhe corpo no âmbito da revisão do Plano Geral de Metas e Competição (PGMC).

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A presidente da Feninfra, Vivien Suruagy, também citou a necessidade de equilibrar a competição entre as diversas companhias que atuam no mercado. “Uma época foi necessária essa proteção, mas a meu ver isso não se verifica atualmente”, afirmou. “Precisa haver uma condição igual para todo mundo. Não falo em penalizar as PPPs, nem em criar regras mais rígidas, mas sim em simplificar o mercado para todas”.

Pelos seus cálculos, os pequenos provedores têm uma carga tributária 42% menor que as grandes teles, permitindo que ganhem mercado mais facilmente. Por outro lado, nem sempre isso vem acompanhado de desenvolvimento econômico e social. Segundo ela, há muitos casos de empresas pequenas que cometem sonegação fiscal, fazem instalação de fios em poste sem autorização e não treinam mão de obra adequadamente, aproveitando-se do fato de que passam mais distantes dos olhos da agência reguladora.

O que diz a Anatel

Presente no debate, o conselheiro da Anatel Emmanoel Campelo admitiu que há distorções no mercado, mas ponderou que isso já era esperado quando os estímulos foram criados lá trás. O principal ganho, na sua avaliação, foi a difusão rápida da internet.

“São inquestionáveis os benefícios que a assimetria regulatória trouxe nos últimos anos”, ressaltou. “Através das assimetrias, permitiu-se o crescimento das provedoras e a massificação da banda larga favorecendo a vida da população, exatamente o que buscava a Anatel.”

Campelo disse também considerar natural que haja uma atualização das regras após esse ciclo, mas não se comprometeu com a proposta de Oi e Claro. “Eu prefiro falar em uma regulação mais simples e enxuta para todas a discutir manter ou não as assimetrias, porque isso seria um cabo de guerra interminável”, afirmou. “A Anatel tem que pensar na melhor saída para todas, não de forma fragmentada.”

A Secretária de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Nathália Lobo, demonstrou a mesma visão, de que a política de incentivos trouxe resultados positivos para expansão da internet. Ela citou que, em 2008, só 4% dos municípios na zona rural tinha internet. Hoje são 78%. Na área urbana, eram 20%, hoje são 83%. E, no caso de eventuais ajustes na política, disse que vai trabalhar junto da Anatel, mas também sem sinalizar acolhimento dos pedidos das grandes operadoras.

O que dizem os provedores regionais

O presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp), Luiz Henrique Barbosa, defendeu que os incentivos aos provedores regionais serviram no passando e ainda continuam funcionando. Ele mencionou que o Brasil passou de 24 milhões de acessos em banda larga para 48 milhões nos últimos anos.

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“O incentivo da Anatel não serviu para tomar participação de mercado, mas para chegar com internet em novos locais que não estavam atendidos”, afirmou. “É algo que faz sentido para promover competição e incentivar o bem estar das pessoas. Caso contrário, teríamos um oligopólio, um mercado de baixa competição, como acontece na internet móvel.”

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