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Doutor em Economia

E se criássemos um arcabouço social?

Uso de gatilhos e algoritmos na política econômica indicam que é possível criar algo parecido na área social

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Por Pedro Fernando Nery

Podemos fazer política social de forma diferente. Desde pelo menos a Lei de Responsabilidade Fiscal, usamos gatilhos para que uma determinada variável se dirija a um patamar desejado. Por exemplo, proíbem-se “automaticamente” aumentos salariais se o gasto com pessoal estiver suficientemente alto. Por que não gatilhos para outras políticas públicas?

Mecanismos análogos aos da LRF foram instituídos no teto de gastos, na PEC Emergencial. A “algoritmização” existe em algum grau no próprio regime de metas de inflação (Selic deve subir ou descer para colocar a inflação no alvo). O Novo Arcabouço Fiscal tem também essa lógica de código: a dívida deve ser estabilizada, não podendo então a despesa crescer acima da receita. Esse crescimento da despesa dependerá de vários parâmetros, havendo maior folga se a arrecadação for bem (priorizando a demanda por investimento) e menor se for mal (priorizando a necessidade de primário).

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Há vantagens nesse tipo de desenho: a política tem propósitos mais claros, a sociedade é educada sobre os trade offs envolvidos, grupos de interesse perdem força com gatilhos de proibições, noticiário e órgãos de controle podem objetivamente monitorar resultados.

Poderíamos algoritmizar também a política social. Ainda estamos fazendo policy como no século 20, apesar de uma disponibilidade de dados muito maior, que tendem a ser atualizados de forma mais veloz (ainda que não tanto quanto informações financeiras).

Arcabouço fiscal foi apresentado por Haddad a Lula; governo fala frequentemente em garantir investimentos na área social Foto: Ricardo Stuckert

Algumas ideias são discutidas no Congresso. Veja que a proposta aqui não é apenas que exista uma meta ou objetivo para uma determinada variável, mas o acionamento de instrumentos para que ela seja atingida, sem necessidade de aprovação de novas normas. Exemplos incluem metas para a pobreza infantil que acionam ampliações do Bolsa Família com corte de gastos em outras áreas (PEC 11/20) ou para a desigualdade de renda que acionam transferências de renda de um lado e corte de privilégios tributários em outro (PLP 62/21). Há ideias ainda com alvos e gatilhos para o desemprego regional, inclusão da mãe solo e custo de vida nas cidades (PL 5.108/20, PL 3.717/21, PLP 134/21).

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Uma oportunidade perdida foi o veto do presidente Bolsonaro às metas para redução da pobreza e da pobreza extrema, emprestadas do projeto da Lei de Responsabilidade Social e aprovadas no Congresso durante a MP do Auxílio Brasil. A longevidade e a ampla aceitação desses algoritmos na política econômica indicam que estamos prontos para também criar um arcabouço social.

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