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Qual será a ‘cara’ do Brasil em 2042? Banco Mundial traça cenários rumo à produtividade e à inclusão

Segundo estudo, brasileiros precisam acolher tecnologia, enfrentar mudanças climáticas e adaptar-se às alterações demográficas, superando exclusão social e destruição dos recursos naturais

Foto do author Anna Carolina Papp
Foto do author Adriana Fernandes
Por Anna Carolina Papp e Adriana Fernandes

BRASÍLIA – O Brasil tem uma janela de oportunidade para fazer reformas capazes de moldar o desenvolvimento do País nas próximas décadas. Mas, para isso, precisa entrar num círculo virtuoso de produtividade, inclusão e sustentabilidade, avalia relatório do Banco Mundial.

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O estudo “O Brasil do Futuro”, com foco em 2042, apresenta uma perspectiva de longo prazo para o País, ilustrada por quatro cenários futuros, a depender dos caminhos que forem escolhidos. O objetivo é adotar ações para, nos próximos 20 anos, reverter o quadro atual, marcado por baixo crescimento, alta desigualdade e degradação ambiental.

“O Brasil daqui a 20 anos vai depender muito das escolhas que serão feitas nos próximos anos. O que o relatório traz são cenários e visões distintas. Obviamente, o que a gente propõe é que o Brasil deixe para trás aquele legado de exclusão, de crescimento por meio de acumulação, de destruição dos recursos naturais”, avalia Cornelius Fleischhaker, economista sênior para o Brasil na Prática Global de Macroeconomia, Comércio e Investimento do Banco Mundial, em entrevista ao Estadão.

Cornelius Fleischhaker - Economista Sênior para o Brasil na Prática Global de Macroeconomia, Comércio e Investimento do Banco Mundial. Foto: Helio Montferre/Ipea

Ele destaca que o País precisa entrar num círculo virtuoso, que combine a produtividade na economia com a inclusão social e a sustentabilidade ambiental. “Não pode ser mais um crescimento baseado na destruição de recursos naturais. E, para isso acontecer, tem de haver algumas mudanças nas políticas públicas. Você não pode esperar ter um resultado diferente sem mudar o comportamento”, afirma.

Para enfrentar esses desafios, segundo o relatório, o Brasil precisa se preparar para as chamadas megatendências que vão mudar a “cara” da nação nas próximas décadas: um país mais velho, mais conectado e mais sujeito a mudanças climáticas. “Para se prepararem para essas megatendências, os brasileiros precisam acolher as mudanças tecnológicas, enfrentar as mudanças climáticas e adaptar-se às mudanças demográficas”, diz o documento.

O relatório destaca seis áreas que julga essenciais para mudar a rota de desenvolvimento do País:

  • aumento da produtividade do setor privado para impulsionar o crescimento de forma ambientalmente sustentável;
  • enfrentamento da causa da desigualdade na qualidade do sistema educacional brasileiro de forma a eliminar a lacuna entre qualificações e empregos;
  • fortalecimento da pertinência e sustentabilidade dos sistemas de proteção social para os desafios futuros;
  • reformulação do atual espaço limitado da política fiscal em conformidade com as prioridades de longo prazo;
  • melhoria do acesso a serviços de infraestrutura;
  • construção de um sistema tributário mais equitativo e eficiente.

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Segundo o Banco Mundial, essas reformas precisam combater privilégios arraigados, mas só serão bem-sucedidas se obtiverem amplo apoio da sociedade brasileira. Isso requer o fortalecimento do que o documento chama de “contrato social do Brasil”, para oferecer à população a confiança necessária de que as reformas beneficiarão a todos no longo prazo. O banco avalia que a promoção da inclusão terá um papel amplo e crucial para a trajetória do Brasil até 2042.

'Os brasileiros precisam acolher as mudanças tecnológicas, enfrentar as mudanças climáticas e adaptar-se às mudanças demográficas', diz o Banco Mundial. 

Produtividade

O relatório destaca que o País tem um grande desafio para aumentar a produtividade, estagnada há décadas. Um dos principais entraves nessa área, segundo o documento, é o baixo capital humano, o que exigiria mais investimentos em educação e capacitação. O texto também aponta o baixo nível de investimento em infraestrutura. “O Brasil precisa investir mais e melhor”, diz o documento.

Outro entrave é a ineficiência do sistema tributário, com grande número de regimes especiais e alíquotas que variam de acordo com a região e o setor. “A complexidade do sistema tributário brasileiro dificulta a alocação produtiva dos recursos das empresas e acarreta um alto custo de conformidade”, diz o texto.

Segundo o relatório, a substituição de impostos indiretos por um imposto único, embora partilhado entre os entes federativos, sobre o valor agregado (IVA) representa uma grande melhoria. “Um ponto muito claro de distorção é o sistema tributário – um problema que agora está sendo atacado, e ainda bem”, diz Fleischhaker, em referência à proposta de reforma tributária dos impostos sobre consumo que tramita no Congresso Nacional.

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O texto também destaca a necessidade de reforma da renda, que deve ser enfrentada no ano que vem pelo governo, a fim de tornar o sistema mais progressivo – uma vez que hoje, proporcionalmente, a população de baixa renda paga mais impostos do que os mais ricos.

O Banco Mundial defende a harmonização da tributação da renda em diferentes bases tributárias, a remoção de isenções para dividendos e rendimentos previdenciários e o fim de isenções fiscais regressivas e ineficientes.

Outro ponto destacado é a necessidade de uma abertura maior ao comércio internacional. “O Brasil continua em grande parte fora das cadeias globais de valor, ainda é uma economia muito fechada – o que também significa que as empresas muitas vezes não têm acesso a insumos que podem torná-las mais produtivas”, pontua Fleischhaker. O relatório também frisa a necessidade de políticas que incentivem a inovação, inclusive do setor público.

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Contas públicas

O estudo destaca que a sustentabilidade fiscal é um pré-requisito para atender a outras prioridades. Segundo o documento, o novo arcabouço fiscal, aprovado neste ano, é uma regra mais flexível e mais equilibrada do que o teto de gastos, criado em 2017, que limitava o crescimento das despesas à variação da inflação.

“Uma crítica à regra (teto de gastos) é que ela restringia os gastos com investimentos que estavam sendo comprimidos pela expansão das despesas correntes obrigatórias – especialmente em folha de pagamento e pensões. Ela também foi considerada demasiadamente rígida num mundo com choques cada vez mais intensos, como a pandemia de covid-19 ou choques climáticos”, diz o texto.

Segundo o Banco Mundial, se implementado de forma adequada, o arcabouço fiscal vai proporcionar uma âncora para estabilizar a dívida pública, permitindo, ao mesmo tempo, um maior investimento público. “Da forma como está desenhado, escrito na lei, está bom. Obviamente, a credibilidade não depende puramente do que está na lei, mas do comportamento ao longo do tempo. Então, esse arcabouço novo ainda precisa ser construído”, pondera Fleischhaker.

Ele chama a atenção, porém, para a rigidez orçamentária, o que prejudica os investimentos. “O mais importante no longo prazo é a qualidade da despesa pública. A despesa no Brasil é muito rígida, o governo não tem como mexer muito no dia a dia. Então, no longo prazo, é muito importante que sejam feitas reformas que, de certa forma, limitem ou diminuam essas despesas rígidas para depois o governo, de fato, arranjar espaço para fazer uma política de despesa de maior qualidade.”

O relatório avalia que, apesar de a reforma da Previdência, aprovada em 2019, ter sido um passo fundamental, os programas previdenciários públicos continuam extremamente fragmentados e são uma fonte de vulnerabilidade fiscal.

“A reforma previdenciária estabilizou o déficit até o final da década de 2030; contudo, devido às mudanças demográficas, novos ajustes serão necessários após esse período”, diz o estudo. “Uma preocupação mais imediata são os crescentes déficits em muitos sistemas previdenciários do funcionalismo público subnacional, que devem piorar em pelo menos dez Estados e impossibilitar o uso de receitas públicas para serviços sociais, infraestrutura e investimentos nas gerações mais jovens.”

O texto ainda defende que o País precisa não só aumentar os gastos com saúde e educação, mas melhorar a eficiência do gasto.

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Agenda verde e sustentabilidade

O texto pontua que há limites para o modelo de crescimento adotado no Brasil, baseado na acumulação e na exploração ambiental. O país, porém, tem grande potencial na área de sustentabilidade, por ter uma matriz energética mais limpa do que a maior parte dos países grandes e muito potencial para ampliar as energias renováveis.

Fleischhaker reconhece que o governo Lula tem priorizado a agenda verde, com medidas para regulação do mercado de carbono e incentivo a combustíveis mais limpos, por exemplo, mas afirma que o combate ao desmatamento ainda deve ser uma prioridade na área ambiental, principalmente sob a ótica internacional.

“Esse governo está colocando isso muito em pauta, com o Plano de Transformação Ecológica. Mas o mais urgente, no curto prazo, é a questão do desmatamento, sobretudo na Amazônia. É aí que o Brasil tem o risco de um ponto de inflexão, do colapso do bioma da Amazônia. É muito importante que o Brasil faça todo o possível para evitar esse risco”, diz o economista.

Com base nas escolhas feitas pelo País nos próximos anos, o Banco Mundial projetou quatro cenários possíveis para 2042:

Cenário 1: Produtividade e inclusão limitadas, com degradação ambiental

O primeiro cenário é a manutenção do velho estilo de governar e a rejeição de reformas fundamentais entre 2022 e 2042, o que, segundo o Banco Mundial, resultaria numa perspectiva sombria para o Brasil. Haveria aumento da desigualdade e a dívida pública atingiria níveis insustentáveis.

A expansão do “Arco do Desmatamento” na Amazônia destruiria hábitats naturais e aumentaria as secas. A criação de empregos seria baixa e no setor informal, aumentando a pobreza extrema, a insegurança e a criminalidade. A falta de investimento em tecnologia e inovação deixaria o Brasil na periferia do mundo desenvolvido, isolado das oportunidades econômicas emergentes.

Cenário 2: Progresso na inclusão sem ganhos de produtividade

No segundo cenário, as reformas se concentrariam em áreas cruciais, como a melhora da proteção social e da educação. Mas, sem uma demanda por trabalhadores, a redução da pobreza seria limitada, e a classe média se tornaria mais precária.

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O abandono de um modelo de crescimento extrativista seria mais difícil numa economia estagnada, e o Brasil permaneceria pouco competitivo e teria dificuldades para se integrar às cadeias globais de valor.

Cenário 3 : Progresso na produtividade sem inclusão e sustentabilidade

No terceiro cenário projetado, haveria progresso na produtividade, mas os ricos se beneficiariam desproporcionalmente do crescimento econômico. Isso porque a produtividade, embora fundamental para aumentar a renda e ajudar na transição da economia rumo a um modelo de crescimento mais sustentável, não promove necessariamente a inclusão por si só.

O aumento da desigualdade num país já desigual teria de ser sustentado por meio de governos com traços mais autoritários, o que poderia afastar muitos parceiros internacionais apesar do crescimento da produtividade.

Cenário 4: um país próspero, inclusivo e sustentável

O quarto cenário combina produtividade, inclusão e sustentabilidade. A renda cresceria para todos, especialmente para as camadas mais pobres, reduzindo a desigualdade. As pressões sobre o meio ambiente diminuiriam, e um modelo de crescimento menos extrativista, aliado a instituições fortes e capazes de proteger as riquezas naturais, reverteria a degradação ambiental.

O Brasil adotaria novas tecnologias e se integraria às cadeias globais, reduzindo emissões e se tornando mais resiliente às mudanças climáticas. “É o cenário que valeria a pena comemorar quando o Brasil completar 220 anos de história”, diz o relatório do Banco Mundial.

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