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Opinião|A importância e o alcance da Alma Mater nas instituições de ensino superior

Não basta passar conteúdo, é fundamental vivenciar valores

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Tempos atrás fiz uma viagem à Petrolina com a FoodSafaris. Embora meu perfil não se encaixasse ao do grupo, composto por chefs de cozinha e exímios cozinheiros não profissionais, em comum apreciávamos a boa culinária. Segundo Paulo Machado, chef de cozinha, professor e curador de caçadas gastronômicas da empresa, a ideia surgiu depois de anos lecionando em cursos de gastronomia, pois percebeu que precisava ir além das salas de aula tradicionais e adotar metodologias de aprendizagem com foco na experiência.

Daí veio a ideia da empresa FoodSafaris que, em 2023, completou 10 anos de turismo gastronômico. Ele e sua sócia, Pollianna Thomé escolhem destinos com relevância gastronômica e fazem dos ingredientes e das técnicas de cozinha o principal atrativo - e sempre incluem atividades culturais. Gostei tanto que resolvi fazer um outro roteiro por eles proposto: o Japão.

 Foto: igapy - stock.adobe.com

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Nesta expedição gastronômica de dez dias as atividades foram bem variadas, fosse em Tóquio, percorrendo os bairros mais pulsantes unindo tradição, templos, museus e modernidade. Ou em Niigata* que é a maior produtora agrícola do Japão, cercada por arrozais. Visitamos também a ilha de Sado, com apresentação de Geishas e tambores. Seguiu-se uma visita guiada ao Mercado de Peixes, aula exclusiva sobre missôs e aulas sobre saquês, com degustação.

Experimentamos uma hospedagem em estilo tradicional japonês, incluindo vestimentas e uma refeição no estilo Kaiseki, em que o chef dedica-se à habilidade meticulosa de preparar os alimentos de forma artesanal e muito elaborada. Importante ressaltar o esforço sistemático da sociedade japonesa em manter vivas suas tradições e rituais. De fato, a modernização do Japão, ao fim do século XIX, foi concebida com uma drástica separação entre modernidade tecnológica e econômica e manutenção das tradições da sua cultura.

Ainda sobre Niigata, a visita abriu espaço para considerações afins com os propósitos da minha coluna neste jornal. Sendo assim, gostaria de destacar a visita ao Northern Culture Museum, pois foi uma experiência especialmente significativa para mim, além de ilustrar o poder das instituições educacionais, cuja influência de muito ultrapassa o lado puramente funcional do que nelas se aprende.

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Da residência ao museu

O prédio, construído em 1887, foi o lar da família lto, uma das maiores proprietárias de terras do Japão, e serviu como residência até 1946.

Bunkichi Ito, da sétima geração da família, estava muito preocupado com os destinos da propriedade, pois após a Segunda Guerra Mundial, o Japão foi ocupado e governado pelo General Headquarters (GHQ) das potências aliadas, através de militares americanos. Foi então implementada uma Reforma Agrária que desmantelou as propriedades fundiárias. Como resultado desta reforma, a família Ito perdeu quase toda a sua área agrícola. A enorme casa com sessenta aposentos e todas as obras de artes e relíquias nela contidas poderiam estar com os dias contados.

Ralph Wright-Peterson, então primeiro-tenente do Exército dos EUA, foi designado para ajudar a reestruturar o sistema público de educação, no caso, as escolas municipais de Niigata. Os Estados Unidos e seus aliados pretendiam implantar novas escolas e reformar o sistema educacional japonês. Para isto, levaram equipes de especialistas em educação e trabalharam em estreita colaboração com o governo japonês. Os objetivos principais eram promover a democratização, a modernização, a internacionalização e a desnazificação e desmilitarização da sociedade. Queriam oferecer educação para todos e que o Japão adotasse uma visão mais aberta e progressista em relação aos valores democráticos e direitos humanos.

Durante a ocupação, o jovem oficial visitou a mansão Ito com o propósito de transformá-la num edifício de apartamentos para alojamentos.

Na tentativa de alterar as decisões de Ralph, Bunkichi Ito inicia um diálogo com ele e pergunta se não seria possível converter sua casa num museu, para que não fosse descaracterizado um prédio e uma coleção tão importantes. Desta forma, a herança cultural da família Ito seria preservada.

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Após uma breve conversa entre os dois, Ralph surprendeu-se com o fato de Ito falar fluentemente o idioma inglês. Questionado, Ito então disse que falava bem inglês porque no início da década de 1920 havia estudado na The Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. E qual não foi a surpresa, ambos haviam estudado lá, embora em épocas diferentes. Tinham a mesma “Alma Mater”! A empatia entre os dois foi imediata, facilitando um profícuo e respeitoso diálogo entre eles.

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Este vínculo comum permitiu atender aos anseios de Ito e a mansão foi transformada num museu para que todos pudessem estudar e desfrutar a cultura local japonesa. Se eles não se conhecessem e se entendessem, hoje a mansão não existiria. Portanto, a relação entre Ralph e Ito pode ser vista como um exemplo de cooperação intercultural no pós-guerra que permitiu a preservação de um importante patrimônio cultural. Com isso, nasce o Northern Culture Museum. Essa colaboração contribuiu para a compreensão mútua entre sociedades e promoveu o respeito pela cultura e história japonesas, apesar dos desafios e traumas da Segunda Guerra Mundial. “O meu trabalho principal era trabalhar com as escolas”, disse Ralph, “mas o que mais gostava eram os aspectos relevantes para a cultura, artes e monumentos japoneses”. O Museu é considerado um símbolo permanente de paz e amizade.

O poder da “Alma Mater” e dos rituais

“Alma Mater” é uma locução latina usada nos Estados Unidos para se referir à instituição educacional (geralmente uma universidade ou faculdade) onde alguém estudou ou se formou. É uma maneira de expressar um senso de afinidade, carinho e gratidão pela instituição que desempenhou um papel importante em sua educação, porque a instituição ajudou a nutrir seu desenvolvimento acadêmico e pessoal.

Há valores e um senso de propósito associados ao significado de “Alma Mater”, que sinteticamente:

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  • Representam valores relacionados à busca do conhecimento, ao desenvolvimento intelectual e ao crescimento pessoal;
  • Traduzem-se em valores de comunidade, solidariedade e conexão com outros ex-alunos e membros da instituição;
  • Conferem um senso de propósito e orgulho, bem como um compromisso com a preservação e a continuidade dessas tradições;
  • Inspiram a servir suas comunidades ou sociedades de maneira significativa;
  • Motivam os ex-alunos a se esforçarem para alcançar a excelência em suas carreiras e contribuir para a sociedade de maneira significativa.

Em resumo, o conceito de “Alma Mater”, em geral, está associado a uma série de valores, princípios e propósitos, envolvendo um senso de conexão, gratidão e compromisso com a instituição que desempenhou um papel fundamental em sua formação educacional e pessoal.

Tal como acontece, sobretudo, nas escolas mais prestigiosas, todos esses valores estão impregnados no dia a dia da Wharton School e pude senti-los quando lá estive, em 1998, realizando um Programa de Professor Visitante. A prática de tais valores se manifesta em rituais incorporados no cotidiano dos alunos, professores e funcionários, dando concretude à cultura institucional que transborda os muros da escola e ultrapassa fronteiras. Segundo o antropólogo americano Bradd Shore os rituais exercem uma influência sutil, mas poderosa, na formação de nossas vidas. Aí reside a essência do cultivo do espírito da “Alma Mater”.

Inspirada nesta história, espero que 2024 traga para o mundo mais entendimento, harmonia e paz!

* Esta coluna foi escrita antes do recente terremoto no Japão. Felizmente tive notícias de que todos envolvidos nos tours realizados em Niigata, uma das cidades muito afetadas, estão bem. Oremos pelo Japão!

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Opinião por Marisa Eboli
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