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Reforma administrativa: ‘Não vamos mexer na estabilidade’, diz ministra Esther Dweck

Em vez de PEC, governo vai trabalhar com projetos de lei, que incluem reestruturação de carreiras, mudanças nos concursos e avaliação de desempenho do servidor com metas

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Atualização:
Foto: Wilton Junior/Estadão
Entrevista comEsther Dweckministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos

BRASÍLIA – À frente da reforma administrativa do governo Lula, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, afirma que a estabilidade do servidor será preservada na proposta que está em discussão na atual gestão. Em entrevista ao Estadão, a ministra conta que prefere chamar a proposta de reforma da transformação do Estado, que já está em curso no ministério, segundo ela.

“A estabilidade protege o Estado. Protege o servidor? Protege, mas protege principalmente o Estado, no sentido de evitar perseguições políticas ou retaliações contra quem denunciar malfeitos. A ministra Simone (Tebet) fala muito nesse assunto do ponto de vista da pandemia, daquele dia emblemático em que o servidor denunciou o que estava acontecendo na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Foi por causa da estabilidade que ele fez isso. No caso das joias do Bolsonaro, também”, afirma ela, que ressalta que a reforma não tem o viés de redução do Estado.

A ministra afirma que está pronta para dialogar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para mostrar os dados da folha de pessoal. Ela critica a “reforma” feita pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro por meio de congelamento de salários e concursos – o que, na sua avaliação, precarizou o serviço público.

Esther defende um sistema de medição da avaliação de desempenho com metas. Foto: Wilton Júnior/Estadão

“Se pegar de 1997 a 2017 – ou seja, 20 anos –, (o gasto com servidores) estava em 4,2% do PIB. Em 2022, chegou num piso que historicamente nunca teve. Foi uma reforma feita de maneira silenciosa, que eu cheguei a ouvir do (Roberto) Campos Neto (presidente do Banco Central) que foi do jeito errado de fazer”, ressalta.

Esther defende um sistema de medição da avaliação de desempenho com metas e afirma que é possível abrir um processo administrativo se o servidor não estiver trabalhando direito. “É permitido hoje; não é preciso mudança constitucional para isso”, diz.

Ao invés de uma Proposta de Emenda à Constitucional (PEC), o governo vai trabalhar com projetos de lei, que incluem a reestruturação de carreiras, mudanças nos concursos para diminuir a judicialização e avaliação de desempenho do servidor com metas. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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A reforma administrativa é uma pauta econômica que está esquentando no Congresso. O que seria uma reforma do governo Lula? Porque a que há hoje no Congresso é a de Bolsonaro, a PEC 32.

A criação do Ministério da Gestão pressupõe que está se querendo enfrentar discussões da administração pública. O nome “reforma administrativa” traz um cunho muito liberal. É claro que a PEC 32 tem esse peso. Toda vez que se falou amplamente sobre reforma administrativa, tinha esse viés de redução do Estado – o que não é, obviamente, o viés do governo Lula. Mas isso não significa que a gente não enxergue que existem vários problemas na administração pública federal que precisam ser enfrentados. Ter um ministério focado nisso é para que essas pautas não sejam relegadas a um segundo plano.

Qual é a estratégia?

Tínhamos aqui secretarias muito pesadas, antigas. O (Fernando) Haddad, no Ministério da Fazenda, já tinha criado a secretaria extraordinária tributária. Falei: por que não criar uma secretaria extraordinária, mas de transformação do Estado, que no fundo é a pauta de uma reforma administrativa ampla?

A sra. quer dizer que a semente da reforma estava desde a gênese do ministério ?

O nome não é o ideal porque esse processo de transformação do Estado é permanente. Desde o início, essa é a missão do Francisco Gaetani (secretário extraordinário). Temos uma visão de que o que se precisa fazer não depende de uma emenda constitucional. Ela teria sentido se, de fato, fosse fazer algo que abarcasse todos os Poderes, Estados e municípios. Mas, na nossa visão, as coisas mais urgentes neste momento estão dentro da administração pública federal e que podem ser feitas por projetos de lei.

Achamos que a estabilidade protege o Estado. Protege o servidor? Protege, mas protege principalmente o Estado, no sentido de evitar perseguições políticas ou retaliações contra quem denunciar malfeitos. A ministra Simone (Tebet) fala muito nesse assunto do ponto de vista da pandemia, daquele dia emblemático que o servidor denunciou o que estava acontecendo na CPI. Foi por causa da estabilidade que ele fez isso. No caso das joias do Bolsonaro, também. Isso demonstra a importância da estabilidade para o Estado brasileiro. Por isso, achamos que a estabilidade tem valor. Outra coisa é o desempenho dos servidores. Claro, é preciso medir o desempenho.

Então vocês não vão mexer na estabilidade?

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Não vamos mexer. A estabilidade hoje permite a demissão. A maior parte das demissões é por ilícitos; mas, no limite, também poderia ser por questão de desempenho. O ponto é que estamos precisando fortalecer a capacidade de avaliação de desempenho. É o nosso foco. O mais importante é exigir que as áreas definam os seus planos de atividades e demonstrem como o plano de trabalho de cada servidor contribui para aquela atividade. Com isso, dá para saber se o servidor cumpriu o plano ou não cumpriu, como ele está trabalhando, inclusive para dimensionar se uma área está exigindo de mais ou de menos. Estamos montando um sistema de monitoramento desses planos de trabalho, definindo o que acontece quando o servidor não cumpre. Por outro lado, também fortalecendo o combate ao assédio moral. Vai haver metas, uma série de coisas. Isso é a base para poder dizer depois se a pessoa de fato está trabalhando direito ou não.

Mas se a pessoa não estiver trabalhando direito, ela poderá ser demitida?

No limite, você pode abrir um processo administrativo se a pessoa não estiver trabalhando direito. É permitido hoje, não é preciso mudança constitucional para isso. Mas o nosso foco agora é como eu avalio o desempenho dos servidores.

Precisa de um projeto de lei para isso?

Não. Isso tudo fizemos por instrução normativa e aí tem a adesão dos órgãos.

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A visão de Lira é a de redução do gasto.

Tem medidas de redução de gastos, por exemplo, que o ministro Fernando Haddad gostou, que é o PL dos supersalários. A parte da PEC 32 que mexe com os supersalários é mínima em relação ao que já existe. O que falta é regulamentação. Não é uma mudança constitucional que vai fazer isso. Tem ações que podem afetar do ponto de vista do gasto, mas, na nossa visão, a reforma administrativa abrange três áreas: pessoal; processos internos, que envolve a transformação digital; e a área das organizações – como eu mexo nas organizações do ponto de vista da relação entre administração direta e indireta. A PEC 32 tem, por exemplo, uma questão completamente flexível sobre a contratação de temporários.

De que forma?

Nós não concordamos com o que está lá, mas a gente acha que tem que discutir a contratação de temporários em algumas áreas, sim, e melhorar a forma de contratação. Na Funai, por exemplo, enviamos uma Medida Provisória permitindo a ampliação do prazo de permanência dos temporários. Foi um pedido da própria Funai, que precisa contratar mateiros e pessoas da região. Eles nunca serão um funcionário público, mas é um temporário que eu não posso perder. Sabemos que isso precisa ser discutido, mas não do jeito que está na PEC 32, e pode ser feito por meio de projeto de lei; não precisa de emenda à Constituição.

O que a sra. quer dizer quando tem falado publicamente em reforma fatiada?

São vários projetos de lei, provavelmente. Eu posso juntar num só e mandar um só, mas eles mexem em várias leis diferentes. No sentido de ser fatiada, é que são vários assuntos.

Neste ano ainda?

Do ponto de vista de cronograma, nossa ideia é, este ano, terminar o debate interno no governo. E aí tomar a decisão sobre se mandamos neste ano ou no início do ano que vem. Fazemos uma conversa legislativa antes de mandar.

Como é que o governo vai trabalhar politicamente se o Congresso vier com essa pauta, como tudo indica?

Estamos prontos para dialogar com ele (Arthur Lira), inclusive mostrando os dados, que não teve esse aumento gigantesco, mostrando até as previsões que a gente tem, diante do arcabouço aprovado, para a expectativa de crescimento das despesas com pessoal. Está bastante controlado. Estamos nos preparando para um debate para mostrar as nossas contrapropostas.

Uma das vantagens da PEC era a promessa de incluir os demais Poderes e também os militares. O pacote de vocês então não pega esses grupos?

Mas, nos pontos mais relevantes, eles foram excepcionalizados, tanto os servidores dos demais Poderes quanto os militares. Do ponto de vista de competência, o Ministério da Gestão não tem ingerência sobre os militares. Não significa que isso não aconteça, tanto que estamos discutindo com o ministro da Defesa a criação de uma carreira civil. Eles vieram apresentar também o cenário de reajuste deles, porque, obviamente, o recurso que tem para a reestruturação vai ter de ser dividido com todo mundo. O que estamos conversando com eles é que a gente não vai dar um tratamento diferenciado, nem pelo lado positivo nem pelo lado negativo.

Vocês vão colocar força política no PL dos supersalários?

Sim. O ministro Haddad saiu da reunião (sobre a reforma administrativa) falando disso até. É um tema super importante: discutir e organizar a aplicação do teto, porque uma pauta nossa é corrigir distorções dentro do serviço público. Essa é uma distorção.

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Poderia dar alguns exemplos do que é mais urgente nos projetos para a reforma?

A PEC (32) é muito focada nos servidores, porque ela foi trazida com essa visão de redução (de gasto com o servidor). Esse era o grande monte para caber dentro do teto de gastos. Essa redução de gastos do servidor foi feita no governo Bolsonaro, independente da PEC com congelamento, não contratação. Fizeram de uma maneira ruim, porque vai precarizando o serviço e gerando, obviamente, uma demanda represada dos servidores. Às vezes, as estatais vêm aqui e falam: os servidores tiveram reajuste de 9% e a gente só 3%. Eu digo: vocês estão tendo 3% esse ano, mas, mas tiveram aumento em todos os anos anteriores. Os servidores ficaram seis anos, alguns mais, sem aumento nenhum. Zero.

O chamado carreirão (formado por funcionários com ensino médio e com funções administrativas) está sem reajuste desde 2017?

Sim, porque eles achavam, com uma visão política equivocada lá em 2016, que o governo iria mudar e que eles conseguiriam um acordo melhor. As carreiras típicas de Estado olharam e disseram: “vamos garantir mais quatro anos”. Então, 80% dos servidores só tiveram reajuste até 2016 e 2017 só. E os outros tiveram até 2019. E, depois disso, só os militares tiveram uma reestruturação, que eles falam que não foi reajuste. Mas foi uma reestruturação que melhorou bastante a carreira militar relativamente às demais. Então, eles fizeram essa redução de custo da máquina com o servidor da maneira mais precária possível.

Quais as consequências?

Deixou áreas sem gente. Uma das coisas que a gente fez, e essa é uma parte da reforma administrativa super importante, que são os serviços compartilhados, que é um arranjo colaborativo, o Colabora Gov. Estamos com falta de pessoas especializadas em contratações no governo. Não tem. Cada vez que um ministério reclama que falta gente, ele rouba do outro. Aí, o outro reclama porque ele roubou a pessoa que fazia as compras daquele ministério. Vamos fazer agora uma grande contratação de técnicos nessa área, mas as pessoas demoram dois anos para estarem prontas para atuar de fato.

Essas pessoas serão contratadas em qual guarda-chuva?

Para ser uma carreira transversal.

É uma nova carreira?

Não, é o analista técnico administrativo mesmo. Uma grande parte vem aqui, vai ter na AGU, no Ministério da Cultura. Mas vamos ter um pool grande que poderá ser distribuído dentro da Esplanada.

Quais outros exemplos de projetos?

Estamos trabalhando em três áreas na parte pessoal, que vão desde a entrada no concurso. Estamos discutindo o concurso unificado para melhorar a democratização do acesso; no projeto de cotas, para melhorar a forma de aplicação da lei de cotas no serviço público; e estamos discutindo o PL de concursos que está no Senado.

O governo vai apoiar o projeto do Senado que trata de concurso?

O que aconteceu é que estávamos trabalhando num monte de coisas desde o início do ano, e como esse tema começou a crescer, era importante que a área econômica conhecesse o que a gente estava fazendo. É claro que a discussão da reforma administrativa vai além da pauta econômica stricto sensu porque nosso foco não é exclusivamente redução de custo, o que era o foco da PEC 32. Nosso foco é melhorar a administração pública.

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Mas reduz custo também?

Em algumas coisas, reduz. O que reduz custo no concurso? Conseguir ter uma boa noção de quantas pessoas você precisa para trabalhar. E, para isso, estamos fazendo duas importantes aqui dentro. Uma é uma instrução normativa. Estamos querendo conhecer melhor o que as áreas fazem, como cada servidor contribui para o que a unidade faz. Falta gente por quê? Aí, vai dizer que nessa área aqui não tinha gente suficiente para fazer tal coisa. Demos um peso muito grande para a área de transformação digital, até trazendo Dataprev para cá.

O que pode ser feito?

Uma discussão de uma infraestrutura bastante sólida do ponto de vista da infraestrutura digital por meio das empresas públicas, principalmente Serpo e Dataprev; que elas não fiquem competindo e nem cobrem preços abusivos dos Ministérios. Com esse trabalho a gente tem uma condição de dimensionamento da folha e não precisa fazer uma contratação... Não vai recuperar quantitativo de pessoas que tinha 10, 15 anos atrás. Acho que não precisa, mas também dizer que não precisa de ninguém é errado.

Qual vai ser esse quantitativo de servidores? O que vocês imaginam o fim do governo? O nível de quantitativo que tinha no fim do governo Lula?

Não. O fim do governo Dilma foi o pico. Não acho que vai voltar. Não é o objetivo. Muita gente que saiu é de carreiras que não precisa mais. Uma carreira que tem que ser remodelada é a de TI e estamos discutindo isso dentro do governo. Ela virou uma carreira chave, muito precária, muito terceirizada e muito temporária. Estamos investindo muito na questão de permanente formação.

A sra. vai enviar um projeto único com todas as carreiras?

Provavelmente não vai ser um único projeto porque os graus de maturidade são diferenciados, os impactos fiscais são diferenciados. A gente vai ter nesse ano algumas carreiras. Outras provavelmente só no ano que vem, porque esse processo longo de negociação que não é trivial.

Que tipo de carreira deve ter prioridade?

As duas maiores prioridades são a ANM (Agência Nacional de Mineração) e a Funai. A primeira foi a de educação, que abordou técnicos e docentes. Tem outro das polícias, da Polícia Federal, da Rodoviária Federal e da Penal. Cada uma teve uma reunião. Na educação, foi com técnicos, e outra de docentes. São problemas distintos e representados por entidades diferentes. A gente provavelmente vai juntar e fazer um pacote neste ano e no ano que vem, outro. Não será um para todo mundo.

E do ponto de vista fiscal, a reestruturação será neutra?

Alguma carreira pode até ser neutra, mas dificilmente é neutra. Agora, nossa ideia é que, quando você organiza isso, você começa a ter menos desses casos em que uma carreira tem um grande aumento e a outra fica parada. A gente está tentando organizar isso. Até ouvi o presidente Lira falando “ah, falta pelo lado da despesa”. Só que, pelo lado da despesa, a gente fez uma grande medida, que é um marco fiscal que dá o limite máximo de despesa. Não à toa, o espaço que teve para a negociação foi pequeno, porque o espaço que havia foi preenchido com outras coisas. E, se a gente olhar historicamente, mesmo no auge das contratações no governo Dilma e Lula, no auge das negociações salariais com grandes reestruturações, que foi de 2008 a 2010, a despesa como porcentual do PIB ficou constante e teve uma leve tendência de queda.

Esse não é o entendimento da oposição.

Se você pegar de 1997 a 2017 – ou seja, 20 anos – (o gasto com servidores) estava em 4,2% do PIB. Em 2022, chegou num piso que historicamente nunca teve. Foi uma reforma feita de maneira silenciosa, que eu cheguei a ouvir do (Roberto) Campos Neto que foi do jeito errado de fazer.

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